PRODUÇÃO RURAL

Por que os preços dos alimentos estão elevados no Brasil e como devem ficar ao longo deste ano

Chuvas em excesso em parte do Nordeste, seca no Sul e política econômica que estimula exportações mas prejudica a produção interna são algumas das causas

Edilson Vieira
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Edilson Vieira
Publicado em 25/02/2022 às 8:00
BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
NAS ALTURAS Diminuição da produção no Paraná, manterá o feijão como um dos alimentos com valor elevado - FOTO: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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A produção agrícola no Estado foi afetada pelas fortes chuvas ocorridas no final do ano passado e início deste ano. Além disso, a conjuntura econômica com inflação elevada, dolarização dos insumos e quebra da safra no Centro-Oeste e sul do País sugere um ano difícil para o abastecimento interno e para os consumidores, que terão de pagar mais caro pelos produtos básicos.

As fortes chuvas que caíram desde outubro do ano passado no Vale do São Francisco, região formada pelos municípios de Lagoa Grande, Orocó, Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco, e pelos municípios de Casa Nova, Curaçá, Juazeiro e Sobradinho, na Bahia,  já deixaram um prejuízo estimado em R$ 80 milhões para cerca de 3,5 mil produtores de frutas. As perdas somam cerca de 50 mil toneladas e o receio é de que um inverno rigoroso possa agravar ainda mais a situação.

Flávio Diniz, gerente executivo do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina, explica que o período regular de precipitações na região só deveria começar em janeiro, indo até maio, mas essa antecipação atrapalhou a vida dos produtores rurais. "O acumulado de chuvas na região já chega a 900 mm. Teve área em que choveu 150 mm num dia. É como se caísse 150 litros de água em um metro quadrado. Ninguém esperava tanta água assim", diz Flávio Diniz, detalhando ainda que, como a uva é mais sensível, a perda foi maior: 30 mil toneladas, enquanto na manga a queda na produção foi de 20 mil toneladas.

 

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Flavio Diniz, representante dos produtores rurais de Petrolina, espera que inverno deste ano não seja tão rigoroso - Reprodução/Whatsapp

PRECIPITAÇÃO

Com tanta chuva entre o final do ano passado e o início deste ano, o resultado foi lavouras alagadas, a perda de parte da floração - que prejudica a safra seguinte, e a chegada de doenças, como fungos que ameaçam a plantação. A consequência direta foi o aumento dos custos para os produtores rurais, que tiveram de gastar mais com defensivos agrícolas, mão de obra para drenar a água e limpar o terreno e mais uso de máquinas no campo. "Cai a qualidade, cai a produção e aumenta o preço. A esperança é que o período chuvoso, que está começando agora, não seja tão intenso, se não vai ser como emendar um inverno no outro", diz Flávio Diniz.

A produção de frutas no Vale do São Francisco em 2021 foi de 245 mil toneladas de manga e 75,1 mil toneladas de uvas. A geração de postos de trabalho na região é de 100 mil empregos diretos. 

ABASTECIMENTO

Para Marcos Antonio Barros, chefe de informação de Mercado Agrícola do CEASA-PE (Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco), outras regiões do estado, como o Agreste, onde se produz milho e feijão, não tiveram suas lavouras afetadas pelas chuvas de dezembro e janeiro. "Estamos no momento de preparação de terras, as lavouras são incipientes, a partir de março é que o inverno aqui se consolida. É prematuro fazer uma previsão sobre as safras deste ano", diz Marcos Antonio Barros.

Mas as perdas de safras agrícolas que acontecem no Sul do País é que têm sido a preocupação do momento para o especialista em mercado da Ceasa, pois prejudica toda a cadeia de produção de alimentos, segundo ele. "No agreste meridional de Pernambuco, ali na região de São Caetano, se produz feijão, mas a maior parte a gente tem que trazer mesmo é do Centro-Sul. O que eu vejo, e já está se confirmando, é o aumento no preço do feijão por conta das perdas ocorridas no Paraná, que é um dos maiores produtores. Mesmo com o produtor cortando a margem de lucro, a venda está complicada no varejo por conta da baixa atividade econômica. O povo não tem dinheiro para comprar", resumiu Barros.

Ele ampliou suas ponderações para o mercado nacional e mundial e suas implicações. Para Marcos Antonio Barros, os preços dos alimentos continuam muito elevados em todos os segmentos, inclusive em níveis globais. Quando comparado com o ano passado, esse impacto ainda é maior.

"A inflação acumulada é motivo de muita preocupação, provocada pelos desdobramentos fiscais e econômicos. O IPCA de janeiro atingiu 0,56% e o acumulado em 12 meses 10,38% bem acima da meta do governo de 3,75 para 2021". Ele explica que este cenário decorre da combinação de vários fatores: a grande demanda do mercado externo, sobretudo da China, associada a uma alta crescente nos preços internacionais dos alimentos, que aumentaram 28% em 2021 com relação a 2020, e 1,1% já em janeiro deste ano com relação a dezembro, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), puxado principalmente pelos óleos vegetais, laticínios, cereais e carnes.

FATORES

Ainda segundo a análise do especialista da Ceasa, os eventos climáticos nas diversos regiões produtoras, com secas no Sul do país, temporais e chuvas intensas no Sudeste e parte do Nordeste, provocando queda na produção e choque de oferta, além do  aumento dos custos de produção com insumos como sementes, fertilizantes, herbicidas e defensivos agrícolas, tudo isso aliado ao aumento expressivo dos combustíveis e fretes deixam o cenário para 2022 preocupante. Ainda tem os efeitos da desvalorização cambial do Real frente ao Dólar, estimulando as exportações e aumentando os preços no mercado interno, ao mesmo tempo dificultando as importações dos insumos utilizados pelos produtores rurais.

Segundo dados do Ceasa-PE, as hortaliças no geral tiveram aumento de 20% no preço médio em janeiro deste ano, quando comparado com janeiro do ano passado, puxado principalmente pelo chuchu, tomate, coentro, cenoura, cebolinha, pimentão, cebola, e macaxeira, por conta da queda pontual da oferta. As frutas tiveram uma discreta redução (1,4%) neste período, com destaque para maçã nacional, melão espanhol, banana pacovã, e abacaxi.

O grupo de cereais recuou (3%) puxado principalmente pelo arroz e feijão A safra de grãos atingiu 252 milhões de toneladas, em 2020/21, e estimativas de 268 milhões de toneladas em 2021/22 segundo a Conab. As carnes, ovos e laticínios aumentaram 5%, puxado principalmente pelo boi gordo, frango vivo, frango congelado e ovo branco comercial, também em janeiro.

PERSPECTIVAS 2022

"Os preços dos alimentos no curto e médio prazo continuarão muito elevados, sobretudo açúcar, cereais, oleaginosas, carnes e laticínios. Haverá contração no consumo doméstico, decorrente da baixa atividade econômica e seus desdobramentos, ou seja, queda da renda média do trabalhador, desemprego muito elevado, e informalidade alta. Teremos uma discreta retração dos preços de alguns itens, mas em patamares muito elevados", analisou Marcos Antonio Barros.

PREVISÃO DO TEMPO

Zilurdes Fonseca Lopes, meteorologista da Agência Pernambucana de Águas e Clima (APAC), explica que a previsão do período chuvoso no Sertão para os próximos três meses é que fique dentro do esperado, com as maiores precipitações acontecendo em março (138 mm). Em abril, o valor médio previsto é de 99 mm, e em maio 47 mm, "o que não impede de, ocasionalmente, aconteceram precipitações acima da média em alguns municípios", diz a meteorologista. 

No Agreste, a previsão para os próximos 90 dias é que as precipitações também fiquem dentro do chamado "normal climatológico", com médias de 89 mm em março, 103 mm em abril, e 105 mm no mês de maio.

"Já no Litoral, Mata Norte e Mata Sul do Estado, as chuvas podem ir do normal até acima do normal nos próximos três meses por conta do aumento na temperatura da superfície do Oceano Atlântico Sul, na costa leste do Nordeste, e também da continuidade do fenômeno La Niña no Pacifico", explicou Zilurdes Fonseca. Segundo a previsão da Apac, a maior precipitação deve acontecer em maio, na Região Metropolitana do Recife, com média de 291 mm de chuvas.

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