Mãe denuncia escola do Recife por negligência com filho com autismo e TDAH
Por nota, a Secretaria de Educação do Recife ratificou seu compromisso com "uma escola inclusiva" e rebateu as denúncias apresentadas
Há três meses, o filho de Marina Caminha Ferreira Gomes está afastado da escola. Ela tem utilizado as redes sociais para fazer um apelo à Secretaria de Educação do Recife sobre a situação que tem enfrentado, desde que uma série de problemas começaram a surgir em relação ao tratamento oferecido pela Escola Municipal Padre Donino, localizada no bairro de Casa Forte, no Recife, durante os episódios de crise da criança.
Diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nível 1, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Dislexia, o menino, de 9 anos, estudava na unidade da rede municipal desde o início deste ano. Um parecer psicológico chegou a ser emitido solicitando com urgência "a troca de ambiente escolar", devido a "inadequada contenção realizada com a criança nestes episódios específicos".
Segundo a professora universitária, que atualmente encontra-se desempregada, a gestão da escola demonstrou despreparo desde os primeiros dias de aula. "Antes de as aulas começarem, eu tentei por duas vezes, cheguei a ir até a escola porque queria conversar sobre a situação do meu filho. Na época, ele ainda não tinha um laudo, mas estávamos em processo de investigação, e ele apresentava meltdowns (colapsos) muito fortes, mas apenas na escola", disse em entrevista à coluna Enem e Educação, nessa quarta-feira (27).
Entretanto, a diretora da unidade afirmou que essa conversa só seria possível após o início das aulas. No terceiro dia de aula, o filho de Marina teve uma crise, e a diretora da Escola Padre Donino disse que não teria sido comunicada a respeito do quadro clínico da criança.
"Nós temos uma suspeita de que ele também tenha altas habilidades, mas esse é um laudo que demora mais para sair. Ele compreende tudo, pergunta sobre tudo. Foi diagnosticado com um quadro depressivo porque não se sentia pertencente ao mundo. Então, o laudo para ele (dos transtornos) foi um alívio", explicou a professora universitária, afirmando que, a partir do diagnóstico, o acompanhamento com psicólogo e fisioterapeuta foram intensificados.
Troca de agentes sem aviso
A situação do aluno piorou quando houve a troca do AADEE (Agente de Apoio ao Desenvolvimento Escolar Especial), o que, segundo a mãe, não foi comunicado previamente.
"Expliquei como a questão dele era séria e como ele tinha pavor das crises, por isso precisava de um acompanhante. No entanto, meu filho foi proibido de entrar na escola caso o AADEE faltasse. Então, ou eu ficava na porta da escola esperando para saber se meu filho entraria ou não, ou ficava em casa aguardando uma ligação da escola para informar", relatou Marina.
Com a troca de agente, o menino teve uma crise forte e chegou a dizer que não queria mais voltar para a escola. A mãe procurou a gestão da unidade, mas a diretora alegou que o preparo para a mudança seria feito na hora, e que o aluno havia chegado atrasado.
O menino de 9 anos apresenta queixas sensoriais relacionadas ao barulho e sons altos, especialmente na escola, onde o hino nacional é tocado todos os dias antes do início das aulas. Por esse motivo, o aluno costumava chegar um pouco após o horário de entrada dos estudantes.
"A pessoa que tinha sido colocada para ficar com ele, tinha medo das crises, corria dele. Quem acudia meu filho eram os funcionários dos serviços gerais. Na verdade, as únicas pessoas que meu filho gostava na escola eram os funcionários dos serviços gerais, que eram maravilhosos com ele", destacou.
Faltando uma semana para o recesso escolar, a mãe sugeriu que ele não fosse mais para a escola, já que estava sem acompanhante. A criança chegou a chorar por uma hora em casa, afirmando para a mãe que se achava uma pessoa ruim. Mas, Marina foi informada que ele não poderia faltar às aulas.
Nessa ocasião, Marina Caminha soube pelas gestoras da escola que o Conselho Tutelar teria ido a escola e visto a criança em crise, com a camisa suja e o cabelo depenteado. Ela disse que possui todos os laudos e que não teria problema caso entrassem em contato e que o menino não tinha saído sujo de casa.
Para sua surpresa, no final de julho, a professora universitária recebeu uma intimação da Vara da Infância e Juventude, onde foi solicitada sua presença acompanhada do seu filho de 9 anos.
"Minha advogada ligou para a Vara da Infância e descobriu foi que o juiz estava de férias, a audiência havia sido adiada, mas nada disso foi me dito. Além disso, eles acharam muito estranho porque lá constava como se ele fosse um jovem infrator e não uma criança de 9 anos", afirmou.
Uma pessoa do programa Programa Escola que Protege conversou com Marina e, mesmo sem ser médica, orientou que a criança trocasse de medicação. "Ela passou a reunião inteira dizendo que o meu filho tinha que tomar medicação. Disse a ele que já fazia uso da medicação prescrita pelo médico dele e que ela nunca tinha visto meu filho para passar essa orientação", disse. A mesma pessoa também afirmou que a denúncia havia partido da própria escola.
Criança não tinha PEI
Desde que entrou na Escola Municipal Padre Donino, o menino de 9 anos não recebeu um Planejamento Educacional Individualizado (PEI), que é um documento elaborado pelo professor a partir da avaliação de um aluno com necessidades educacionais específicas. Além disso, a mãe afirma que a contenção das crises era feita de forma muito "agressiva".
No dia 27 de agosto, após uma desregulação emocional séria, Marina chegou à escola e encontrou o filho chorando muito, afirmando que havia sido trancado em uma sala. Esse relato não teria sido o primeiro; em outra ocasião, houve inclusive a quebra do fone de regulação da criança. Segundo a mãe, naquele dia estavam presentes dois policiais.
"Disse a ele que era errado o que tinha acontecido, quando fui interrompida pela diretora, que, de forma agressiva e autoritária, interrompeu o processo e disse que eu estava usando palavras perigosas", relatou Marina, que espera que medidas sérias sejam tomadas com relação a gestão da Escola Municipal Padre Donino. "Meu filho chegou emcasa chorando por que se achava um monstro", completou a professora ao relatar os momentos de despesero que passou com o filho durante esse período.
Resposta da Secretaria de Educação
Por meio de uma nota enviada à coluna Enem e Educação nessa quarta-feira, a Secretaria de Educação do Recife rebateu as denúncias apresentadas pela professora universitária.
"A Secretaria de Educação do Recife ratifica seu compromisso com uma escola inclusiva e estranha as denúncias apresentadas, que considera improcedentes, sobretudo no que diz respeito ao suposto cerceamento do direito constitucional do estudante à educação. Em nenhum momento o estudante foi trancado ou deixado a sós", informou a pasta
"Em um momento de desregulação emocional, o estudante foi levado — sempre acompanhado por um profissional — à quadra da unidade e, posteriormente, a uma sala sem objetos que oferecessem risco ao aluno, sempre com oferta de água. O fone de regulação do estudante foi danificado previamente pela própria criança, ao jogá-lo em direção a uma professora", explicou o comunicado.
Ainda de acordo com a Secretaria de Educação, "em nenhum momento a polícia foi acionada, mas a Patrulha Escolar e o Samu, ambos com formação para atuação em casos semelhantes". "A gestão solicitou apoio do Conselho Tutelar e do Programa Escola que Protege, após tentar contato, sem sucesso, com a mãe da criança. O assunto foi levado à Vara da Infância e da Juventude pelo próprio Conselho Tutelar", declarou a nota.
Atualmente, o filho de Marina Caminha, apesar de ter conseguido a transferência no final de outubro, está afastado da nova escola porque, segundo a professora universitária, não há AADEE disponível para ele e o que teria sido designado, está de licença médica. "Ele não pode entrar na escola porque tem medo de ter novamente essas crises. Ele não ficará bem sem alguém preparado para acompanhá-lo", afirmou.
Segundo a Secretaria de Educação do Recife, "o pedido de transferência requerido foi garantido, bem como a solicitação de atendimento realizado por Agente de Apoio ao Estudante com Deficiência (AADEE) feito por profissional do sexo masculino. Entretanto, o profissional se encontra em licença médica. Caso haja interesse da responsável, há disponibilidade de profissional do sexo feminino na rede para prestar o serviço a seu filho, ainda que tal exigência não seja prevista em Lei", finalizou a pasta.