Intervenção: a coceira populista dos governos sem rumo
A coceira populista é um desastre. Quanto mais o tempo passa, mais se espalha. E quanto mais uma eleição se aproxima, fica mais difícil dominá-la.

Quando agentes variados de um governo começam a cometer erros em série, isto é sintoma de algo que está acontecendo no rumo da gestão. A impressão dos últimos dias é de que a administração Lula (PT) perdeu o GPS e foi trilhando corredores cada vez mais estreitos enquanto tentava encontrar um caminho impossível que reunisse os “bons tempos” de popularidade acima de 80% com a realidade muito mais dinâmica e acirrada dos tempos de hoje.
Dois anos nisso, e agora o governo dá-se com uma parede, num beco escuro, com uma porta que se fecha por detrás. À frente não se tem para onde ir. Atrás uma pressão econômica com ares de recessão técnica já empurra a estrutura da gestão contra a parede.
O beco
Chegou ao ponto em que é preciso gastar para sair do beco, mas gastando não haverá como sair do beco. O caminho possível não pode mais ser percorrido antes da eleição de 2026. Situação difícil. O governo Lula precisa fazer modificações substanciais na relação com o Congresso, mas isso depende de liberar dinheiro ao Parlamento.
O governo Lula precisa cortar tributos para reduzir o preço dos alimentos, mas teria que abrir mão de receitas, o que implica em mais custos. O governo Lula precisa cortar custos para melhorar o equilíbrio fiscal, mas isso fará despencar a popularidade de curto e médio prazo com a redução do investimento em programas sociais.
Sintomas
Tudo o que precisa ser feito, com uma eleição às portas em pouco mais de um ano, é cenário político impossível para um grupo que pensa em reeleição ou em ter um nome forte o suficiente para seguir no poder central.
Ver-se em beco sem saída traz sintomas. Os principais são a falta de filtro verbal, as dores de cabeça por colisão amiga e a coceira populista. Fala-se muita bobagem no governo Lula, faz tempo, e isso não é novidade. Mas nos últimos dias os outros dois sintomas se apresentaram com muita força.
Guerrinha
As brigas internas sobre a condução da administração aumentaram. O descompasso em relação ao imbróglio do PIX são um exemplo disso, com a equipe econômica sendo atrapalhada pelos próprios petistas antes, durante e até na resolução da crise.
Nesse âmbito, aliás, ter o ministro da Fazenda como principal sucessor do presidente da República em caso de Lula não ir para a reeleição pode estar atrapalhando a economia do país.
Porque Haddad quer muito dar certo e muita gente no próprio governo precisa que ele dê errado. O brasileiro que acorda cedo para trabalhar todo dia e não tem renda suficiente para uma vida tranquila que se vire no meio da guerrinha de poder.
A coceira
Mas esta semana manifestou-se o sintoma mais preocupante. Dizem que “trair e coçar é só começar”. Pois a coceira populista é um desastre se não for controlada no início. Quanto mais o tempo passa, mais ela se espalha. E quanto mais uma eleição se aproxima, vai ficando mais difícil dominá-la. Não tem corticoide que cure uma coceira populista em ano de eleição.
Como não é 2026 ainda, a história de “intervir” nos preços dos alimentos, expressão do ministro Rui Costa (PT) usada essa semana, acabou recebendo um desmentido rápido. Mas o susto ficou. Porque isso é coceira populista do pior tipo. É o sonho de resolver problema difícil com solução fácil.
Causa e consequência
Como citou na quinta-feira (23) o economista Werson Kaval durante o programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, populistas costumam se apressar para tratar das consequências, fugindo das causas.
Intervir no preço dos alimentos para baixar à força o preço da comida é medida que nunca deu certo em lugar nenhum. Ao menos em democracias (as reais, não as relativas). O susto, porém, serviu para alertar que o desmentido veio num ano não eleitoral. Com uma eleição em curso pode ser diferente? Esperemos que sim.
Soluções fáceis para problemas difíceis trazem consequências catastróficas. Já tivemos essa lição muitas vezes para nos enganarmos outra vez.
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