Cena Política

Lula e Campos Neto: se a culpa é minha, ponho ela em quem eu quiser

Não pode cortar subsídios, não pode aumentar impostos e não pode cortar despesas porque atrapalha o PT, então é melhor procurar um culpado no BC.

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Igor Maciel

Publicado em 18/06/2024 às 20:00 | Atualizado em 19/06/2024 às 16:53
Análise

Lula (PT) tenta fazer o brasileiro acreditar que a desconfiança do mercado com o governo dele é “coisa de rico querendo ficar mais rico”. Como se a alta do Dólar não afetasse a população mais pobre e não prejudicasse a vida dos humildes que o presidente diz estarem no topo de suas preocupações.

Como se a “blusinha” do site chinês não fosse ficar mais cara. Remédios importados e alimentos também encarecem. O dólar também pressiona os combustíveis.

Elites

No caso de Lula, é difícil dizer onde termina a ignorância e começa a demagogia, mas vindo de alguém que, 30 anos atrás, fazia discursos inflamados contra o Plano Real afirmando que ele ia “prejudicar os mais pobres”, talvez a arte de enganar e a de não entender o mundo estejam bem misturadas na cabeça do líder petista.

Quando tem interesse em jogar suas dificuldades ou ambições no colo dos outros, Lula sempre cria inimigos públicos e bodes expiatórios. No passado eram as elites, depois foi Joaquim Barbosa, depois foi Sergio Moro, isso para lembrar só os mais famosos.

Saída BC

Desta vez, o eleito para ser o culpado de tudo o que o governo petista não consegue fazer é Roberto Campos Neto, no comando do Banco Central.

Esta atual disposição para culpar o Banco Central ficou clara desde o início desta gestão, quando se percebeu, com um pós-pandemia e duas guerras grandes pelo mundo, que o ambiente econômico não era tão promissor quanto foi em 2002.

O antecessor dessa vez não era Fernando Henrique (PSDB), que deixou o país pronto para decolar. Era Bolsonaro, que entregou um país rachado, com uma população dividida entre a certeza de que Lula era um desastre e a confiança de que ele faria milagres.

É comum

O atual presidente não faz milagres como seus apoiadores acreditavam e já provou que não é um desastre como os bolsonaristas defendiam. Ou seja, desagrada todo mundo. Ser comum é uma tragédia para quem se elegeu dizendo que era extraordinário.

Quando percebe que está mal nas pesquisas e que as soluções que conhece não estão dando conta dos problemas, Lula faz exatamente o que algumas crianças fazem quando se encontram no limite de suas possibilidades físicas ou cognitivas: procura alguém para culpar.

Narrativa

E não foi por acaso que ele comparou Campos Neto ao ex-juiz e senador Sergio Moro em sua mais recente reclamação sobre o presidente do Banco Central. Na narrativa petista, os governos do PT eram celeiros de honestidade a toda prova e só foram abalados porque Sergio Moro inventou que os petistas eram corruptos.

No roteiro dissonante da realidade, mas muito difundido entre os militantes, Moro quebrou as grandes empresas brasileiras e quase quebrou a Petrobras, atendendo a interesses norte-americanos e à ambição política dele próprio. Campos Neto, nesta nova ofensiva lulista, seria “igual a Moro”.

Reunião

Essa declaração acontecer menos de 24h após uma reunião na qual o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) e a ministra do Planejamento Simone Tebet (MDB) relataram ao presidente que era preciso cortar gastos para equilibrar as contas é um péssimo sinal.

Ao contrário do que os dois auxiliares saíram dizendo, que o presidente ficou preocupado e estaria disposto a rever as contas, ele saiu foi com a solução mais fácil na cabeça: terceirizar a culpa.

Não vai cortar

Para o mercado, e para os analistas de política e economia, Lula deu a senha para que todo mundo entendesse que não vai cortar gastos na medida em que seria necessário, ele vai continuar torrando dinheiro para fortalecer o PT eleitoralmente, e que a situação econômica pode mesmo piorar.

Ao invés de agir para evitar o caos ele já está preparando o próprio subterfúgio: vai dizer que a culpa foi de Campos Neto e da autonomia do Banco Central.

Receita antiga

E por que Campos Neto virou o bode expiatório de Lula dessa vez? É a velha fórmula do desvio de atenção pública para um inimigo externo. Isso acontece em ditaduras e em democracias.

Quando Nicolás Maduro se vê acuado na Venezuela, aponta para algum agente externo tentando aglutinar seus apoiadores. A última maluquice desse tipo foi declarar que a Venezuela estava sendo oprimida pelo “imperialismo Guianense”.

Nos anos 1990 e início dos anos 2000 era comum ver os EUA entrando em guerra contra qualquer inimigo sempre que a popularidade do presidente caia. O exemplo mais recente é Israel, que mantém uma guerra para sustentar o primeiro-ministro no cargo.

Prejuízo interno

Como o Brasil não tem inimigos no Oriente Médio e nem no “Império” da Guiana, a saída de Lula é encontrar elementos internos que sirvam ao propósito. O método lulista mata menos do que uma guerra, claro, mas em alguns aspectos sociais e políticos chega a ser mais nocivo.

Enquanto um inimigo externo funciona ao menos para unir o país inteiro, a estratégia dos “inimigos úteis” de Lula une apenas seus próprios seguidores, mas divide o país. O “nós contra eles”, de quando tudo o que era ruim vinha do PSDB é um exemplo das gestões lulistas iniciais. E a polarização com Bolsonaro é o mais recente.

Campos Neto

O último “representante de Bolsonaro” que resta no atual governo é o presidente do Banco Central. Campos Neto foi indicado pelo ex-presidente e isso faz dele um alvo perfeito para servir de bode expiatório lulista.

O gestor do BC já tinha autonomia em parte do governo anterior e chegou a negar pedidos de Bolsonaro na época, mostrando que tinha compromisso com o equilíbrio e não com o ex-chefe. Agora, faz a mesma coisa com Lula, segurando as rédeas da economia para que não desça a ladeira.

Por que não cortar?

Mas o que aconteceu para que o presidente da República saísse da reunião dizendo que iria cortar despesas para poucas horas depois apontar toda a artilharia contra Campos Neto?

O ponto principal é: Lula saiu da reunião com Haddad e Tebet convencido de que era preciso reduzir os subsídios,conhecidos como “gastos tributários”, concedidos pelo governo. De imediato, afirmou que era um absurdo ter mais de meio trilhão de reais em subsídios, mas não iria cortar da Saúde e nem da Educação. Até aí tudo bem.

Calculadora

Depois ele foi fazer as contas. Uma rápida consulta às bases de informação do governo, no entanto, mostram que Saúde e Educação representam um percentual pequeno dos gastos através de subsídios. Nem teria onde cortar.

Para dar resultado prático e realmente ter algum impacto nas contas públicas seria preciso cortar subsídios de dois setores maiores que são Agricultura e Energia. É aí que o problema fica insolúvel.

Sem potência

Se cortar os incentivos à Agricultura e à Energia, principais responsáveis pela sustentação do PIB brasileiro atualmente, a economia do país pode despencar de maneira dramática e correríamos o risco de uma recessão futura. É como se numa corrida na qual você já está bem atrás, para economizar, fossem retirados todos os aditivos do combustível. Seu carro perde potência e velocidade. Fica impossível ser competitivo.

É minha, pra distribuir

Se não pode cortar subsídios para aumentar a arrecadação, não pode cobrar mais impostos porque o Congresso não aprova e não pode reduzir os gastos da máquina porque o PT está de olho na eleição e proibiu, não demorou nem 24h para Lula decidir o que fazer. Ele resolveu bater em Campos Neto.

É uma homenagem à máxima: se a culpa é minha, coloco ela em quem eu quiser.

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