A possibilidade de revogação do novo ensino médio foi levantada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, que esteve no Recife, nessa segunda-feira (3), para a solenidade de posse da nova mesa diretora do Tribunal Regional Federal da 5º Região (TRF-5), tem gerado divergências na área da Educação.
O ex-secretário de Educação de Pernambuco e ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mozart Neves, é contrário à revogação do novo modelo de formação, mas defende aperfeiçoamento da Lei Nº 13.415, que rege esse novo ensino médio. Ele reforça que é necessário analisar pontos importantes dentro dessa discussão levando em consideração três cenários.
O primeiro trata do cenário pandêmico da covid-19, que por muito tempo alterou completamente o cotidiano das escolas, onde os alunos saíram dos espaços físicos, passando a ter aulas remotas, com todas as dificuldades de acesso e adaptação que essa nova rotina trouxe.
O segundo ponto, segundo o professor, foi a atuação do MEC na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, nos últimos quatro anos.
"Nós tivemos um governo anterior que não se preocupou com a educação regular. Ficou dentro de uma agenda ideológica, portanto, nada foi implementado”, disse Mozart Neves, durante entrevista ao programa Passando a Limpo, da Rádio Jornal, nesta terça-feira (4).
“E agora houve a transição entre os governos estaduais e do próprio governo federal. Ora, os governos estaduais são quem tem maior responsabilidade na implementação desse novo ensino médio. Não obstante de tudo isso, mais de 2 bilhões de reais já foram investidos nesse novo ensino médio, o que nós com isso não queremos dizer que não tenha dificuldades”, disse.
O ex-reitor da UFPE explica que o problema não está na flexibilização e diversificação na formação proposta pelo novo ensino médio. O que teria faltado para sua implementação, que oficialmente foi iniciado no ano passado nas escolas brasileiras públicas e privadas, é uma coordenação nacional e um planejamento efetivo desse processo.
“Nós não poderíamos ter aquele Ensino Médio onde praticamente nós oferecíamos 13 disciplinas para praticamente todos os alunos. Era uma “jabuticaba” ou seja uma fruta que só existe no Brasil. Isso não existe em nenhum canto do mundo. Então todo ensino médio no mundo inteiro, tem uma parte que é comum para todos os estudantes e uma parte flexível aos interesses desses estudantes”, afirmou Mozart.
Ao reconhecer que existem lacunas na legislação do novo ensino médio, Mozart Neves defende que nada justificaria sua revogação. Ele ainda aponta para um problema histórico no Brasil de descontinuidade das políticas públicas, que ocorrem nas mudanças de governo, e que a área mais prejudicada acaba sendo a Educação.
O secretário de Educação do Recife, Fred Amancio, que também esteve à frente da pasta no governo de Paulo Câmara, também defendeu a necessidade de fazer um "redesenho do ensino médio", mas que é preciso avançar no tema que já vem ocorrendo a mais de 10 anos no país.
"Acredito que o modelo do 'novo ensino médio' pode e deve sofrer ajustes, porém a simples revogação seria um grande retrocesso para a educação e, principalmente, para os estudantes", disse o auxiliar do prefeito do Recife, João Campos.
Inclusive, o chefe do executivo municipal, que é do PSB do vice-presidente Geraldo Alckmin, tem tido uma articulação próxima e muito importante junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Precisamos encontrar um ponto de equilíbrio, para que no final, os estudantes não sejam prejudicados. Paixões pedagógicas, políticas ou ideológicas não podem estar acima do que seja melhor para os estudantes e para a Educação no Brasil", completou Fred Amancio.
O novo ensino médio foi aprovado por lei em 2017, na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). O novo modelo estabelece que uma parte da grade curricular seja formada por aulas de interesse em comum a todos os estudantes, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e a outra parte da formação, ficará a critério de escolha dos estudantes pelo itinerário de interesse.
O cronograma que havia sido estabelecido pelo Ministério da Educação, que na época era comandado pelo então ministro Mendonça Filho, estabelecia que o novo ensino médio teria sua implementação de forma progressiva, pelo 1º ano do ensino médio. Neste ano, a implementação seguiu com o 1º e 2º anos, e o ciclo seria finalizado com os três anos do ensino médio em 2024.
Para Mozart Neves há também questões políticas em torno dessa medida adotada pelo MEC, como o fato de uma ala mais a esquerda vinculada ao atual governo federal, nunca ter aceitado o fato de que a Lei foi catalisada por uma Medida Provisória (MP), já que a discussão no Congresso Nacional já durava cinco anos.
“Segundo ponto, é que na prática, os itinerários formativos quando estruturados, a ideia da flexibilidade e da diversificação ela é importante. Todavia, como não houve planejamento, nem uma orientação nacional, isso terminou gerando uma desigualdade em relação a oferta pelas diferentes escolas públicas de todas as regiões do Brasil”, declarou.
Neste caso, o público que pleiteia a revogação do novo ensino médio afirma que tem escolas brasileiras que não tem condições de oferecer esse itinerário formativo, conforme a legislação.
Por fim, ao comentar sobre a declaração do ministro Camilo Santana, o ex-secretário de Educação avalia que a suspensão do cronograma de implementação é “empurrar o problema com a barriga”. Porque o processo já tem sido efetuado não só nas escolas públicas, mas nas unidades de ensino particular, que detém 20% das matrículas.
“O novo ensino médio coloca em seus eixos, a formação técnica profissionalizante, que é muito importante para dar a juventude alternativa após a conclusão do ensino médio no mundo do trabalho. Agora, com isso nós não queremos dizer que não existem problemas”, disse Mozart Neves.