Eleições municipais: Candidatos de olho no futuro, cidadãos esquecidos
Teremos eleições cada vez mais esvaziadas, gestões municipais desconectadas das necessidades e políticos se especializando em fazer escalada de cargos
O período das convenções encerra nesta segunda-feira (5). Daqui em diante, todos são candidatos, oficialmente, e começa uma disputa pela eleição de… 2026. É sério, e não é só em Pernambuco. Não se trata de um problema João Campos (PSB) contra Raquel Lyra (PSDB), exclusivamente.
É que as eleições municipais foram perdendo importância direta nos últimos anos. Elas têm muito mais a ver com uma plataforma de impulso para novos projetos pessoais e partidários do que com a discussão da cidade.
O importante e…
A coluna já fez, em edições anteriores, um resumo da eleição do Recife e do que cada candidato estava buscando. Tem os que querem ser candidatos a deputado federal, tem os que querem ser governador. Mas algum leitor ou leitora pode achar que isso acontece apenas porque o favorito aqui, Campos, está com grande vantagem.
Não é só isso. Porque mesmo em eleições mais acirradas há essa intenção. Em Caruaru, por exemplo. O interesse principal de José Queiroz (PDT) é ser prefeito pela quinta vez, claro. Mas o objetivo mais importante é ele voltar para a Alepe dois anos depois e o filho, Wolney Queiroz (PDT), retornar para a Câmara Federal. O caminho para isso passa por uma repactuação do protagonismo eleitoral em suas origens.
…o principal
Para tudo na vida existe o objetivo principal e o objetivo mais importante. Nem sempre eles são a mesma coisa.
Até o atual prefeito, Rodrigo Pinheiro (PSDB) tem sido apontado como futuro candidato a deputado federal em 2026, caso seja reeleito. O objetivo principal dele é ser reeleito, mas o mais importante é ficar forte para ser deputado.
Os dois principais candidatos de Caruaru, que aparecem próximos em algumas pesquisas, estão de olho já na próxima oportunidade, antes de alcançarem a atual.
Dinheiro e influência
Existem, também, cidades em que os candidatos não têm muita perspectiva para voos mais altos, por estarem em municípios com eleitorado muito pequeno. Aí a questão é outra.
Ser prefeito nessas cidades é importante porque o controle sobre uma parcela de alguns milhares de eleitores, estando em posse da chave do cofre, atrai deputados federais e estaduais, dispostos a conquistar apoio. Mais uma vez, a vantagem financeira pessoal pode ser considerável. Para os cidadãos, nem tanto.
Público e privado
Ser prefeito tem suas vantagens, mas nenhuma dessas vantagens diz respeito à administração pública e à melhoria da vida das pessoas mais necessitadas. E é aí que mora o problema.
No modelo do atual pacto federativo, ser prefeito só tem vantagens privadas. As vantagens públicas não são distribuídas. Para implementar serviços à população, a realidade dos prefeitos é de grana curta, muitas dívidas e pires na mão.
Sem falar na atuação, necessária, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, fiscalizando cada centavo de um dinheiro que, na maioria das vezes, o gestor municipal nem escolhe onde vai investir.
Ser prefeito dá um trabalho danado e muita dor de cabeça.
Caviar
O Pacto Federativo brasileiro, com sua concentração excessiva na União e distribuição controlada de verbas de acordo com programas decididos em Brasília, costuma provocar algumas aberrações.
Muitos prefeitos têm problemas para aprovar as próprias contas, por exemplo, não por terem cometido algum ato de corrupção, mas por não terem gasto percentuais mínimos em Educação e Saúde. E isso é um problema porque não leva em conta a necessidade de cada município.
Se uma cidade tiver Educação de excelência e a Saúde estiver aos frangalhos, ainda assim o prefeito é obrigado a investir 25% na primeira e só 15% na segunda.
O que o gestor faz? Compra caviar para a merenda e deixa as pessoas morrerem sem hospital?
Quem manda e paga
Ao longo dos anos, o controle centralizado do orçamento tornou o cargo de prefeito algo tão difícil e tão arriscado juridicamente que muitos só topam o desafio quando têm algum plano secundário em vista.
Não é ser prefeito porque quer trabalhar pela população, é apenas um estágio (bem) remunerado no purgatório, em busca do que realmente é vantajoso que é ser deputado, governador ou senador. O prefeito do Recife, por exemplo, vai ser candidato com todo mundo já sabendo que o vice, um amigo do tempo de colégio, já está lá para assumir a prefeitura, porque o titular quer ser candidato ao Palácio.
Reforma
As aberrações do sistema político brasileiro estão fazendo com que ser presidente da Câmara Federal, por exemplo, seja mais vantajoso do que ser governador da maioria dos estados brasileiros.
O Brasil precisa de uma reforma política para ontem, precisa modificar o Pacto Federativo, precisa atualizar as regras eleitorais e, quem sabe, até realizar um novo plebiscito para decidir se vai seguir num regime presidencialista ou assumir de vez o parlamentarismo sobre o qual a Constituição foi erguida.
Propaganda
Se nada disso for feito, teremos eleições cada vez mais esvaziadas, gestões municipais cada vez mais desconectadas das necessidades das cidades e grupos políticos se especializando em fazer escalada de cargos sem qualquer compromisso com resultados reais para os cidadãos.
Teremos, como estamos tendo, fenômenos eleitorais fundamentados em propaganda e engajamento de redes sociais, enquanto as cidades esperam por uma chance.