Aras "implode" o Ministério Público lavando a roupa suja da Lava Jato onde achou água corrente

O PGR se atribuiu o papel de sanitizante do Ministério Público Federal e sabe que tem apoio de grupos interessados nisso
Fernando Castilho
Publicado em 01/08/2020 às 17:20
A nova manifestação de Aras foi enviada ao Supremo no âmbito de uma petição Foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL


Ao contrário do provérbio “roupa suja se lava em casa”, parece claro que o procurador Augusto Aras decidiu seguir a versão popular existente no Brasil de que roupa suja “se lava onde tem água corrente e sabão”. 

E decidiu implodir a força tarefa da Lava Jato e suas congêneres, ainda que espalhe água suja, soda cáustica e espuma por tudo quanto é canto.

Mas, antes de qualquer comentário que se possa fazer sobre o perigo para a Democracia que essa decisão do Procurador Geral da República, em fazer uma devassa nos arquivos das forças tarefas que o próprio MPF criou para apurar os chamados crimes de colarinho branco, é preciso esclarecer que a Constituição de 1988 não conferiu ao PGR a função de chefe hierárquico dos 4.040 procuradores federais do Brasil.

O cargo é de representação e coordenação administrativa não lhe sendo conferido hierarquia funcional, nem autoridade para aplicar punições. Para isso, existem criados pelo legislador, órgãos como a Corregedoria e o próprio Conselho Nacional de Procuradores Gerais. Portanto, o PGR pode muito, mas não dá ordem a nenhum deles.

O problema é que ele entende que pode. Augusto Aras acredita que é, de direito, o chefe de todos os seus colegas. E decidiu organizar, de fato, uma ação pública contra a Lava Jato e as demais força tarefas que, ainda que tenha algum sucesso, comprometa seriamente a credibilidade do MPF.

Para ele, vale a pena se envolver numa briga pública fratricida, na beira das águas do Lago Paranoá, cujo resultado previsível é, no mínimo, o espalhamento de sujeira suficiente para dar uma grande misturada em todo o reservatório próximo à sede do MPF.

Não se pode achar que o PGR não saiba que, quanto mais ele lava roupa suja - onde tem água corrente e sabão -, não agrade a quem a Lava Jato puniu nos últimos anos.

Centenas de deputados e senadores, advogados que perderam dezenas de ações milionárias e parte do governo que mudou de sentimento em relação ao comportamento do MPF e ao ex-juiz Sérgio Moro depois que ele saiu da Justiça Federal e do ministério da Justiça. Sabe e não dará um passo no confronto sem avaliar meticulosamente as consequências.

Mas, talvez o problema do PGR seja um sentimento humano que boa parte do procuradores mais antigos têm com relação aos integrantes da Lava Jato que, além de formularem uma nova metodologia de investigação reunindo várias competências, descobriram que poderiam aparecer bem na mídia apresentando os resultados quando do oferecimento das denúncias.

E mais ainda quando muitas vezes falavam ao final de simples operações de busca e apreensão, o que lhes renderam boas manchetes e belas fotos e imagens na imprensa.

Pode parecer estranho nesses tempos digitais, mas boa parte dos procuradores mais antigos condena o comportamento dos integrantes mais jovens por contatos direto com jornalistas, disposição para falar a qualquer hora, fazer palestras para estudantes de direito e mostrar o volume de recursos recuperados e devolvidos à União. E participar de debates e Lives.

Muitos deles, e Augusto Aras está nesse grupo, acreditam que os “meninos da força tarefa” transformaram-se em estrelas midiáticas que destacam os feitos de sucesso e escondem a taxa de insucesso que têm nas ações, inclusive na 13ª Vara de Curitiba.

E Augusto Aras, que se articulou para burlar a lista tríplice da escolha do PGR, conseguindo acesso direto a Jair Bolsonaro na campanha de escolha do cargo máximo da carreira de fiscal da lei, não está sozinho.

Não devemos achar que o PGR não representa um grupo de procuradores. Representa sim e age de forma política e estruturada.

O problema é que o PGR não sabe como se comportar nesses tempo de mídias sociais. Ele, de fato, não domina as hastegues do Twitter, do Instagram, do LinkedIn e do Facebook.

De certa forma, Aras é um procurador analógico ou um imigrante digital numa PGR de arquivos em nuvem, processos criptografados onde muitos procuradores escrevem mais no WhatsApp que nos processos. Mas, ele tem a caneta e não está preocupado com Trend Tops detonando sua imagem.

O PGR como já declarou tem um projeto de reduzir o prestígio, ou até mesmo eliminar, a influência das forças tarefas e pronto. Não está interessado no que a imprensa diz ou pensa dele.

E nem que exista uma plateia de advogados interessados em que o Lago Paranoá pegue fogo porque o que lhes interessa é comer peixe frito. Ele vai, aliás, já foi para o confronto com a sua categoria ainda que isso represente um alto risco de desmoralização da instituição aos olhos da sociedade. 

O PGR se atribuiu o papel de sanitizante do Ministério Público Federal e sabe que tem apoio de grupos interessados nisso. Acredita que não está sozinho e, na verdade, não está.

O problema é, sendo um ser analógico, Aras comete erros básicos na hora de realizar seus atos contra as forças tarefas.

E o caso mais emblemático dessa dificuldade de se comportar no meio digital está na decisão de mandar copiar os 340 terabytes que a Lava Jato de Curitiba acumulou em quase oito anos de investigação.

Copiar para quê? Se o ministro Dias Tofolli, presidente do STF, lhe assegurou acesso total ao banco de dados das forças tarefa, Aras não precisa copiar e instalar o banco de dados em Brasília. Bastava ter a senhas que Daltan Dalangnol e seus colegas têm e de onde quer que estejam podem atuar dentro dele. Não precisa copiar o arquivo. Até porque quem entra no sistema tem que se registrar. Isso é básico.

Na verdade, quando manda copiar 340 terabytes de arquivos, Aras corre o risco de, entre Curitiba e Brasília, alguém ter acesso a esses dados criando para ele e a equipe próxima a ele, um enorme constrangimento de vazamento de dados.

Imagina se as corporações industriais precisassem ter bancos de dados na suas sedes apenas para que o presidente e a diretoria pudessem ter acesso aos projetos de P&D?

Alguém precisa dizer ao PGR que esses arquivos estão em nuvem, protegidos.

Mas, talvez esse não seja o objetivo do PGR que dá um atestado de ser um imigrante digital no meio de uma geração de procuradores nativos digitais.

Parece claro que o desejo de Augusto Aras é demonstrar para os seus que tem o controle do arquivo e pronto. Embora dificilmente ele próprio tenha tempo e disposição de abrir e ler tanta informação.

No fundo, o ruim dessa lavagem de roupa suja em público, e onde encontra água corrente e sabão em barra, é o risco de desprestígio da função do MPF.

Todo mundo sabe que promotor público é um cidadão funcionalmente chato. Sua função é ser o fiscal da lei. É o servidor público pago (muito bem pago) para perguntar.

E mesmo que muitos deles, em alguns momentos, confundam o fato de numa ação estar em linha com a defesa do réu e não na cadeira do juiz, não é bom para a Democracia desmoralizar o MPF.

Até porque quando ela estiver, efetivamente, em risco serão eles quem vão defender o cidadão dos ataques. Mas, vai dizer isso a Augusto Aras?

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