Silvio Almeida e a conivência pela conveniência do silêncio

Governo tinha informações sobre casos de assédio envolvendo o ministro desde 2023 e só tomou uma atitude quando o assunto foi publicado na imprensa.

Publicado em 07/09/2024 às 8:00

Oscar Wilde tem uma frase sobre a conduta humana que pode ser aplicada ao caso do ex-ministro dos Direitos Humanos: “Chamamos de ética o conjunto de coisas que as pessoas fazem quando todos estão olhando. O conjunto de coisas que as pessoas fazem quando ninguém está olhando chamamos de caráter”.

Quando surge uma acusação de assédio sexual contra alguém que está no cargo de ministro de estado, como era o caso de Sílvio Almeida, embora não haja prova documental mais sólida, como queria a defesa dele, é o caráter do indivíduo que está em prova, aquilo que era feito quando ninguém o estava olhando além das vítimas.

Isso só ampliava a necessidade de que o ministro fosse afastado imediatamente, desde que as primeiras acusações apareceram. Porque em casos desse tipo, o poder é fator importantíssimo para manter a sombra por cima dos supostos crimes. Muitas mulheres deixam de fazer denúncias contra figuras de poder com medo da repercussão que virá.

Tinha que sair

Sílvio Almeida já contratou uma banca de advogados, com honorários altíssimos, para se defender e, continuando no cargo, estaria usando recursos do salário que recebe para custear a defesa. É uma verdade jurídica que o salário é direito inviolável e ele pode usar como quiser, tudo bem, mas recorrendo à frase de Wilde estamos falando aqui sobre a ética pública e o caráter privado, não apenas sobre a lei.

Conivência

Se ele não saísse, o quanto o governo Lula (PT) estaria auxiliando o então ministro em seu sagrado direito de defesa, de ser considerado inocente até prova em contrário, e por outro lado o quanto estaria o governo prejudicando a necessidade de se fazer justiça pelas vítimas?

A linha entre ajudar um suposto assediador e prejudicar o acolhimento às supostas vítimas é muito tênue, independente de tudo ainda estar no campo da suposição. O certo é afastar e deixar que ele se defenda sem o auxílio do cargo.

Foi em 2023

Tudo bem, mas e o tempo passado em que se sabia do que estava acontecendo e ninguém fez nada?

Todo o tempo em que havia ciência dos crimes dentro do governo, desde 2023, e não se tomou uma atitude direta, procurando não expor o ministro e a gestão, quantas outras vítimas ele não pode ter feito, aproveitando a sombra onde o caráter é necessário para além da ética?

Ruim de qualquer forma

As informações são abundantes sobre essa ciência do governo em relação às práticas criminosas do então ministro. A Polícia Federal admitiu que já estava investigando o caso faz um tempo. Há mais de uma dezena de mulheres que já haviam denunciado o sujeito à ONG que recebe essas denúncias e, é bom que se diga, a foto de Janja dando beijo na testa de Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e uma das que foram assediadas por Silvio Almeida, aconteceu somente algumas horas após a informação ter sido publicada por Guilherme Amado, no Metrópoles. Não pareceu ter sido uma grande surpresa para ninguém.

Ou Lula não sabia de nada ou sabia de tudo. As duas possibilidades são ruins. Ou ele foi conivente ou não está sendo informado sobre potenciais crises em seu governo.

Estariam juntos

Se Janja sabia, se outros ministros sabiam, se a Polícia Federal sabia, porque não se tomou uma atitude bem antes, preservando a vítima e afastando o ministro?

Neste fim de semana, os dois, Silvio Almeida e Anielle Franco, estavam na programação para fazerem palestras em São Paulo, os dois juntos no mesmo painel da Bienal.

Quantas agendas não aconteceram em conjunto, de 2023 até agora, em que a vítima foi obrigada a estar com seu agressor no mesmo ambiente, mesmo em reuniões ministeriais?

Um detalhe

Curioso ver também nesse caso a ausência de posicionamento de advogados do grupo prerrogativas, por exemplo. Eles, que são orgulhosos da influência que possuem no governo e tentam capitalizar o apoio ao lulismo o tempo todo, nem tocaram no assunto até a demissão do ministro.

Na noite de sexta (6), a última reportagem publicada no site do Prerrogativas tinha o seguinte título: “Lulista, Prerrogativas já emplacou ao menos 28 nomes no governo”.

Conveniência

No corpo da matéria, entende-se talvez o motivo do silêncio. Entre os seis ministros que o Prerrogativas diz ter “emplacado” no governo, um é o agora ex-ministro Silvio Almeida, suposto agressor. Outra é Anielle Franco, uma das vítimas.

Na apresentação do grupo, criado há alguns anos basicamente para defender Lula contra a operação Lava Jato, a primeira frase é a seguinte: “O Grupo Prerrogativas, em 10 anos de existência, nunca se escondeu na conveniência do silêncio”. Então tá bom.

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