Um pouco de Voltaire e Boric para mexer com os rumos de Lula
O argumento de Boric é o de que os progressistas acabam sem credibilidade quando fecham os olhos para atrocidades cometidas por ditadores de esquerda.
Gabriel Boric, o presidente do Chile, é um ex-líder estudantil que conseguiu alcançar algo difícil para seus colegas de esquerda sul americana, incluindo Lula (PT): a noção basilar da realidade social, econômica, política e administrativa da realidade contemporânea.
Quando um sujeito público começa a ser criticado pelos pares ideológicos radicais por estar se tornando “excessivamente” moderado, é porque ele merece atenção das pessoas com juízo no mundo. O presidente chileno é criticado com esse termo pela esquerda chilena desde que era candidato e até depois que venceu as eleições.
Agora, o mundo olha para ele com curiosidade por Boric ter tido a coragem de lamentar, num evento promovido por Lula sobre Defesa da Democracia e Combate ao Extremismo, que violações nessas áreas sejam julgadas com diferentes critérios de acordo com ideologia. É exatamente o que Lula costuma fazer.
Boric direto
“As violações aos Direitos Humanos não podem ser julgadas de acordo com o pensamento do ditador da vez, ou do presidente que os viole, seja Netanyahu ou Nicolás Maduro na Venezuela, seja Ortega na Nicarágua ou Vladimir Putin na Rússia", queixou-se Boric.
O chileno foi além: “As forças progressistas se veem debilitadas quando, diante de determinados conflitos, adquirem posturas titubeantes ou em função de interesses e defesa de amizades e ideologias políticas, em vez de princípios”.
Voltaire
No imaginário coletivo há uma frase famosa, muito utilizada para ilustrar e valorizar a liberdade e que muitos atribuem ao filósofo iluminista Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”.
A frase, na verdade, é de uma biógrafa do filósofo, a britânica Evelyn Beatrice Hall, que queria resumir o pensamento do biografado e explicou assim.
Quem hoje está mais à direita em suas preferências políticas pode usar a frase de Hall para tentar apoiar Boric. Tudo bem.
Para Lula
Mas outra frase, verdadeiramente escrita por Voltaire, aplica-se à situação com mais precisão, não sobre Boric exatamente, mas sobre Lula: “Os homens erram, os grandes homens confessam que erraram”.
Para atravessar a História, ao invés de apenas ser um ponto dela, as personalidades precisam ser grandes. Para sermos grandes é preciso corrigir o rumo de nossas caminhadas constantemente, atendendo à realidade.
E para muitos isso é difícil.
Atraso
O muro de Berlim ainda não caiu para a esquerda sul americana, e isso já os deixa 35 anos parados no tempo.
Muitos dizem que Lula vive longe das utopias, que é pragmático. Até é verdade, mas depende dos interesses do momento. Quando é para proteger alguém de quem ele gosta ou para se eximir de certas responsabilidades, o pragmatismo lulista pode se transformar em utopia das mais abstratas possíveis, bem rápido.
Basta lembrar as declarações sobre democracia ser algo relativo, quando questionado por usa proximidade com o ditador da Venezuela, em 2023.
A régua
O argumento de Boric é o de que os ditos governos progressistas (como ele mesmo chama) acabam sem credibilidade quando fecham os olhos para atrocidades cometidas por ditadores de esquerda, perdendo a condição de criticar qualquer agressão aos direitos humanos.
O presidente chileno chegou a falar em “amizades”, o que leva direto ao colega brasileiro, amigo pessoal de Nicolás Maduro.
Aprendizado
Provocado a responder, Lula não se abalou e disse que Boric não foi agressivo e que o respeitava. É bom que seja assim.
Melhor ainda seria se ele o ouvisse, seguisse seus conselhos. E ainda mais proveitoso seria, para todos, o presidente brasileiro dar uma folheada nos escritos de Voltaire. Dá para aprender muito ainda.