Cena Política

Quando a sensatez se torna um defeito e triunfam os cretinos

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Cadastrado por

Igor Maciel

Publicado em 11/05/2024 às 20:00
Análise

Quem só sabe conquistar destruindo, acaba reinando sobre nada. Esse pensamento deveria ser talhado em pedra pelos corredores de toda Casa Legislativa no Brasil, de toda prefeitura, governo e no Palácio do Planalto. Serviria para chefes de executivos, além de vereadores, deputados e senadores em todos os momentos de intransigência e cinismo que andam tão comuns em seus ambientes.

Talvez não lhes tocasse o coração com a firmeza necessária, mas ao menos se poderia dizer que eles “estavam avisados”.

Pena

O ambiente da gestão pública brasileira e do Legislativo teve um decréscimo de qualidade tão significativo que a atuação das bancadas de governo e de oposição é de dar pena nas Câmaras e Assembleias.

Não se consegue oferecer a construção do bom senso de um lado, com soluções viáveis para os impasses naturais, e não se consegue reformar, rebater as propostas, com qualidade no outro lado.

A verdade é que a qualidade dos políticos brasileiros de hoje deve muito aos de algumas décadas atrás. É uma das piores safras de agentes públicos na História desse país.

Tenistas

Uma imagem adequada para os embates entre governo e oposição nos legislativos espalhados pelo país seria a de dois tenistas, cada um de um lado da quadra, jogando com um palito de picolé em vez de uma raquete. É quase cômico.

Mas não dá pra rir quando a piada é com o dinheiro do contribuinte, com o futuro dos cidadãos e com o eleitor enganado.

Não dá pra aceitar discursos que, para sobreviver a este ambiente hostil à inteligência, vão ficando cada vez mais cínicos e a cada dia mais rasos.

Enganação

Esse cinismo no discurso, principalmente no legislativo, vende o que não existe em troca de um pouco de atenção, engajamento em redes sociais e identificação em bolhas ideológicas.

Não há compromisso verdadeiro com o bem comum, não há entrega e nem sacrifício dos agentes públicos que deveriam estar na linha de frente das batalhas necessárias a esse país.

Uma reflexão

A realidade constrói as dores do mundo e essas fantasias aliviam seus sintomas. O alívio dos sintomas não debela a origem da dor. Não resolve os problemas da população, apenas entorpece e aprisiona o sujeito fora da realidade que cedo ou tarde ele terá que enfrentar.

Quanto mais se demora, maior é o sofrimento.

Traficantes

Os que exploram esse processo humano, usando suas habilidades, e o acesso que têm ao público, seja através da religião, da mídia ou da política, com seus mandatos concedidos pelo povo em eleições, apenas para ganhar dinheiro, votos ou fama (ou tudo isso junto), são comparáveis aos traficantes comuns.

E tão desprezíveis quanto.

Qualidade

E há políticos sérios no país. Não se está falando aqui de nenhum santo, porque na política brasileira ninguém passa incólume pelas derivações pouco republicanas do ofício. Mas há os que se impõem limites dentro dessas práticas, os que pela convivência ignoram os desvios dos colegas, mas não submergem eles próprios em canalhice.

Há os políticos que ainda possuem discursos significativos para a construção coletiva da sociedade, e não para o engajamento das redes sociais.

O problema é que a maioria destes foi tentando e não conseguindo reeleição ao longo dos últimos anos.

Sequência

Em 2018 a queda de qualidade já foi grande, com a entrada forte dos “moralistas de conveniência”, empurrados pela onda da operação Lava Jato. Muitos deles começaram a ser chamados de “caçadores de pokemon” em Brasília, porque ignoravam a tribuna e preferiam ficar gravando vídeos no celular enquanto andavam pelos corredores do Congresso.

Mas eles ainda dividiram espaço com parlamentares de qualidade. Foi em 2022, que isso acabou de vez.

Guerra

A eleição passada, em que os bolsonaristas mais ganharam espaço nos legislativos e os petistas acompanharam devido ao maniqueísmo do período, foi também o momento em que políticos mais centrados, comprometidos com a coerência de seus discursos, acabaram sendo excluídos, tragados pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Uma das consequências desse clima radicalizado é o sentimento de que toda moderação deve ser condenada como ingênua.

Paladares acostumados ao excesso de pimenta perdem a sensibilidade para o verdadeiro sabor das coisas. 

O clima político era o de que dois grupos estavam em guerra e qualquer discurso equilibrado seria insensato. Muitos bons políticos pernambucanos, inclusive, não eleitos em 2022, foram vítimas dessa maluquice.

A realidade é que, quando a sensatez se torna um defeito, triunfam os cretinos. É o que ocorre com o Brasil.

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