O centro está de olho na fragilidade de Lula para lançar seu próprio nome
O centrão não desperta paixão. Se o voto depender disso, melhor se associar a um Lula ou a um Bolsonaro. Mas, sem paixão, o centro tem chance.

Não foi só Kassab. O presidente do PSD fez declarações polêmicas sobre o governo Lula (PT) mesmo o seu partido tendo três ministérios na gestão. Parecia algo despropositado, como um desabafo particular ocasionado pela paciência finita de um ser humano comum em um governo com dificuldades para encarar a realidade. Não foi.
Depois dele, Marcos Pereira, presidente nacional do Republicanos, e Arthur Lira, que ainda é presidente da Câmara, fizeram movimentos muito parecidos. Todos são aliados, do centrão, com cargos dentro do governo Lula, embora também tenham seus dedos em governos de centro-direita e direita pelo Brasil.
Reclamam pelo desejo de mais espaços na gestão? Sim, sempre. Mas se fosse apenas isso seria fácil de resolver. Não é.
Juntos
Quando três líderes de partidos que integram o centrão fazem críticas ao governo do qual fazem parte, quase em sequência, existe um movimento coordenado. Primeiro, demonstra que essas lideranças não estão satisfeitas com o desenho da reforma ministerial que Lula estaria fazendo.
Demonstra também que o presidente da República não está dando valor às reclamações deles internamente, ao ponto de eles verbalizarem isso em público para fazer pressão.
Mas o movimento coordenado dá a entender um ensaio para algo mais radical. Com a possibilidade de um candidato próprio.
Contas
Não é de agora que integrantes do centrão começaram a fazer o cálculo de que Lula pode chegar sem forças em 2026. A percepção aumentou com os números ruins das pesquisas desta semana e também com a falta de disposição do governo para mudar sua rota, principalmente diminuindo a influência que o PT exerce nas decisões importantes da gestão, principalmente na economia.
Ao invés disso, espalhou-se a informação de que Gleisi Hoffmann (PT), maior responsável pela influência petista no governo, iria virar ministra. Foi a gota d’água.
Necessário
A influência do centrão sempre foi fundamental para a vitória de um grupo político, seja de esquerda ou de direita, nas eleições brasileiras. Acontece assim desde Fernando Collor em 1989.
Em 2002, Lula só venceu a disputa contra José Serra (PSDB), após tentar e perder em três tentativas, quando colocou em sua vice o empresário mineiro José Alencar, filiado ao PL, na época de centro-direita. Hoje, como se sabe, é o partido de Bolsonaro.
Sólido
A força desse grupo continuou. Dilma Rousseff (PT) só caiu quando perdeu o apoio do centrão. Bolsonaro só conseguiu se manter no poder durante a pandemia porque entregou o governo ao centrão. Lula só derrotou Bolsonaro porque atraiu o centrão para seu palanque.
Bem ou mal, essa mistura de fisiologismo pragmático com descomprometimento ideológico tem sido a base sólida da política brasileira, mesmo sem ter voto popular.
Direto
O que parece estar acontecendo é que os representantes desse campo político estão começando a acreditar que eliminar os intermediários é um bom negócio.
A paixão política sempre foi necessária para atrair votos no Brasil, um país de cultura política ainda pouco desenvolvida. Um fato importante da vida é que o primeiro passo para esgotar um produto é excedê-lo.
Cansou
A paixão política foi tão explorada de 2018 pra cá, com tanto exagero e desespero de vida ou morte, que ficou cansativa e esgotou. Tanto a vitória de Bolsonaro quanto a de Lula na sequência foram tratadas como a salvação ou o fim do mundo, dependendo do ponto de vista. Isso gerou embates. Familiares brigaram, casais se separaram.
Se a paixão política causa tanto problema, melhor não deixá-la entrar no cotidiano. Isso é uma oportunidade para o centrão.
Paixão
Convenhamos, o centrão não desperta paixão. Se o voto depender disso, melhor se associar a um Lula ou a um Bolsonaro. Mas se a paixão estiver no fim das prioridades para se conseguir voto, o grupo de Kassab, Marcos Pereira e Arthur Lira terá chance com um nome que seja minimamente popular. Não precisa brigar com a inelegibilidade de uma estrela e nem com a aprovação popular da outra.
Chance
Chegou um momento do país, com inflação crescente, renda caindo e pouca transformação no horizonte, que as pessoas querem uma solução e não estão encontrando. Tudo o que Lula ou Bolsonaro disserem pode soar como promessa vazia, já que tiveram a chance e não resolveram ainda. A oportunidade é única. A um candidato do centro bastará ter um bom plano, exequível e bom discurso de venda.
Testes
É mais seguro para o centrão e menos arriscado continuar apoiando o governo Lula e brigando por ministérios. Desde que o barco não afunde, dá pra viver assim por muito tempo, sem buscar protagonismo. Mas a chance não passa tantas vezes na porta para desperdiçar. Kassab com o seu PSD, acompanhado de PP, União Brasil e Republicanos, sabem disso e estão fazendo seus testes.