Sobre tucanos, ornitorrincos e um partido que não encontra o próprio espelho
Agora se começou a falar numa união formal entre o PSDB e o PSD, de Gilberto Kassab. Se acontecer, será muito mais uma aquisição do que uma fusão.
![O presidente nacional do PSDB, Marconi Perillo](https://imagens.ne10.uol.com.br/veiculos/_midias/jpg/2021/07/30/597x330/1_marconi_perillo5-18604026.jpg?20250128200110)
O mal das representações partidárias do Brasil é não conseguirem representar ninguém fora da política profissional. São como um guarda-chuva usado a vida toda como se fosse uma bengala e no qual se descobre ser impróprio buscar abrigo do sol ou da chuva por não haver qualquer tipo de cobertura entre suas hastes.
Partidos políticos no Brasil servem aos que se apoiam neles, vendendo a ilusão de que servirão de guarida ao menor sinal de intempérie contra a democracia. Na prática, são apenas órgãos escandalosamente cartoriais ou ícones ideológicos sem profundidade que falseiam uma democracia interna para alimentar algum resquício de paixão política.
Entre as dezenas de representações partidárias brasileiras há gradações entre as que fingem democracia interna e as que nem perdem tempo com isso. Fora dessa escala há o PSDB. Os tucanos não têm a mínima ideia do que são. E por isso estão morrendo.
Quem ficou
O PSDB é responsável pelo maior legado que um partido político poderia ter construído e entregue a um país como o Brasil dos anos 1980 e 1990.
O Plano Real ajudou a acabar com a inflação, colocou o país num rumo de estabilidade econômica e abriu possibilidades de desenvolvimento, dentro de uma economia de mercado, que antes só eram possíveis através de arroubos populistas estatais.
Mesmo assim, a sigla conseguiu enterrar sua própria história em desavenças internas e covardias externas até o momento em que seu último senador com mandato anuncia, como fez por esses dias, que vai trocar de partido.
Único nome tucano com força no Nordeste, a governadora Raquel Lyra (PSDB) também já ensaia uma saída em breve.
Etéreo
O problema do PSDB não é ser oposição ou não ser oposição a Lula, como alguns reclamam. O problema de verdade é não ter convicção.
O PSDB não quer ser um órgão cartorial, não quer ser de direita, não quer ser de esquerda. Quer estar acima de tudo, pairando sobre a realidade como se flutuasse em uma existência etérea, múltipla, vivo em todos os lugares sem estar de verdade fincado em lugar nenhum.
Parece complicado? Pois é. Vai ver é esse o motivo da falência.
Covardia
A derrocada do partido, que ainda sobreviveu muito apoiado pelo sonho de quem tinha juízo nesse país e contava com algum equilíbrio na política, teve início quando acreditaram que o mais adequado era esconder o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em disputas eleitorais depois que ele saiu da presidência.
Ao apagar FHC de seus programas com medo da rejeição que o PT lhe direcionava, os tucanos dinamitaram a ponte entre a própria sigla e a estabilidade econômica.
Muitos com menos de 30 anos, se forem perguntados sobre o fim da inflação no Brasil, podem acabar respondendo que “o responsável foi Lula”.
É de doer na alma.
Ornitorrinco
Internamente, alas do partido começaram a entrar em guerra pelo seu comando. José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves, apenas para citar os que foram candidatos à presidência, alternavam-se em brigar pela chave do cofre e dos corações tucanos.
Enquanto discutiam entre si quem deveria enfrentar o PT a cada quatro anos, o Brasil foi se modificando e ninguém percebeu. Até 2018, quando a candidatura do partido terminou com 4,7%, em um quarto lugar assustador para a época.
Foi aí que o PSDB deixou de ser um tucano e virou um ornitorrinco.
Findou em SP
Sim, o ornitorrinco é um dos bichos mais esquisitos que existem no mundo. Ele tem aparência de uma ave, mas também tem aparência de réptil e, se você olhar bem, o corpo também parece com o de uma capivara. É um mamífero que põe ovos.
O PSDB ficou tão desnorteado com a eleição de 2018 que começou a dar sinais trocados sobre quase tudo. Às vezes era bolsonarista, às vezes se aproximava do PT, às vezes era do centrão e às vezes ficava catatônico sem que ninguém soubesse que direção tomar.
O desfecho descendente veio na eleição municipal de 2024, quando perdeu quase todas as suas principais bases no interior de São Paulo, um reduto histórico.
Fusão ou aquisição
Agora se começou a falar numa união formal entre o PSDB e o PSD, de Gilberto Kassab. Se isso realmente acontecer, será muito mais uma aquisição do que uma fusão. O PSD tem hoje uma força e capilaridade que não tem como ser comparada com o fantasma que se tornou o PSDB. Um vai engolir o outro.
Kassab é conhecido por ter alguma paciência com discussões internas, filosóficas e ideológicas desde que elas tenham algum fundo pragmático. Caso contrário, come-as com café e encerra o evento.
Às vezes é disso que se precisa.