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Empresários brasileiros sonham em comprar vacinas que farmacêuticas não querem vender

Apenas no Brasil existe o debate, pois não há informação de que uma empresa ou entidade privada esteja querendo comprar vacina em algum outro país

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JC

Publicado em 01/04/2021 às 7:10 | Atualizado em 01/04/2021 às 10:56
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Com todo respeito aos senhores empresários que tiveram a ideia e a suas excelências os parlamentares que chegaram a aprovar uma lei permitindo a proposta, mas a iniciativa de o setor privado de comprar vacinas diretamente das indústrias para uso em seus funcionários é uma quimera de ética discutível.

Quimera, como se sabe, é o resultado da imaginação que tende a não se realizar, embora na mitologia remeta a um monstro mitológico caracterizado por possuir cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente.

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A proposta de que empresas privadas pudessem identificar, negociar e comprar vacinas diretamente vem sendo levantada por um grupo de parlamentares e, ao menos, por dois empresários: Luciano Hang, dono da varejista Havan, e Carlos Wizard, da holding Sforza.

Eles lançaram um abaixo-assinado para pressionar a mudança da lei que libera a compra de vacinas pela iniciativa privada, desde que os imunizantes sejam doados para o Sistema Único de Saúde (SUS). Hang e Wizard são fortes apoiadores do Governo Bolsonaro.

Eles conseguiram avanços importantes. Nesta quarta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), defendeu a iniciativa privada informando que o Legislativo começará a debater uma mudança na lei aprovada, dizendo que “não há conflito de interesses, o ministério já tem contratualizado mais de 500 milhões de doses.” Ao seu lado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, autor da proposta legal, assentiu concordando.

O problema é que além de ser uma proposta eticamente discutível, não há hoje no mercado internacional, nenhuma informação de uma empresa que tenha desenvolvido os imunizantes e que esteja disposta a vender algum lote para uma empresa de qualquer país.

Aliás, neste momento, não há nenhuma informação de nenhuma empresa ou entidade que esteja querendo fazer isso em algum outro país. Embora no Líbano um grupo de empresários tenha se reunido para criar um fundo para comprar vacinas para serem doadas ao governo, que está sem fundos para produzir a vacinação. No Brasil, ao menos cinco juízes autorizaram que entidades classistas possam fazer essa compra.

Isso reduz o debate da questão ética, como já se pronunciou aqui no JC Negócios o médico sanitarista, fundador e primeiro presidente da Anvisa Gonzalo Vecina Neto, ao perguntar se "é justo no século XXI que quem tem dinheiro se salve antes dos demais?" e se "é justo que quem tenha dinheiro possa, por exemplo, fazer um transplante na frente de outros que está na fila?".

Segundo Gonzalo Vecina, a reposta civilizada é: “Não! Não podemos ir por esse caminho. Tem que ter fila única, e é o Estado quem fala como organiza e quem vai receber. E essa fila anda de acordo com o princípio civilizatório do estado”. 

Nesta quarta-feira, outra cientista, a infectologista da Fiocuz, Margareth Delcomo, informou que dado ao comprometimento das indústrias que desenvolveram e já produziram e estão comercializando o imunizante de suas plantas, todas elas têm em comum o fato de estarem se relacionando apenas com governos.

A professora Delmoco, que participa de iniciativas na América do Sul sobre o impacto das vacinas na epidemia do coronavírus, disse não ter informação de que em algum país exista esse movimento.

A proposta de empresários e de parlamentares sobre o assunto leva à questão prática de que, uma vez aprovada a legislação, onde seriam compradas vacinas, e de que fabricantes?

Como Pfizer, Janssen, Moderna e AstraZeneca já disseram que não vão fazer isso, sobram duas possibilidades: a indiana Covaxin e a russa Sputnik V.

No caso da Covaxin, que é uma vacina produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, não temos nada de informação sobre sua fase 3. Por isto, o pedido do Ministério da Saúde para importar e distribuir este imunizante foi negado. Na Índia, a vacina tem autorização para uso emergencial.

No caso da Sputnik V, ela obtive certificação de boas práticas de fabricação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), documento necessário para obtenção do registro de medicamentos biológicos.

Entretanto, segundo a Anvisa, devido à ausência de documentos considerados importantes para a análise, conforme previsão legal, houve a suspensão da contagem dos prazos da vacina russa.

Isso torna quase impossível que algum grupo de empresas possa encontrar um outro imunizante no mercado internacional. E mesmo na China, onde é feita a Sinovac Biontec, aplicada no Brasil isso seja possível.

Ou de uma vacina desenvolvida pelo Instituto Pequim - afiliado gigante farmacêutica estatal Sinopharm - ou da vacina da CanSino Biologics, que está sendo usada entre militares, sobre as quais não há pedidos de aprovação na Anvisa, o que tornaria a tentativa de importação praticamente impossível.

 

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