Relatório da OCDE destaca a falta de equidade de gênero no mercado de trabalho, apesar do sucesso acadêmico das mulheres
O relatório Education at a Glance 2024 traz uma série de indicadores que permitem a comparabilidade dos sistemas educacionais dos países participantes
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Embora as meninas tenham um desempenho acadêmico superior ao dos meninos durante o ensino básico, essa vantagem não se traduz em oportunidades no mercado de trabalho. É o que apontam os dados do relatório Education at a Glance 2024, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nesta terça-feira (10).
A discrepância entre sucesso educacional e inserção profissional é analisada como um reflexo de que a educação brasileira, apesar dos avanços, não tem cumprido integralmente seu papel como um instrumento de equalização das injustiças sociais.
Para o pesquisador Gabriel Fortes, líder de pesquisa do Observatório de Equidade Educacional do Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), ligado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal), "O relatório mostra que no Brasil, 28% das mulheres entre 25 e 34 anos possuem um diploma de ensino superior, enquanto entre os homens esse percentual é de apenas 20%. No entanto, quando o foco se volta para o mercado de trabalho, o cenário se inverte", destacou Fortes, que também é professor e diretor do doutorado em Psicologia da Universidade Alberto Hurtado, no Chile.
"Segundo o relatório da OCDE, menos da metade das jovens mulheres com escolaridade inferior ao ensino médio (44%) consegue emprego, em contraste com 80% dos homens na mesma situação. Esse quadro é particularmente preocupante, pois expõe uma contradição fundamental: a educação, que deveria ser uma ferramenta de promoção da equidade, está falhando em seu papel de transformar resultados acadêmicos em oportunidades concretas para as mulheres", enfatizou Gabriel Fortes.
A Persistência da Desigualdade
No Brasil, as mulheres jovens com qualificação superior ganham, em média, 75% do salário dos homens. Entre aquelas com nível de ensino médio ou qualificação técnica, as mulheres jovens ganham, em média, 84% do salário de seus pares do sexo masculino nos países da OCDE e 74% no Brasil.
"Essa disparidade revela que o sistema educacional brasileiro, apesar de conseguir bons resultados no ensino básico e médio, não está preparado para enfrentar os desafios do mercado de trabalho e romper com as desigualdades de gênero. O resultado é um mercado onde a qualificação das mulheres não é recompensada na mesma medida que a dos homens, perpetuando um ciclo de exclusão e subvalorização", afirmou o líder de pesquisa do Observatório de Equidade Educacional.
Ele defende que essa realidade traz à tona a necessidade de repensar a educação a partir de uma perspectiva mais equitativa, que vá além de avaliar a média populacional e considere indicadores específicos, como a empregabilidade feminina, o impacto da escolaridade na renda das mães e a inclusão das mães solo no mercado de trabalho.
Medidas Urgentes
Avançar em direção à equidade de gênero inclui a formulação de políticas públicas que garantam a valorização profissional das mulheres a partir de suas qualificações educacionais, a construção de estruturas que permitam que mulheres chefes de família possam deixar seus filhos em instituições de ensino de qualidade e a criação de indicadores que reflitam as especificidades de gênero no mercado de trabalho, como a empregabilidade de mães e a renda familiar sustentada por elas.
"O futuro da educação brasileira precisa ser pensado a partir de uma perspectiva que abarque não apenas o desempenho escolar, mas também as condições que permitirão que esse desempenho seja transformado em oportunidades reais de desenvolvimento pessoal e social. Caso contrário, corremos o risco de perpetuar um sistema que, ao invés de promover a equidade, apenas reproduz as desigualdades existentes", alertou Gabriel Fortes.
Equidade Começa pela Educação
O desafio da equidade de gênero na educação brasileira não pode ser uma questão isolada de desempenho escolar. Trata-se de uma questão estrutural, que exige uma abordagem sistêmica e focada em medidas que garantam que o sucesso acadêmico das meninas seja acompanhado por oportunidades justas no mercado de trabalho.
"O fortalecimento da educação em tempo integral para mães, a criação de indicadores específicos e a implementação de políticas públicas que contemplem essas necessidades são passos fundamentais para transformar a educação em um verdadeiro motor de justiça social no Brasil", explicou o pesquisador Gabriel Fortes.