STF censurou Telegram e Governo Bolsonaro errou na forma quando defendeu liberdade de expressão
Instituições podem fazer o errado tentando fazer o certo. Quando o ideal seria fazer o certo de forma correta
Quem quiser que ache ruim, mas o STF censurou, sim, o aplicativo Telegram, ao proibir sua atuação no Brasil. Embora, em menos de 48 horas, a mesma Corte tenha levantado a proibição após a empresa proprietária do serviço ter atendido as condições impostas pelo ministro que cuida do caso.
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O fato deixa lições importantes, e a primeira delas é que, no Brasil, ninguém está acima da lei. O que não significa dizer que todos estão, de fato, protegidos por ela na visão do legislador.
Uma outra lição é que mesmo instituições podem fazer o errado tentando fazer o certo. Quando o ideal seria fazer o certo de forma correta.
A pressa da AGU (ainda na madrugada sábado, 19) em defender o Governo a levou a fazer o certo - a defesa da liberdade de expressão - de forma errada, porque acabou defendendo o presidente (que era o alvo da decisão do ministro Alexandre de Moraes), numa ação em que sua Excelência é acusado de espalhar notícia falsa, aliás, decisão cumprida pelo aplicativo depois de ter sido proibido.
O STF censurou o Telegram e isso é um fato histórico. Podemos, na mesma internet, ter um terabyte de debates sobre o assunto. Por exemplo: se a decisão permanecesse, a impressa brasileira estaria privada de obter informações sobre o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que só usa o aplicativo. Mas isso aconteceu.
E também é um fato que, no Brasil (ao contrário dos 12 países onde o aplicativo está proibido), não foi o Estado, mas a Suprema Corte que - através de um de seus representantes - determinou a suspensão temporária de sua atuação no país.
Isso faz uma grande diferença, e aparentemente foi essa diferença que fez o russo Pavel Durov, proprietário do aplicativo, escrever para o ministro e se colocar para fazer o óbvio: cumprir a lei.
O fato abre um debate interessante pelas posições contrárias de seus personagens.
Aqui, a Justiça defendeu e atuou na censura de todo um serviço e, portanto, capaz de atingir todos os cidadãos que usam corretamente o aplicativo, em função do não cumprimento (por falta de interlocução técnica e legal com o aplicativo) de uma de suas determinações, por um usuário que é acusado na Suprema Corte de cometer um crime.
Em oposição, o Estado brasileiro, através da AGU, defende este mesmo cidadão foco da decisão do STF, usando argumentos de repercussão geral contidos no marco regulatório da Internet, para proteger o mesmo usuário que a Suprema Corte já proferiu sentença condenatória e que objetivada a supressão das suas consequências, atrás da permanência no Telegram.
É um bom caso de fazer o certo de forma errada porque, na prática, o presidente Jair Bolsonaro - que é réu numa ação no STF - determina a AGU, instituição que defende o Governo, que o interceda em nome dos demais cidadãos sob a tese da liberdade de expressão.
O Telegram tem tido problemas em vários países, e no caso do Brasil, conseguiu atrair a suspeita da Justiça pela série de dificuldades que colocou, não apenas por se apresentar ao mercado sem nome de representante legal e endereço.
E por abrigar todos os tipos de grupos acusados de atividades ilegais que vão muito além da liberdade de expressão defendida pela AGU. Crimes que chegam a acusações de pedofilia, tráfico de drogas e de armas e todo um kit de crimes contra os cidadãos.
Curiosamente, é o mesmo aplicativo que, no Brasil, mesmo sem um simples escritório de representação, é o veículo de negócios e sobrevivência de milhões de pequenas e microempresas como canal de distribuição de informações. Além de o próprio Governo ser seu cliente, estando entre suas instituições a Receita Federal.
O Telegram foi o canal que o juiz Sergio Moro se comunicou com os procuradores da Operação Lava Jato, cujos diálogos foram revelados pelo site The Intercept Brasil.
E, em função das restrições que os aplicativos concorrentes do Telegram colocaram na divulgação de informações falsas, acabou sem o principal canal adotado pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Certamente, pela inexistência de filtros e restrições que se permite nele. O que está muito longe daquilo que a sociedade internacionalmente aceita como boas práticas de divulgação de internações. O que talvez pode explicar a reação imediata do próprio presidente quando da proibição.
O ministro Alexandre de Moraes revogou a proibição divulgada na última sexta-feira nesse domingo. Corrigiu um equívoco depois que o site se dispôs a ter um representante legal e cumprir todas as decisões contra o presidente e seus apoiadores.
Esse era um dos objetivos do ministro, e isso é importante para o STF, para o TSE (que tem demonstrado preocupações com seu uso nas próximas eleições) e demais juízes que poderão, finalmente, ter um canal de acesso no cumprimento de decisões contra crimes dos mais diversos tipos.
O STF conseguiu, de fato, uma vitória. O que diante da guerra que se aproxima nas próximas eleições, pode ser uma arma importante contra o que é esperado. Mas censurou o Telegram e isso é um fato, felizmente, agora fazendo apenas parte da História.