No exílio, governador teve vida produtiva

Segundo o filho Luiz Cláudio Arraes, o político denunciava a situação de tortura no Brasil e fazia articulações com representantes da esquerda mundial
JC Online
Publicado em 11/12/2016 às 8:32


Estar longe de casa não significou estar distante da política para Miguel Arraes. Os 14 anos de exílio, na Argélia (África), foram intensos, conta o filho, Luiz Cláudio (Lula) Arraes. O médico e pesquisador, hoje com 57 anos, era o caçula do primeiro casamento, um garotinho de 5 anos, quando o então governador de Pernambuco, o seu pai, foi deposto pelos militares em 1964. Lembra das vezes que visitou o pai na prisão, no primeiro ano do Golpe, sem entender exatamente por que ele estava ali. E da emoção que sentiu ao rever Arraes, anos depois, no Aeroporto de Paris.

“Os filhos, muito numerosos, não foram de uma vez só. Fui no último grupo. Demos um abraço coletivo. Foi um momento marcante”, descreve. Luiz Claudio conta que durante os 15 meses em que Miguel Arraes esteve preso, no Brasil, fez algumas visitas a ele, na Companhia de Guardas e no Corpo de Bombeiros, no Recife: “Era uma coisa muito traumática. Tinha uma prisão cheia de grades, meu pai pedia para o guarda afastar a metralhadora quando chegávamos”. Luiz Claudio Arraes já era órfão de mãe quando o pai foi deposto.

Lula Arraes foi criado inicialmente pela avó e pelas tias maternas. Só depois foi levado para o convívio do pai fora do País. “Meu pai trabalhava o dia inteiro. Começou a fazer política no dia em que pisou no exílio”, destaca. Com outros brasileiros, passou a escrever um jornal, editado em oito línguas, para denunciar ao mundo os instrumentos de tortura no Brasil. Ao mesmo tempo essas publicações, que voltavam para o País, levavam informações do pensamento e da luta que se travava no mundo também pela libertação de algumas nações da exploração colonialista.

O jornal francês Le Monde veiculou a matéria tal qual a publicação de Arraes e companhia, recorda Lula, revelando a relação que o pai desenvolveu com a mídia internacional e algumas lideranças políticas mundiais. 

No livro Conversações com Arraes, de Cristina Tavares e Fernando Mendonça, o governador relata que não foi por acaso a opção pela Argélia. “Era um país que tinha enfrentado uma luta pela independência do colonialismo francês. Lembrei-me também de ter sido a África o continente para onde foram banidos todos os que lutaram pela independência do Brasil junto com Tiradentes”, justificou Miguel Arraes.

Para o cientista político da Fundação Joaquim Nabuco Túlio Velho Barreto, o exílio refletia a personalidade de Arraes. “Ele foi um político com compreensão de mundo, de estar aliado com o Terceiro Mundo. Foi um interlocutor importante da esquerda mundial”, explica. O jornalista pernambucano Ayrton Maciel, que também acompanhou a trajetória de Arraes nos dois últimos governos, após o Golpe, destaca o pensamento sempre atualizado sobre a conjuntura internacional. “Com mais de 80 anos, mantinha-se contemporâneo, sabia o que estava ocorrendo e por que ocorriam determinados fatos nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia, na África e na América Latina.”

Arraes poderia ter sido candidato a presidente da República

Popularidade, reconhecimento nacional e fora do Brasil em razão da luta pela democracia, experiência em gestão e no Parlamento. Só faltava a Arraes a presidência da República. No livro sobre a trajetória do “Guerreiro do povo brasileiro” (uma das aclamações dirigidas a ele na volta ao País), a jornalista Tereza Rozowykwiat escreve que o ex-governador morreu sem realizar o sonho de ser presidente. 

“Ainda em 1964, antes de ser deposto, preso e exilado pelo golpe militar, Arraes e Brizola (ex-governador do Rio e várias vezes candidato a presidente da República) eram os mais cotados para suceder João Goulart nas eleições marcadas para 1965”, revela. Na publicação, ela conta que o então prefeito de Porto Alegre (RS), Sereno Chaise, defendia a candidatura do governador pernambucano e o articulador dessa possibilidade, em São Paulo, era o deputado Almino Afonso. Um ato chegou a acontecer na Paraíba, em 1963, com lideranças políticas e de movimentos sociais, para lançar Arraes ao novo cargo. Em 1979, no comício da volta, no Recife, também foi saudado como candidato a presidente, conta Tereza. Quando as diretas voltaram a ser realidade, o PMDB optou por Ulisses Guimarães. Na ocasião, outras candidaturas de esquerda também ganharam destaque, como as de Brizola e de Lula (PT).

Segundo a jornalista, Arraes nunca verbalizou publicamente o interesse pela presidência da República. Desconversava sobre o tema, dizendo não ter sentido ser candidato de si mesmo. As condições pessoais para comandar o País não lhe faltavam. O problema eram as alianças e configurações das forças partidárias para buscar os votos.

As virtudes de Miguel Arraes, pela forma de praticar política, ganham maior valor nos tempos atuais, de descrédito da população com os seus representantes. “Ele faz falta sem dúvida alguma. A gente está órfão de políticos como ele”, observa Túlio Velho Barreto. 

Mesmo sem chegar ao cargo mais alto do País, as políticas públicas defendidas por Arraes acabaram influenciando governantes, como Lula, que também tinha origem no Nordeste. “Muita coisa feita por outros governos, a preocupação com a Zona da Mata, a distribuição de energia e a oferta de cisternas não podem ser esquecidas mesmo em gestões conservadoras.” 

“Arraes foi um político de dimensão nacional. Acompanhei de perto um pedaço de sua trajetória e pude ver de forma muito clara a sua preocupação sempre com os menos favorecido

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