Realidade das mortes vai fortalecer isolamento social

Na medida em que as pessoas vão tendo a informação de que pessoas que conhecem, que se relacionam e com que convivem estão morrendo nos hospitais suas opiniões sobre o alcance da doença mudam radicalmente
Fernando Castilho
Publicado em 05/04/2020 às 21:00
Itália é exemplo de que não seguir o isolamento social pode resultar em tragédia sem precedentes Foto: PIERO CRUCIATTI / AFP


Por Fernando Castilho do JC Negócios

Com todo respeito às suas excelências que apoiam a ideia do presidente Jair Bolsonaro para a reabertura das atividades econômicas - Abraham Weitraub (Educação), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Onyx Lorenzoni (Cidadania), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Augusto Heleno (GSI) e Regina Duarte (Cultura) – mas sua tese caminha para o fim do prazo de validade por força do crescimento das mortes no Brasil.

Essa será uma constatação dramática. Na medida em que as pessoas vão tendo a informação de que pessoas que conhecem, que se relacionam e com que convivem estão morrendo nos hospitais, suas opiniões sobre o alcance da doença mudam radicalmente.

Infelizmente, esse é um padrão global. Foi assim na China, Itália, Espanha e Estados Unidos. As pessoas só se isolaram voluntariamente quando veem uma ambulância do SAMU chegando para levar uma pessoa conhecida que mora vizinha. Ou, no caso familiar, tem que se despedir de um parente sabendo que tem poucas chances de voltar.

Não foi por acaso que, neste domingo, uma das principais autoridades de saúde do governo Trump emitiu sérias advertências ao público americano dizendo que na próxima semana - quando se espera que o surto atinja seu pico em lugares como Nova York. "A próxima semana será o nosso momento em Pearl Harbor", disse o cirurgião geral dos Estados Unidos, Dr. Jerome M. Adams. "Será nosso momento de 11 de setembro. Será o momento mais difícil para muitos americanos em toda a sua vida." disse Adams.

Isso é o que deve fortalecer no Brasil a estratégia de definir que atividades poderão voltar e operar como suporte da estratégia de tratamento da epidemia.

Ela vai além da ideia de liberar geral sobre o impacto da economia defendida por Bolsonaro e alguns assessores do campo ideológico. E, infelizmente, esse prazo já começou a valer desde esse domingo.

Portanto, esse é um debate que tende a arrefecer. Primeiro, quando o Brasil começar a fazer maior testagem. Segundo, quando o SUS e os sistemas privados começarem a exibir no noticiário os sinais de estrangulamento.

Quando, neste sábado, chegou um contêiner frigorifico num hospital de São Paulo, milhares de pessoas levaram um susto. Muitos não acreditaram que era no Brasil.

Todos os hospitais que vão atender a covid-19 terão que ter esse macabro suporte. É isso que derrubará o discurso da reabertura agora e fará o cidadão se assustar e ver que precisa ficar em casa.

São Paulo é o epicentro do novo coronavírus no Brasil. Segundo balanço deste domingo,5, o Estado tem 4.620 casos e 275 óbitos. A região ainda acumula 48% das hospitalizações por síndrome aguda respiratória grave (SARG) do País neste ano.

O problema é que o rico São Paulo tem 15 mil leitos de UTI públicos e privados, sendo 7,2 mil leitos dedicados ao SUS. Imagina o que vai acontecer no Amazonas e no Ceará?

Será a realidade que, ao se impor, tornará ineficaz o discurso de retomada do convívio social apenas dos maiores de 60 anos ou de grupos mais suscetíveis à Covid-19 e da reabertura do comércio e de outras atividades normalmente.

Não tem ideologia que resista a imagem de caminhões frigoríficos transportando cadáveres ao cemitério e uma fila de rabecões saindo de hospitais.

Mas a ideia de uma retomada gradual não está descartada. Um levantamento publicado neste domingo, pelo jornal O GLOBO, com base em estudos de pesquisadores da LABORe e do Laboratório do Futuro da Coppe/UFRJ indica que o risco do contágio extrapola o setor de saúde, impactando indústria, comércio e serviços por chegar a 18 milhões de trabalhadores.

O número dá a dimensão do desafio que é proteger não apenas aqueles em atividades essenciais, mas também da necessidade de planejar uma possível retomada gradual da economia, quando a curva de disseminação do vírus estiver controlada.

Economistas e empresários formadores de opinião nos seus setores já não discutem a necessidade de fortalece o isolamento social, mas quando será possível traçar uma rota de retorno das atividades.

Esses líderes avaliam que as medidas atuais adotadas pelo governo na área da economia não serão suficientes. Uma empresa não pode voltar a funcionar em julho, agosto ou setembro num mercado em recuperação com uma carga de obrigações financeiras e tributárias que some o imposto do mês, do imposto atrasado, as despesas da folha e fatura do fornecedor num movimento que partirá do zero no primeiro mês da volta.

O que muita gente, razoavelmente informada sobre a covid-19, ainda não percebeu é que, em algum momento, para se impedir aglomerações nas praias em razão das recomendações para o combate ao coronavírus, a Polícia Militar terá que por grades e começar a mandar as pessoas voltarem para casa em lugar dos gentis pedidos atuais.

Devido ao espírito alegre e a convivência com a violência, as pessoas de menor escolaridade no Brasil tendem a desdenhar da ideia de se isolar. Resistem a acreditar que um gesto tão simples funcione. Até porque consideram baixo o valor de suas vidas.

O que não ainda percebem é que o pedido - e em pouco será uma ordem - não é para quem fiquem isentas de pegar a doença, mas de permitir o que número de pessoas infectadas não seja tão alto que não haja vagas nos hospitais para atender a todos.

Mesmo que 80% adquira a covid-19 e seu corpo possa não dar sinais, o desafio está em tratar os 20% restantes porque os custos são assustadoramente altos.

Então, a questão não é o valor do trabalho de quem quer voltar a trabalhar como pressionam alguns políticos, inclusive o presidente da República, ampliando os riscos de contaminação. Mas o valor do tratamento da doença num espaço de tempo tão curto. O custo das mortes já foi precificado.

O exemplo americano é ilustrativo. A maior economia do mundo está confiscando respiradores ao redor do mundo usando uma lei de guerra. Ou pagando preços até duas vezes mais caros para tê-los nos seus hospitais. Países como o Brasil, Argentina e México não tem o poder de fogo em dólar para tanto.

Então, o discurso de retorno das atividades econômicas imediatamente tende a arrefecer na medida em que o número de mortes começar a subir exponencialmente e em imagens na TV serão de pessoas que conhecemos. Ou quem somos parentes. 

Será isso que vai fazer o cidadão ficar em casa e fortalecer isolamento social. Independentemente do que pensem Bolsonaro e seus apoiadores.

A conta, portanto, não é sobre a perda de renda do mês de abril, maio ou junho, mas de como preservar negócios e vidas para uma volta gradual a partir de julho, agosto e setembro se tivemos sorte e capacidade gerencial de atendimento médico.

O debate raso ou ideológico sobre a volta das atividades tem prazo de validade. Acaba na terceira semana de abril. Queria Bolsonaro ou não. A realidade das mortes vai fortalecer o isolamento social e voluntário.

O que precisamos medir e o custo para os que ficarem vivos.

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