Mais de 80% das crianças em situação de pobreza em Pernambuco ainda não frequentam creches, aponta estudo
Os dados são do estudo " INC - Índice de Necessidade de Creche nos Estados e Capitais", divulgados pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Em Pernambuco, a falta de vagas em creches afeta mais da metade das crianças mais vulneráveis. Novos dados do estudo "INC - Índice de Necessidade de Creche nos Estados e Capitais", elaborado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria técnica com a Quantis, revelam que, das 114.460 crianças em situação de pobreza (segundo os critérios do INC), 82,6% (94.564) não frequentam creches.
O levantamento mostra que desse total, 71,6% (81.976) dessas crianças não frequentam as unidades por outros motivos, enquanto 11% (12.588) delas não estão matriculadas por falta de vagas.
No Recife, os percentuais também chamam a atenção no que diz respeito ao acesso das crianças a esta etapa tão importante do ensino. Segundo o INC, 67,3% (6.258) das crianças em situação de pobreza não frequentam a creche, sendo 59% (5.487) por outros motivos e 8,3% (771) por falta de vagas.
No Brasil, a educação infantil na creche não é obrigatória, ou seja, a matrícula das crianças de 0 a 3 anos é opcional para as famílias, no entanto, é responsabilidade do Poder Público garantir a oferta de vagas para atender à demanda das regiões.
Outros motivos
Estudos demonstram que o acesso infantil a uma educação de qualidade tem o potencial de reduzir desigualdades, pois não apenas contribui para a progressão e permanência escolar, mas também melhora os resultados educacionais, aumenta a escolaridade e impacta positivamente até mesmo as famílias de origem.
Além disso, uma educação de qualidade nas primeiras etapas da vida favorece a empregabilidade, o aumento de salários e a redução de vulnerabilidades, com reflexos positivos na saúde das comunidades.
Contudo, para que esses benefícios se concretizem, os municípios não podem se limitar à simples oferta de vagas. É essencial que compreendam as demandas específicas de cada localidade e as necessidades das famílias com crianças de 0 a 3 anos.
Entre as razões para a baixa frequência escolar, destacam-se a escolha dos responsáveis, a distância das unidades de ensino, a falta de recursos para arcar com despesas como mensalidade, transporte escolar e material didático, além de problemas de saúde e outros fatores que exigem investimentos direcionados.
“Sabemos que a creche desempenha um papel fundamental no cuidado das crianças, além de apoiar as famílias trabalhadoras, especialmente as mães, permitindo que ingressem ou retornem ao mercado de trabalho. Nesse contexto, a creche tem uma relevância significativa para a equidade de gênero, um aspecto que remonta ao surgimento das creches no Brasil, historicamente associado ao cuidado das mulheres”, enfatizou Karina Fasson, Gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em entrevista a coluna Enem e Educação.
“Além disso, a creche desempenha um papel educativo crucial. O Poder Público deve se empenhar em disseminar esse conhecimento junto à população, para que as pessoas possam compreender melhor a questão e tomar decisões mais informadas”, completou.
Ferramenta inédita
Os dados do Índice de Necessidade de Creches (INC) permitem estimar o tamanho dos grupos que mais necessitam de atendimento, com base em critérios de priorização para a matrícula em creches: famílias em situação de pobreza, famílias monoparentais, famílias em que o cuidador principal é economicamente ativo ou poderia ser, caso houvesse a vaga disponível, e famílias com crianças com deficiência.
Os cálculos são feitos a partir do cruzamento de dados da Pnad, Pnad Contínua, Censo Escolar, Censo Demográfico de 2010 e 2022, além de informações do SIM e Sinan de 2007 a 2022.
Em 2023, o INC a nível nacional alcançou 45,9%, o que significa que quase metade das crianças brasileiras de 0 a 3 anos (4,6 milhões) pertencem a grupos que deveriam ter acesso prioritário às creches. Contudo, a taxa de matrículas é significativamente inferior para esses grupos: apenas 43% (1,9 milhão) dessas crianças estão matriculadas.
“O estudo reforça a importância de políticas públicas voltadas para a expansão da educação infantil no Brasil, com foco na redução das desigualdades no acesso à educação para a população mais vulnerável. Investir em creches é uma questão de justiça social e um passo essencial para o desenvolvimento do país”, afirma Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Uma análise mais detalhada evidencia ainda mais as desigualdades sociais. Entre o total de crianças em situação de pobreza (1.307.927), 71,1% (930.128) não frequentam creche. Entre as crianças cujas mães ou cuidadores são economicamente ativos (2.546.233), 48,9% (1.246.189) também não frequentam.
“Essa realidade escancara a necessidade urgente de ampliar e qualificar a oferta de creches, aproximando-as das famílias com estratégias organizadas para promover equidade, não permitindo que crianças mais vulnerabilizadas tenham seus direitos violados por obstáculos como a distância e a falta de vagas. O acesso à creche é um direito constitucional”, finaliza Luz.
Regime de colaboração com os municípios
Em maio deste ano, o Governo de Pernambuco iniciou o processo de construção de 51 Centros de Educação Infantil (CEIs), com investimento de R$ 282 milhões, beneficiando 42 municípios. O prazo de execução das obras é de 12 meses.
A iniciativa fez parte do primeiro bloco de unidades unidades educacionais que ofertarão turmas de creches e pré-escolas a partir do Programa Estadual de Incentivo a Novas Turmas de Educação Infantil.
De acordo o Governo de Pernambuco está autorizado a transferir os recursos para os municípios a partir do mês e ano de funcionamento da nova unidade escolar durante 12 meses, ou até o mês anterior à remuneração das respectivas matrículas pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), o que ocorrer primeiro.
Durante a assinatura da autorização das licitações, a governadora Raquel Lyra anunciou que mais cinco blocos de licitações para a construção de novas unidades de ensino infantil seriam lançados até o final deste ano.
Sobre esse encaminhamento, o secretário estadual Alexandre Schneider disse que, em breve, a gestão estadual deverá lançar um lote para a construção de mais 81 CEIs. Em seguida, lançaremos as demais licitações para completar as 250 unidades prometidas. Estamos finalizando os detalhes com a Secretaria de Projetos Estratégicos, responsável pelo desenho final, e com a Secretaria de Administração, que é responsável pela licitação", explicou Schneider em entrevista ao programa Debate da Super Manhã da Rádio Jornal, no dia 21 de novembro.
Capital amplia número de vagas
No Recife, a fila de espera por uma vaga em creche corresponde a 3.600 crianças. Como o processo de matrículas 2025 só será concluído em janeiro, ainda não dá para prever se estas crianças serão contempladas.
No entanto, a Prefeitura do Recife, afirma que em pouco mais de três anos e meio, a Rede Municipal de Ensino já registra um aumento de aproximadamente 142% no número de vagas, saindo de 6.439 em 2020 para 15.582 em 2024.
"Até o final deste ano, serão investidos mais de R$ 150 milhões para a criação de novas oportunidades nesta etapa de ensino. Também ocorreu uma expansão das vagas de pré-escola, saltando de 13.224 para 16.981, um crescimento de 28,4%", indicou a Secretaria de Educação.
A capital pernambucana já iniciou a fase de matrículas para os alunos novatos. Do total de vagas disponibilizadas para os novos estudantes no próximo ano, 11.549 são para a Educação Infantil (creche e pré-escola), etapa de ensino que registrou um crescimento de 32% na oferta de vagas em relação ao ano precedente.