Lula e Bolsonaro na eleição de São Paulo - Parte 1
Os dois principais nomes da polarização que tomou conta do país podem terminar a eleição paulistana com seus status indo da irrelevância à inutilidade
As primeiras pesquisas divulgadas em São Paulo foram péssimas para Bolsonaro (PL) e para Lula (PT). Com Boulos (PSOL), o PT deve se encaminhar para mais uma derrota. E Nunes (MDB) vai vencer sem precisar do padrinho nacional.
Os dois principais nomes da polarização política que tomou conta do país podem terminar a eleição paulistana com seus status indo do irrelevante ao inútil, dependendo do esforço que venham a fazer. E arrisco dizer que isso é muito bom e pode ser libertador para o Brasil.
Hoje e amanhã
Esta é uma coluna em duas partes. Na edição deste sábado (12) do Jornal do Commercio vamos falar sobre o PT em São Paulo e a dificuldade que o partido tem para se conectar com os eleitores.
No domingo (13) será a vez de analisar o bolsonarismo e sua erraticidade eleitoral no primeiro turno paulistano, chegando ao ponto de o candidato líder nas pesquisas atuais, Ricardo Nunes, ignorar o ex-presidente em seu reinício de campanha.
Começando por Lula e o PT
Para iniciar, reproduzo aqui as principais conclusões de uma pesquisa feita em 2017 chamada “Percepção e valores políticos na periferia de São Paulo”. O ponto que mais chama atenção é o que detalha o pensamento dos paulistanos sobre o velho discurso de luta de classes “trabalhadores x burguesia”. Diz o relatório final sobre a visão atual desse cidadão que antigamente votava no PT: “Trabalhador e patrão são diferentes, mas não existe no discurso deles relação de exploração: um precisa do outro, estão no ‘mesmo barco’. O relatório complementa: “Destaque para o singular, porque não há ideia de coletivo; não há conflito de interesses (entre patrão e empregado) segundo os entrevistados”.
Tem mais: “Para os entrevistados, o principal confronto existente na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores. O grande confronto se dá entre Estado e cidadãos, entre a sociedade e seus governantes”.
E o que mais chama atenção: “Todos são ‘vítimas’ do Estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou “sufocar” a atividade das empresas”.
Você que lê essas palavras pode pensar que esse diagnóstico foi feito por algum instituto interessado em prejudicar o PT. Pois aproveito para lhe dizer que se trata de uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, centro de estudos políticos e de formação do próprio Partido dos Trabalhadores.
Nunca leram?
As conclusões acima, específicas sobre o cidadão da periferia de São Paulo em pesquisa qualitativa, são todas exatamente inversas ao que o PT defende em seus discursos e contrárias às lutas que o próprio petismo até hoje tenta vender em busca de votos.
O PT vai até essa periferia de São Paulo (e isso serve para boa parte do Brasil) defendendo um discurso dos anos 1980 para buscar os votos dos netos das pessoas que acreditavam neles nessa época, mesmo tendo informações de que a maioria desse público é refratária a esses argumentos.
Tem um misto de burrice com teimosia e arrogância no jeito como o PT pede votos nesses locais. E o resultado, sem surpresa, não chega, com o partido acumulando derrotas desde a tentativa frustrada de reeleger Haddad (PT) em 2016. A fundação petista fez o diagnóstico da derrota em 2017 e ainda assim o discurso segue o mesmo em São Paulo e no Brasil.
Em 2024
No primeiro turno o presidente brasileiro foi incapaz de entregar alguma vantagem mais sólida ao candidato que ele próprio escolheu para disputar a prefeitura. Isso ficou claro. O PT não queria Boulos, é importante reconhecer, e Lula insistiu mesmo ele não tendo perfil para alcançar os votos necessários.
Depois disso, para completar, a comunicação do candidato foi incapaz de fazer a conexão entre o psolista e o Presidente da República. A prova é que 67 mil pessoas anularam o voto porque digitaram 13 nas urnas. Se essas pessoas tivessem votado no número certo, ele teria terminado o primeiro turno em primeiro lugar, ao menos.
Mas a maior derrota de Lula na eleição de São Paulo não é Boulos ficar sem votos, é para onde esses votos foram e para onde eles vão agora. A derrota petista maior tem a ver com o eleitorado de Pablo Marçal (PRTB). Porque Marçal deve ter lido o relatório da Fundação do PT que Gleisi Hoffmann e Lula ignoraram.
A massa dos que votaram no polêmico candidato do PRTB é formada por pessoas do sexo masculino entre 16 e 35 anos, em idade de trabalho ativo e a grande maioria é profissional liberal. São pessoas que atuam como motoristas de aplicativo, entregadores e motoboys. São pequenos comerciantes e, majoritariamente, indivíduos que acreditam no empreendedorismo como motor do desenvolvimento pessoal e profissional.
São cidadãos que saem de casa cedo para buscar um pedacinho da feira do mês e andam cansados dos obstáculos de todo dia. Muitos deles impostos pelas legislações e tributos. É exatamente a classe C que votava no PT.
Marçal
As falas de Marçal são platitudes pinçadas de livros de autoajuda e de aspectos da teologia da prosperidade usada nas igrejas neopentecostais, repetidas em sequência enquanto ele surge de helicópteros e carros importados para provar que “se ele conseguiu qualquer um poderá conseguir”.
É algo execrável e de uma estética tão duvidosa próxima do imoral. Mas o fato é que o eleitorado capturado por Marçal é o mesmo que votou em Lula e nos candidatos petistas no passado. O que aconteceu é que o petismo esteve no poder por anos e não conseguiu entregar resultados para as enganações que sempre vendeu. Chegou a vez de essas pessoas abraçarem novos enganos. É um ciclo nefasto e medíocre, mas é a realidade.
Essa gente exausta das dificuldades, abraçando novas falácias vive fora do sistema formal de trabalho por ausência de oportunidades ou por vontade própria e acaba acreditando nos discursos de esforço mental para alcançar a riqueza vendidos por Marçal.
Discurso de Lula
Significa que Lula e os aliados deveriam fazer esses mesmos discursos? Não. Mas é preciso lembrar a fala do cantor Mano Brown na derrota de Haddad em 2018: “o PT se desconectou do seu público”. E isso acontece por diversos motivos. O principal é ter chegado e gostado do poder. A base do sucesso do PT em cidades como São Paulo era ser um partido popular, que entendia o mundo fora dos muros das “elites” paulistas. O PT agora é a elite.
E depois de experimentar um Romanée-Conti, é difícil voltar a tomar vinho de garrafão sem fazer careta. O PT tenta continuar popular e se sente uma farsa. O eleitor vê o PT como farsa e incapaz de entender suas novas aspirações.
Ricos e pobres
Alguns podem estar agora questionando este colunista sobre o motivo de Marçal ter esses votos populares, da classe C, enquanto desce de helicópteros e entra em carros importados. Realmente parece um contrassenso, mas é até simples. Os petistas fingem ser do povo para alcançar o voto do povo, mas não são. Marçal não se coloca no mesmo patamar que o povo, pelo contrário, os convida para conquistar as mesmas riquezas que ele conquistou enquanto reclama do Estado que os atrapalha, porque é isso que os eleitores querem ouvir.
E agora?
E no segundo turno, sem Pablo Marçal no jogo, por que 84% desses eleitores votam em Nunes e não em Boulos, segundo pesquisa do Datafolha publicada na quinta-feira (10)? Aí é onde entra a rejeição do candidato do PSOL, que alcançou 58% contra 37% do atual prefeito. Numa eleição de apenas dois candidatos, ser rejeitado por esse percentual é uma barreira imensa para a migração de eleitores.
Além disso, há uma conexão entre o pensamento dessa parcela da periferia de São Paulo com Marçal e, em seguida, uma conexão de Marçal com a direita. Esses eleitores, a maioria, votaram em Bolsonaro. Quando precisam escolher entre Nunes e Boulos, embora tenham votado em Marçal antes, tendem a ver Boulos como o que ele é: um representante direto do PT, com o agravante de estar num partido de origem ainda mais radical à esquerda que é o PSOL. Nunes é a opção mais “segura” para eles.
Nem Lula salva
O presidente Lula terá que decidir se entra forte na campanha de Boulos ou se fará apenas um evento para justificar sua escolha e some depois. A chance de o atual presidente ser inútil na campanha do aliado em São Paulo é grande. Num cenário como esse, ficar ainda mais ligado à derrota pode ser ruim para as pretensões de tentar uma reeleição nacional em 2026.
A chance mais próxima de conseguir uma mudança e conquistar esse eleitorado perdido é mudar o discurso para algo mais próximo da liberdade econômica e da redução da influência do Estado na vida da população.
Mas para fazer isso com sinceridade seria necessário mudar 70% da Esplanada dos Ministérios e exonerar 80% dos ocupantes de cargos no Palácio do Planalto, além de mudar quase toda a direção nacional do PT. É difícil de imaginar.
*Amanhã, a parte dois sobre Bolsonaro.