Os problemas do governo Lula são muito maiores que a comunicação
Algo que Lula e seu governo não entendem é que o mundo mudou e a fórmula mágica "o governo gasta, o povo compra, o eleitor vota", deixou de valer.
A comunicação do governo Lula é ruim, verdade. Mas daí até o presidente declarar que a área é onde está a culpa pela má avaliação da gestão, já é um pouco demais.
Há uma história sobre um grande governante na Ásia, séculos atrás, que resolvia anexar territórios por decreto e enviava um emissário para avisar à vítima. Quando o destinatário não aceitava a ofensa, mandava o mensageiro de volta e declarava guerra. Aí o governante agressor matava o emissário.
Para ele, se os absurdos autoritários de sua própria cabeça não eram aceitos pelo mundo, a culpa só podia ser da comunicação que foi mal conduzida.
Conflito interno
O presidente Lula não tem proposto grandes absurdos e a comunicação comandada por Paulo Pimenta (PT) não atende mesmo às condições de modernidade, amplitude e estratégia que precisaria atender. A presença digital do governo é uma tragédia, os resultados do país são pouco difundidos, mesmo sendo positivos.
E é a briga interna e eterna do PT o que tem feito com que a divulgação dos dados positivos da gestão sejam boicotados. Pimenta é muito ligado ao grupo no PT que não quer holofotes no ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
Para começar
Quanto mais Haddad se fortalecer e os bons resultados dele forem divulgados, mais vai se destacar como sucessor de Lula e atropelar outros nomes petistas que sonham com esse posto.
Haddad representa uma guinada do PT ao centro moderado, uma ida à centro-esquerda que faz figuras como Gleisi Hoffmann (PT) revirarem os olhos em pânico. Então, o primeiro problema que Lula precisa resolver em seu governo não é a comunicação, mas a influência do seu próprio partido.
Mudou
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que não adianta resolver o problema da comunicação e nem a interferência do PT na gestão se o impacto do emprego e do PIB não ajudarem a população a aliviar as contas e passar menos sufoco.
Uma coisa que Lula e seu governo não entendem é que o mundo mudou e a fórmula mágica “o governo gasta, o povo compra, o eleitor vota”, que funcionou no início deste século, deixou de valer.
Falso positivo 1
Está mais difícil viver. A macroeconomia está entregando “falsos positivos” ao governo. O desemprego caiu e isso é bom. Mas caiu, principalmente, porque as pessoas viraram “empreendedores inquilinos”. Sem conseguir voltar para o mercado de trabalho, muitos “alugam vagas” em plataformas de transporte por aplicativo ou de entregas.
Grande parte consegue renda maior do que se estivesse trabalhando com carteira assinada, é verdade. Mas precisa trabalhar até 12h para isso, o que cobra um preço da saúde, do convívio com a família e da possibilidade de educação e desenvolvimento pessoal.
É sob esse preço que o desemprego está caindo. É um preço muito alto e negativo.
Falso positivo 2
O crescimento do PIB também é algo que, dependendo da qualidade do dado, pode ser perigoso. O PIB é, essencialmente, geração de riqueza e ela pode ser de boa qualidade ou não. O PIB não considera diretamente o lazer, a qualidade do meio ambiente, os níveis de saúde e educação, por exemplo.
Há um pensamento que exemplifica isso. Imagine um dia em que o ar esteja tão ruim que seja necessário vender oxigênio em garrafinhas, como se fosse água. Haverá uma indústria produzindo as garrafas, envasando, haverá logística e estratégia de venda. Tudo isso representará geração de riqueza e aumento do PIB. Mas as pessoas estarão morrendo sufocadas.
Então, o “Pibão” é uma boa notícia sim, mas não significa que a vida estará melhor. Como não está.
Armadilhas
É por isso que o PIB bate recordes, o desemprego cai a níveis muito baixos, mas a popularidade do governo não melhora. A vida das pessoas não está boa. A picanha e a cerveja prometidas pelo presidente na campanha não estão à mesa.
E, ao invés de Lula ficar procurando culpados na comunicação, ao invés de o PT internamente ficar guerreando sobre a melhor forma de ter mais poder para si, é preciso enxergar as armadilhas nos dados falso-positivos e tentar desarmá-las o mais rápido possível.
Mantega
O que não ajuda é a atuação dos puxa-sacos. Os famosos elogiadores de tudo, que procuram alimentar as fugas de dissonância dos governantes, quase todos muito vaidosos.
É o sujeito que chega para o presidente e diz: “o senhor está certo, o mercado é que é mau”. Ou, no caso específico, “tudo o que o senhor faz é perfeito, quem erra é a comunicação”.
Um que se apresentou mais recente foi o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Aquele, responsável pela maior crise financeira que o Brasil passou nos últimos anos. O mesmo que fez Dilma intervir no setor elétrico e ficou conhecido pelas pedaladas fiscais.
“Houve muita conversa dizendo que as contas públicas estão desequilibradas, que há irresponsabilidade fiscal, o que não existe”, garantiu o ex-ministro.
Claro, está tudo maravilhoso. Também estava em 2014.