CONSTRUÇÃO CIVIL

Sabe aquela reforma feita pelo seu vizinho? Ela pode colocar em risco todo o condomínio; especialistas explicam o que pode o que não pode

O caso de um edifício em Maceió, que precisou ser evacuado depois que uma reforma em um dos apartamentos colocou a estrutura do prédio em risco, chamou a atenção dos especialistas

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Edilson Vieira

Publicado em 24/07/2021 às 8:30 | Atualizado em 24/07/2021 às 9:13
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No último dia 16, moradores de um prédio residencial no Bairro do Trapiche da Barra, em Maceió, Alagoas, viveram momentos de aflição. Por orientação da Defesa Civil alagoana, eles tiveram que deixar suas moradias porque o prédio corria o risco de colapso em sua estrutura. Em outras palavras, o edifício poderia desabar a qualquer momento depois que uma reforma feita na cozinha de um dos apartamentos atingiu um dos pilares de sustentação e, segundo os vizinhos, provocou rachaduras aparentes no prédio.

O susto só foi amenizado após uma vistoria feita por um engenheiro que atestou o dano causado ao pilar, mas como o apartamento ficava no último piso (12.o andar), não havia carga significativa acima dele. Ou seja, o risco de o edifício vir abaixo foi descartado, mas o pilar passou por uma manobra de escoramento e precisou de reparos para que os moradores pudessem voltar ao local.

O incidente demonstra que uma reforma feita em um condomínio, seja na área comum ou na parte interna dos apartamentos, por mais simples que seja, precisa de critérios e, dependendo da extensão dos reparos, de um profissional especializado que se responsabilize pelo projeto.

Para o consultor jurídico do Secovi-PE (Sindicato da Habitação de Pernambuco), Noberto Lopes, nenhuma reforma deve ser feita sem critérios ou por pessoas não habilitadas sob o risco de o responsável ter que arcar com prejuízos ou mesmo ser apontado como causador de um desastre e ter que responder na justiça por isso. Para Noberto, a legislação brasileira já contempla cuidados preventivos sobre o tema.

REGRAS

“Toda reforma em condomínio sofreu um regramento maior com a norma NBR 16280, de 2015, da Associação Brasileira de Normas Técnicas. O princípio básico é que seja apresentado ao síndico a anotação da responsabilidade técnica daquela obra, a chamada “RT”, assim, o síndico ficará ciente de que existe um profissional habilitado (engenheiro ou, dependendo do caso, arquiteto ou mesmo um técnico em edificações) respondendo pelos serviços”. Norberto orienta ainda para que os moradores sejam previamente comunicados dessas regras, por isso a importância de, na própria convenção do condomínio, já existir um regramento em relação às reformas, independente da natureza ou extensão da obra. “O síndico deve autorizar, ou não, a obra, mas, como não há obrigação de ele entender de engenharia, a apresentação da RT é fundamental porque é uma forma de o síndico comprovar que o serviço está regularizado e tem acompanhamento técnico”.

O advogado chama atenção ainda para o fato de obras menores, como a troca de torneiras ou instalação de um piso sobre o piso original não exigirem a apresentação de uma RT, mas às vezes, um serviço simples, como um fechamento de varanda com uma cortina de vidro, por exemplo, apresentar uma complexidade e risco de acidentes. “Nestes casos, a recomendação é que a empreitada seja feita por profissionais habilitados ou por uma empresa, até porque em caso de acidente o dono do imóvel terá a quem responsabilizar”, alertou o advogado,

CONDOMÍNIO

Já no caso de intervenções nas áreas comuns do condomínio, a responsabilidade é toda do síndico em providenciar a RT, explica Noberto Lopes. Os moradores podem e devem exigir do síndico a regularização do serviço. “O morador não tem a responsabilidade civil por algum dano causado por uma obra feita em áreas comuns, o responsável é o síndico, mas o morador pode ser penalizado no caso da necessidade de pagamento de uma indenização por algum problema surgido na execução dos trabalhos. O valor desta indenização muito provavelmente seria rateado entre os moradores. Por isso, para se resguardar de possíveis aborrecimentos, o consultor jurídico do Secovi recomenda aos síndicos que só contratem empresas consolidadas no mercado. “Se acontecer algum acidente é interessante que a empresa contratada tenha lastro financeiro para arcar com uma indenização”, explicou o advogado.

CREA

Para o engenheiro Ivan Carlos Cunha, gerente de fiscalização do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA-PE), toda e qualquer modificação precisa de acompanhamento técnico por razões de segurança, ainda mais se a estrutura do prédio for de alvenaria estrutural, popularmente conhecida como “prédio-caixão”. “Na alvenaria estrutural são as próprias paredes que suportam a carga [peso] da estrutura, dos móveis, das pessoas, de tudo que esteja no interior do prédio. Você não pode fazer aberturas nas paredes, sob risco de causar uma ruptura em toda a estrutura”, explica Ivan.

Outra situação é o prédio com estrutura de concreto, ou seja, as paredes servem apenas de fechamento, porque a carga do prédio é suportada por vigas e pilares. Esta configuração aceita melhor reformas internas, mas nem por isso elas podem ser feitas sem critério técnico.

No caso do prédio de Maceió apesar de a estrutura ser de concreto, houve uma tremenda irresponsabilidade, diz Ivan Cunha porque houve alteração em um dos pilares que passava pela cozinha, o que, segundo ele é feito às vezes sem que se perceba o risco. “Eu vejo muito situações onde o morador quer passar um tubo de um ambiente a outro e, para isso, tem que atravessar uma viga. Pilares e vigas são interligados, quando você altera as dimensões de uma estrutura dessa você reduz a capacidade de suporte de carga, por isso a Defesa Civil alagoana determinou de imediato que fosse feito o escoramento do pilar, além da evacuação do prédio”, diz o engenheiro, que também já foi coordenador da Defesa Civil na cidade de Olinda e já passou por situações semelhantes.

PREVENÇÃO

Em Pernambuco existe a lei estadual 13.032/2006 que define a necessidade de revisões periódicas e preventivas para definir se existe ou não a necessidade de manutenções. Para Ivan Cunha esta é uma forma de garantir que as reformas não sejam feitas apenas em situações de emergência. O engenheiro diz ainda que essa lei serve para proteger os proprietários de possíveis negligências por parte do administrador do condomínio.

 

 

“Pelo que determina a lei, edificações com mais de 20 anos devem ser vistoriadas a cada 3 anos. Prédios com menos de 20 anos devem passar por vistorias a cada 5 anos. Eu costumo dizer que o concreto não é eterno. Síndicos e empresas que administram condomínios devem ficar atentos a essa lei. A vistoria periódica, além de inata aos condomínios, é obrigatória. Se ocorrer um sinistro e não tiver havido essas vistorias periódicas com registro de anotação de responsabilidade técnica no CREA, isso será um agravante em relação a responsabilidade do proprietário, do síndico ou da empresa administradora”, diz Ivan cunha

Para o morador iniciar uma reforma no apartamento, o ideal é que ele peça a orientação de um profissional de construção, preferencialmente um engenheiro, e com registro no CREA. O manual do proprietário é outra fonte de ajuda. “É obrigatório a construtora entregar ao proprietário do imóvel esse manual. Ali tem explicado a estrutura da construção, onde estão as instalações elétricas e hidráulicas, tudo que o profissional responsável precisa para fazer o projeto da reforma com a RT. Se o proprietário não tiver esse manual, existem aparelhos, como infravermelhos e ultrassom, que podem mapear o que existe por trás daquele reboco da parede e que vai ajudar a saber onde a obra pode ser aprofundada e onde não pode” orientou.

O CREA-PE vai lançar nos próximos meses o Manual do Síndico, uma publicação para informar sobre as responsabilidades em relação às manutenções preventivas dos edifícios “Prevenção é a base de tudo. Sai mais barato e é mais seguro”, concluiu Ivan Cunha.

 

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