Em seu já clássico “Sapiens, uma breve história da humanidade”, o historiador Yuval Harari dá uma explicação para o fato de sermos tão agressivos com a natureza ao nosso redor. O problema, segundo ele, é que chegamos rápido demais ao topo da nossa cadeia.
A comparação é com os leões, por exemplo. Eles chegaram ao topo da cadeia ao longo de milhões de anos. Nesse período, as presas também tiveram tempo de evoluir. Os leões foram ficando mais ferozes na medida em que as gazelas ficavam mais rápidas, o que garante o equilíbrio ambiental.
E nós
Já os humanos chegaram ao topo da cadeia em apenas alguns milhares de anos. Isso fez com que nos tornássemos predadores muito mais nocivos. A tendência é que, por termos ficado muito fortes muito rápido, o ambiente ao nosso redor não consiga acompanhar e acabamos destruindo o que nos dá sobrevivência.
Achamos que não precisamos da natureza e a usamos sem deixar que ela evolua para se proteger. O desequilíbrio ambiental, no longo prazo, acaba nos destruindo.
O assunto rende uma longa discussão e, para quem ficou curioso, vale a pena ler o livro. Mas, por agora, tente transportar esse pensamento para o mundo político.
Meteoros
Tente encontrar analogias em currículos e trajetórias de personagens que chegaram tão rápido ao poder que não souberam o que fazer com ele, destruindo o ambiente que lhes sustentavam e negando a política por achar que não precisavam dela.
Tenho certeza que você irá encontrar muitos exemplos. Alguns terminaram em cassações, impeachments, mas muitos ainda estão por aí e seguem causando problema. Há deputados, senadores, prefeitos, governadores e até presidentes que se enquadram nessa classificação.
Poder de ocasião
A ascensão política meteórica não é um fenômeno novo. Cada época tem a sua característica. Houve a época das “mulheres fruta”, das capas da Playboy, dos jogadores de futebol, cantores, atores, palhaços e, mais recentemente, dos promotores, delegados, procuradores e juízes. É o que estiver na moda, naquele momento.
O brasileiro gosta de eleger heróis, ídolos, santos ou salvadores dentro de um cotidiano muito mais fantasioso que racional. Esses oportunistas sempre foram um problema porque costumam acreditar que chegaram lá sozinhos, sem uma base política, e não precisam de ninguém para continuar no poder.
Chegam ao topo da cadeia rápido demais, sem formação partidária ou ideológica. Lembram do exemplo dos leões?
Políticos sem política
Por terem chegado tão rápido ao topo, viram políticos que desprezam seu próprio ambiente: a política.
A negação da política é a primeira tragédia a atingir uma democracia. A política é o diálogo e o respeito entre os diferentes, a articulação partidária permanente, a conexão e o respeito institucional.
Com as redes sociais, a sensação de “poder independente” dessas figuras atingiu a estratosfera. Antes eles tinham a impressão de que não precisavam de ninguém, agora eles têm certeza, porque trabalham especificamente para sua própria bolha e se comunicam com essa bolha diretamente pelos perfis nas redes.
Ilusão das redes
As redes sociais, mesmo para aqueles que cresceram dentro do ambiente político, acabam funcionando como motriz de uma ilusão de força independente. E isso é perigoso.
Mesmo aqueles que vivem o ambiente partidário, nasceram em famílias de políticos e exercem seus cargos com o respeito devido ao processo eleitoral estão sujeitos a essa ilusão. É o equívoco de acreditar ser tão mais forte que o meio ao ponto de ignorar o meio, sem consequências.
Pensar que um número elevado de seguidores nas redes lhes dá a chance de ignorar aliados políticos, por exemplo, como se eles fossem dispensáveis, é um erro fatal em médio e longo prazo.
Na política não existe poder vertical que sobreviva sem apoios horizontais.
Liberdade e autodestruição
Num primeiro vislumbre, parece mesmo que o fenômeno é bom e estamos vivendo uma era de democracia direta, liberdade política e ideológica.
Na verdade, é preciso lembrar o trecho do livro de Harari outra vez, estamos apenas vendo predadores que chegaram muito rápido ao topo da cadeia, destruindo aquilo que lhes dá sobrevivência e acreditando que isso é apenas mais uma prova de seu próprio poder.
São apenas pessoas ocupando cargos como políticos, enquanto destroem a política da qual dependem para viver.
A cegueira humana tem várias camadas. A política é somente uma delas.