É preciso ficar atento aos cantos de sereia, diz Lavareda sobre 2018

Lavareda ficará à frente do programa 20 minutos, produção do SJCC, e vai descortinar os bastidores do poder
Marcela Balbino
Publicado em 15/09/2017 às 17:24
Lavareda ficará à frente do programa 20 minutos, produção do SJCC, e vai descortinar os bastidores do poder Foto: Guga Matos/JC Imagem


Os brasileiros enfrentam um dos momentos mais turbulentos da história recente do País com a combinação árida das crises econômica, política e ética. Uma esfera rebate na outra e o eleitor assiste a tudo atônito. Na busca por jogar luz sobre os problemas que afligem a população, estreia amanhã o programa 20 minutos, na TV Jornal. Produzido com uma linguagem dinâmica e atual, o semanal vai discutir os bastidores do poder e trazer entrevistas com representantes da esfera política, empresarial e nomes da sociedade.

Com múltiplas formações, o cientista político, jornalista e advogado Antonio Lavareda vai capitanear o programa, exibido aos sábados, a partir das 19h20. Em uma conversa com a reportagem do Jornal do Commercio, o sociólogo, autor de onze livros sobre política, opinião pública e comunicação, observa que essa é uma das crises mais profunda da Nova República e faz o alerta para as eleições de 2018: “eleitor ano que vem terá que ficar muito atento aos cantos de sereia”. A primeira entrevista será com o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho (PSB), que encampa batalhas no campo partidário, com o processo de saída do partido, e no governo, com a privatização da Eletrobras.

JORNAL DO COMMERCIO - Nos últimos anos, o Brasil tem atravessado uma das mais agudas crises política, econômica e ética. Os sucessivos casos de corrupção dão ideia de poço sem fundo. O caminho para o fim ainda está longe? É possível vislumbrar um futuro mais positivo e saneado?

LAVAREDA - Essa, sem dúvida, é a crise mais profunda da Nova República, nosso período histórico pós-autoritarismo, iniciado em 1985. Crises políticas tivemos outras, mas essa é a que mais se aproxima do modelo de “crise geral”, algo que raríssimas vezes ocorre na vida de um País. Nela, vemos o aguçamento da crise de representação combinada com a perplexidade de conflitos generalizados entre os poderes. Do Executivo com o Legislativo, que levou ao impeachment de Dilma, seguido pela contenda entre o Judiciário de um lado e Executivo e Legislativo de outro, e agora incluindo um enfrentamento interno, autofágico, no próprio Judiciário. Esse processo é permeado pela crise moral despertada pela Lava-Jato e turbinado pela maior recessão de todos os tempos que atirou ao desemprego mais de 14 milhões de pessoas. Escapar não é fácil. Exigirá um reexame profundo das instituições, além da adoção de novos paradigmas de comportamento dos agentes públicos. Do lado da sociedade, do cidadão, será bom lembrar que nesses tempos de vertigem dos valores o eleitor ano que vem terá que ficar muito atento aos cantos de sereia. Já assistimos a esse filme outras vezes. Quando aqui ou lá fora a política, seja por que motivo for, é satanizada, logo aparecem as tentações populistas e messiânicas, os salvadores da pátria. O Brasil experimentou algo assim em 1989. Na democracia isso nunca dá certo.

JORNAL DO COMMERCIO - O programa 20 minutos chega com o propósito de apresentar um panorama sobre o poder em suas várias faces, num momento em que políticos como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, trabalham com o que ele chamou de “fatos alternativos” para falsear a verdade e atacar a imprensa. Qual a importância de se criar um projeto como esse, em meio ao cenário tão desalentador que o Brasil enfrenta?

LAVAREDA - Infelizmente, é em meio a situações como a que atravessamos hoje que muitos de nós terminamos por nos dar conta de como o poder interfere fortemente em nossas vidas. Emprego, salário, oportunidades, quase tudo depende dele. Percebemos como as ações dos governantes, mas também o que fazem e o que deixam de fazer os parlamentares no Congresso, nas Assembleias, nas Câmaras Municipais, e os magistrados nas várias instâncias do sistema judicial, afetam diretamente as condições de vida dos cidadãos. E não só a ação das esferas institucionais e da “política”, pois como lembrou Zygmunt Bauman e Marx bem antes dele, o poder as extravasa, se fazendo presente na ação das grandes corporações, nos movimentos societários e nas relações de gênero, entre outros grupos e identidades. Refletir sobre o poder exige uma visão 360 graus, o mais aberta possível e desprovida de preconceitos. É o que eu e toda a equipe das várias plataformas do SJCC procuraremos fazer no 20 Minutos, com um estilo objetivo e ritmo dinâmico, ajudando quem nos assiste a se informar sobre o que é de fato relevante em cada um dos temas abordados.

JORNAL DO COMMERCIO - Além de política, a economia também entrará na pauta? Mais do que nunca as duas caminham de mãos dadas e o desemprego é preocupação recorrente, visto os milhões de desempregados no País. É possível vislumbrar melhora?

LAVAREDA - O recorde que a bolsa de São Paulo comemorou essa semana com seu índice ultrapassando os 74 mil pontos serve como sinédoque do que chamo “paradoxo Temer”. A despeito do redemoinho de fatos negativos que impelem uma avaliação negativa em patamar sem precedentes, o governo, entrincheirado na sua sólida base congressual que há pouco mais de um ano defenestrou Dilma Rousseff, adotou uma política monetária dura trazendo a inflação para abaixo do centro da meta e levou a cabo uma agenda que inclui desde medidas estruturais, como a aprovação da PEC do Teto de Gastos, que de forma inédita permite estabelecer a “verdade orçamentária”, a Reforma Trabalhista reclamada pelos empresários há décadas e um pacote bilionário de concessões e privatizações, até iniciativas microeconômicas de grande impacto como os R$ 44 bilhões injetados na sociedade com a liberação do FGTS. Goste-se ou não, o fato é que não há notícia de governo tão impopular que consiga aprovar agenda tão ousada. Como resultado, o País vai aos poucos saindo da recessão. Na projeção de economistas experientes e de boa formação intelectual, como José Roberto Mendonça de Barros, a reação de 0,7% do PIB este ano chegará a 3% no ano que vem. No rastro dessa retomada, os empregos, que a rigor são o que de mais importante devemos olhar na economia, embora de forma lenta também estão voltando.

JORNAL DO COMMERCIO - A um ano das eleições para presidente, os principais candidatos têm reprovação superior a 50%. Qual seria o perfil de postulante para representar os anseios dos brasileiros hoje? Pode surgir um outsider para disputar a presidência, como aconteceu na França com Macron?

LAVAREDA - A campanha eleitoral serve a dois fins: alavancar a preferência pelo candidato e diminuir a desaprovação inicial. Numa eleição com segundo turno a rejeição será decisiva apenas na segunda etapa. E ela muda na campanha. Todos lembramos que Dilma ganhou o segundo turno porque inverteu a ordem. Em alguns contextos mesmo os vencedores têm elevada rejeição. Na última eleição norte-americana Trump e Hillary tinham cada qual desaprovação superior a 50 pontos no dia da eleição. Quanto a Macron, nosso sistema político é diferente. Não haveria tempo agora para a fundação de um partido como o dele. Um eventual candidato outsider típico, como Luciano Huck que a pesquisa Ipsos mostrou mais benquisto, imbatível diante de qualquer político antigo ou novo, teria que se filiar a um partido existente, de preferência grande, por conta do tempo de TV e rádio, porque apenas redes sociais não pavimentarão uma candidatura vitoriosa. Torna-se, em certa medida, um insider.

JORNAL DO COMMERCIO - E o senhor avalia que Lula será candidato? Caso não, acredita que o PT terá fôlego para uma candidatura?

LAVAREDA - Quase impossível. O TRF da 4ª Região não terá como não julgá-lo antes do período de inscrição das chapas. O próprio presidente daquele Tribunal já confirmou isso em entrevista na qual também disse que a sentença condenatória do juiz Sergio Moro era “irretocável”. Condenado em segunda instância, Lula se tornará inelegível. Independente de concordarmos ou não com a sentença, esses são os fatos. O partido concorrerá com outro candidato. O mais provável sendo o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. O PT embora com muito menos força, tendo perdido 60% das cadeiras de prefeito no ano passado, ainda é o partido mais enraizado na sociedade. Não ganhará a eleição presidencial e diminuirá bastante sua bancada no congresso, mas seguirá existindo como grande partido da esquerda.

JORNAL DO COMMERCIO - Quem aparece bem nas pesquisas é o ultradireitista Jair Bolsonaro. O Brasil tem espaço para candidaturas que defendam o que ele defende, como aconteceu com Le Pen na França?

LAVAREDA - Lógico que tem, sim. Como já comentei, em momentos difíceis como o que atravessamos , demoniza-se a política e aumenta o espaço para o crescimento de candidaturas populistas. No caso dele uma subcategoria do populismo pelo acento regressivo com nostalgia do regime autoritário. Os índices de intenção de voto de Bolsonaro são inflados também pelo medo que se espalhou em todo o país face à violência. Lei e Ordem é o seu slogan implícito. Mas não acredito que toda essa força eleitoral se mantenha durante a campanha. Um candidato de centro que tenha o que mostrar à sociedade em termos de realizações e de propostas para redução da nossa taxa espantosa de homicídios em um país sem guerra civil absorverá grande contingente dos que o seguem hoje.

JORNAL DO COMMERCIO - As colaborações premiadas têm sido recurso largamente utilizado nas investigações da Lava Jato. Mas também são alvo de muitos questionamentos, que chegam com mais força após o caso da JBS. Elas, de fato, são eficazes?

LAVAREDA - Esse instituto, cuja utilização é relativamente nova entre nós, tem possibilitado desvendar fatos de extrema gravidade e, por isso, deve continuar a ser utilizado apesar de duramente golpeado nesse episódio da negociação da colaboração do empresário Joesley Batista e de seu executivo Ricardo Saud. Ao que tudo indica pode ter havido orientação por um membro do Ministério Público do processo de produção das principais evidências que compuseram aquela delação e asseguraram no acordo que está temporariamente suspenso termos diferenciados do padrão até então adotado para os outros réus da Lava-Jato. Afora isso, de forma mais geral, deve ganhar força na Justiça a tese de que a pronúncia de eventuais implicados não pode ficar submetida apenas à palavra dos delatores.

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