Sobre a necessidade da briga para enriquecer o Legislativo em Pernambuco
A cizânia e a altercação, quando exercidas com responsabilidade e honestidade, são essenciais para a democracia. União demais acaba atrapalhando.
Algo chamou a atenção na eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de Pernambuco. E é algo muito saudável para a democracia. Enfim, viu-se algum conflito entre os deputados.
É verdade que a origem desse conflito foi uma indisposição interna, com parlamentares que não eram atendidos pelo 1° secretário, Gustavo Gouveia (SD), retaliando e votando em Francismar (PSB). É verdade também que outro interesse tem a ver com a eleição municipal, quando deputados ficaram chateados por terem as bases invadidas pelo grupo do colega.
Mas um legislativo sem embates, unido demais, empobrece as discussões.
Unidos…
Em 2023 e em boa parte de 2024, a Alepe decidiu brigar com a governadora Raquel Lyra (PSDB) e se uniu para isso. Logo, com todos unidos, o ambiente ficou enfadonho, porque todo mundo concordava com tudo. Concordava em ser independente, concordava em reclamar do Palácio. Concordava até em aprovar tudo o que vinha do Executivo, depois de muita reclamação, para garantir que a briga não atingisse a população e não ter a imagem prejudicada depois.
…demais
A cizânia e a altercação, quando exercidas com responsabilidade e honestidade, são essenciais para a democracia. Na dialética hegeliana, tese, antítese e síntese sustentam o desenvolvimento e a evolução das ideias. No caso da Alepe, a tal da união que foi tão celebrada pelos próprios parlamentares empobreceu a todos e tornava as discussões chatas.
O legislativo existe para defender interesses dos representados, respeitando a proporcionalidade da diversidade populacional.
Quando, em nome de “manter a Casa unida para brigar com o Palácio”, todo mundo concorda com tudo, o povo perde.
Fatores
Não é que os projetos não devessem ser aprovados, mas em nome da harmonia interna, os deputados estavam evitando os desentendimentos, a segunda fase da dialética hegeliana, o que é ruim.
Agora, comemoremos, porque há três fatores que a eleição desencadeou e expôs. O primeiro é a insatisfação com Gouveia, que colocou dentro do caldeirão da Alepe desentendimentos regionais e deve influenciar até mesmo a reeleição do irmão dele, Marcelo Gouveia, para a presidência da Amupe.
PSB
O segundo fator é Francismar não ter tido o apoio do próprio partido. O PSB declarou apoio ao adversário dele, de outro partido, mas os socialistas foram rápidos em tentar capitalizar a vitória.
Não conseguiram, porque o deputado escolhido para o cargo mais importante da Casa, depois do de presidente, foi uma aposta de Eduardo da Fonte, deputado federal e presidente do PP no estado. Essa influência do PP, partido que tem oito deputados na Assembleia.
Porto
Por último, Álvaro Porto terminou com 12 votos a menos na reeleição, em relação à disputa anterior. O presidente continua sendo muito popular internamente e sua força é traduzida pelo fato de não ter havido bate-chapa. Ninguém se dispôs a ir para a briga com ele.
Mas ele havia sido unanimidade em 2023 e nunca foi alvo de grande insatisfação dos colegas, ao menos aparentemente. Porto sempre foi o maior defensor da união na Casa e entre os parlamentares. E foi muito hábil nisso.
Os votos a menos criam alguma dissidência e isso enriquece o ambiente.
Esquenta
Passada a eleição da Mesa há uma tendência à acomodação e à união novamente, mas o rescaldo dos incêndios eleitorais ajuda a animar os debates e já começou a corrida pela reeleição em 2026.
A tendência também é que os projetos sejam melhor discutidos entre os deputados e que eles tentem se sobressair com a disputa eleitoral aproximando. É algo bom. Os exageros poderão ser podados, os benefícios poderão ser polidos e todos ganham mais.
Ninguém quer aqui os deputados estaduais se estapeando, como acontece em alguns parlamentos pelo mundo. Mas, na discussão dos problemas, um pouco de discórdia respeitosa é essencial para esquentar as coisas e cozinhar soluções.
Vai dar mais trabalho para o presidente colocar ordem na casa quando for necessário. Mas ele já se mostrou competente para isso. Será um desafio à altura.