Amor, ódio, euforia e depressão. A camisa da seleção brasileira virou um paradoxo

Política e futebol entrelaçados num uniforme de futebol
Igor Maciel
Publicado em 25/11/2022 às 14:18
Jair Bolsonaro e Lula com a camisa da Seleção Brasileira (Brasil) Foto: Reprodução/Presidência da República/Ricardo Stuckert


O Brasil é um país de paradoxos. As contradições fazem parte da nossa vida quase como se fossemos levados pela maré. O caso da camisa da seleção brasileira chama a atenção pelas viradas de vento que empurram esse barco paradoxal. O histórico de idas e vindas como símbolo é impressionante.

A camisa explodiu em vendas no ano de 2013 por dois motivos: as manifestações contra Dilma Rousseff (PT) e os torneios de futebol do período, Copa das Confederações e Copa do Mundo. Quem não tinha o “manto”, comercializado com nota fiscal pela Nike e sem nota pelos camelôs, correu para comprar. Usar a camisa era um jeito de torcer pelo Brasil e também pelo Brasil, mesmo que os objetivos fossem diferentes.

O tempo passou, um dos brasis perdeu por 7x1. O outro venceu por 61 x 20, no Senado, tirando a presidente da República do poder.

Esse, talvez, seja o primeiro paradoxo recente relacionado à camisa. Com a derrota trágica num campeonato realizado dentro do país, ao contrário de a camisa se transformar em algo que as pessoas queriam esquecer, virou ícone de uma virada no status político.

Foge ao padrão, porque em 1950, quando o Brasil sediou a copa e perdeu para o Uruguai na final, por 2x1, o uniforme brasileiro era branco e a decepção foi tão grande que o país aposentou a camisa daquela cor, criando, em 1954, a polêmica camisa amarela atual, apelidada de canarinho.

Em 1950, os brasileiros queriam tanto esquecer a derrota que mudaram a cor da camisa de branca para amarela. Já em 2014, o jeito escolhido para esquecer o 7x1 foi fazer com que a camisa significasse outra coisa, uma vitória eleitoral.

Tanto é verdade que a situação se repetiu. Em 2018, na Copa da Rússia, o Brasil perdeu novamente, nas quartas de final, para a Bélgica. A camisa como símbolo político e não futebolístico estava tão fortalecida que ninguém se importou tanto com o futebol. Focou-se em derrotar o PT, meses depois, usando o manto.

O problema é que, após o impeachment, ao invés de as chamadas forças democráticas tentarem unir o Brasil sob Michel Temer (MDB), optaram por acentuar a divisão e tentar faturar com a eleição seguinte.

O país ficou dividido. E uma verdade clara sobre o comportamento humano é que o oportunismo populista opera nos conflitos. Bolsonaro soube ser mais oportunista e virou presidente.

Nos últimos quatro anos, a insistência dele em usar a camisa da seleção brasileira como um símbolo de seu grupo político fez com que ela fosse muito vendida para os bolsonaristas e ganhasse a antipatia de toda a oposição. Por quatro anos, a camisa de futebol do Brasil era mal vista por muitos. Com a eleição, usá-la era sinal de apoio explícito ao presidente.

Até que veio a derrota e aconteceu de, neste ano, a copa ser depois da eleição brasileira. Após a vitória, Lula (PT) se empenhou em vestir a camisa amarela e fez isso no primeiro jogo da seleção.

No primeiro jogo do Brasil, os gols de Richarlison, ativista de causas como vacina e combate à pobreza, o fizeram ser alçado a herói nacional. De repente, a camisa amarela voltou a ser procurada por esse público que a desprezava.

A antipatia agora fica com os bolsonaristas que declaram não estarem preocupados com a seleção, criticam o jogador em destaque no time por ele não ser de direita e, antes seus maiores consumidores, até tomaram desgosto pela camisa amarela. Alguns já pensam no fundo da gaveta como destino para ela.

O problema de estarmos discutindo o valor de uma camisa para a política ou para o futebol, ao invés de discutirmos a tática de Tite ou a gestão do presidente que estiver de amarelo, é que vamos seguir escorando nossas derrotas quando deveríamos enfrentá-las. Se o presidente for mal jogamos a responsabilidade em Neymar e Richarlisson. Se não ganharmos o hexa, vamos reclamar com o governo da vez. São idas e vindas, numa divisão política terrível, atrasando o desenvolvimento do país.

Quem ganha algo com isso? Os vendedores de camisa.

A comercialização da amarelinha cresceu, só em plataformas oficiais, 400% entre 2014 e 2022. Tem quem compre para torcer, tem quem compre para apoiar e até quem compre para odiar.

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