Audiência pública sobre práticas religiosas nas escolas estaduais é interrompida por questões de segurança

O MPPE, por meio das Promotorias de Justiça Defesa de Cidadania da Capital, convocou uma audiência para discutir a realização dos intervalos bíblicos

Publicado em 29/11/2024 às 16:04 | Atualizado em 29/11/2024 às 16:13
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O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio das Promotorias de Justiça Defesa de Cidadania da Capital com atuação na Educação, precisou interromper e adiar a audiência pública convocada para tratar do tema “Ensino e práticas religiosas na rede estadual de ensino no Recife”.

O evento aconteceu na última quarta-feira (27), no auditório do Colégio Salesiano, localizado no bairro da Boa Vista. Devido à lotação do espaço, mais de 80 pessoas que chegaram após o início da audiência não conseguiram entrar. Tentativas de forçar a entrada levaram a instituição a solicitar o encerramento do evento, alegando preocupações com a segurança.

"O nosso planejamento já estabelecia que, ao lotar o auditório, ninguém mais poderia entrar, nem mesmo em pé, por questões de segurança. Tudo estava ocorrendo conforme o esperado, as falas estavam dentro do tempo e tudo corria bem. No entanto, foi solicitado que suspendêssemos o ato devido ao grande número de pessoas fora do local tentando entrar", explicou o promotor de Justiça Salomão Ismail Filho, da 22ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação da Capital, à coluna Enem e Educação.

Por esse motivo, a reunião foi suspensa e ainda não há uma nova data definida. "Estamos avaliando o melhor formato, pois percebemos que o tema desperta grande interesse e leva muitas pessoas a quererem participar. Vamos reconsiderar a logística e o formato para garantir a melhor solução possível", afirmou o promotor.

 

Reprodução/Youtube
Ministério Público de Pernambuco realizou uma audiência pública para falar sobre a "Ensino e práticas religiosas na rede estadual de ensino no Recife" - Reprodução/Youtube

Reflexões sobre o intervalo bíblico

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) informou ao MPPE, durante uma reunião em setembro, que tem recebido relatos sobre a realização de cultos evangélicos nas dependências de escolas estaduais, em espaços públicos, e sem a participação de representantes de outras crenças. A prática, chamada de "intervalo bíblico", estaria ocorrendo, inclusive, organizada pelos próprios alunos, sem a orientação ou supervisão dos funcionários escolares.

Esse questionamento gerou repercussão, especialmente entre deputados estaduais e vereadores do Recife que fazem parte da bancada evangélica, que saíram em defesa da prática. Por outro lado, o Sintepe emitiu um nota afirmando que é favorável e defende o Ensino Religioso nas escolas estaduais "garantindo o respeito a todas as crenças e religiões, em acordo com o que diz a Constituição Federal, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e o Currículo de Pernambuco".

Durante a audiência pública, o promotor Salomão Ismail Filho explicou que foram apontados alguns excessos como o som alto, proselitismos e a participação de docentes. "Em momento algum foi falado que iríamos acabar com o intervalo religioso ou perseguir os estudantes que estão participando. O que nós queremos é saber se é possível estabelecer limites a respeito desse tema. O MPPE não é a contra a discussão religiosa no âmbito escolar", disse Salomão. 

A promotora de Justiça e idealizadora do projeto "Escola Restaurativa", Gilka Maria Almeida Vasconcelos, presente no evento, destacou que há uma confusão comum sobre o conceito de estado laico.

"Ser um estado laico não significa que as pessoas não possam falar sobre Deus ou assuntos relacionados à espiritualidade. Significa, na verdade, que não podemos direcionar ou promover uma religião específica. Isso é algo muito diferente. A religiosidade é fundamental para todos nós, e especialmente para crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento. No entanto, é necessário ouvir e refletir sobre o que está acontecendo para entender se há algum excesso", disse. 

Parlamentar afirma que alunos são perseguidos

A deputada federal Clarissa Tercio (PP) destacou que o tema dos intervalos bíblicos é relevante e importante para que os alunos encontrem um refúgio espiritual. "Publiquei um vídeo nas minhas redes sociais em que alunos de uma escola em Toritama me procuraram, assustados, porque foram proibidos de realizar cultos na escola. Falo de um intervalo bíblico em que ninguém é obrigado a participar, mas os alunos o fazem espontaneamente", explicou.

A parlamentar também relatou que a escola teria forçado os alunos a participarem de uma manifestação de matriz africana. "Isso não pode acontecer nas nossas escolas, é uma questão de ter um tratamento equitativo. Assim como sou evangélica e não quero que meus filhos participem de outras religiões, aqueles que seguem religiões de matriz africana também podem não querer que seus filhos participem dos intervalos bíblicos", afirmou Clarissa Tercio.

No entanto, durante sua fala, a deputada federal utilizou um termo considerado pejorativo. Ao mencionar que direciona suas emendas parlamentares para pessoas de diversas religiões, Clarissa usou a palavra "macumbeiro" para se referir aos praticantes de religiões de matriz africana, gerando indignação entre os presentes e gritos de racista.

Sintepe reafirma a defesa da escola laica

A presidente do Sintepe, Ivete Caetano, destacou que a laicidade do estado é uma conquista democrática fundamental, fruto de muitas lutas de diversos setores da sociedade.

"Embora nem todos defendam a democracia, ela garante a liberdade de crenças e o respeito às diversidades, pilares essenciais para a construção de uma sociedade justa e democrática", iniciou sua fala.

"O ambiente escolar deve ser um espaço de aprendizado crítico, democrático e plural, onde todas as formas de expressão cultural, ideológica e religiosa possam ser respeitadas. Contudo, isso não significa a promoção de uma crença específica ou o privilégio de um credo religioso em detrimento de outros", pontuou a dirigente.

Segundo Ivete Caetano, quando a escola se depara com atividades, mesmo que não sejam realizadas dentro da sala de aula, mas nos corredores, quadras e pátios, é necessário questionar se essa atividade está cumprindo sua função social. "É responsabilidade da escola a formação social cidadã, na qual os estudantes aprendem que, na sociedade, eles precisam conviver com quem pensa de maneira diferente", afirmou Ivete.

Logo após a fala da presidente do Sintepe, a audiência pública foi suspensa. Nas redes sociais, Ivete Caetano destacou que justamente o que se busca evitar nas escolas é o "incitamento às disputas religiosas". "Por isso, defendemos que a escola pública seja laica, respeitando todas as crenças e religiões", afirmou.

 

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