Coluna JC Negócios

Gabinete de pastores no MEC constrange evangélicos que apoiam Bolsonaro e os que discordam dele

Os deputados evangélicos do Centrão não precisam de intermediários. Eles podem resolver isso por cima, através de Ciro Nogueira, que manda no Fundeb

Imagem do autor
Cadastrado por

Fernando Castilho

Publicado em 24/03/2022 às 12:00 | Atualizado em 24/03/2022 às 12:57
Notícia
X

No meio desse debate sobre a atuação do que pode ser chamado de “Gabinete de pastores” no MEC, é importante separar não só a bancada evangélica no Congresso, os deputados evangélicos eleitos a serviço das congregações e que atuam em função dos interesses específicos delas, e os evangélicos em suas várias denominações. Muitos deles, hoje, frustrados com Jair Bolsonaro.

O que chama atenção nesse episódio é o envolvimento de dois pastores que não representam, por exemplo, o grupo de pastores neopentecostais, de quem tanto a imprensa fala e cujas grandes expressões midiáticas são os pastores Edir Macedo (Universal do Reino de Deus), RR Soares (Igreja Internacional da Graça) e Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus.

O fato novo é que, desta vez, envolve pastores ligados a igrejas mais tradicionais reunidas na Convenção Geral das Assembleias de Deus, fundada em 1990 como uma dissidência da Assembleia de Deus que chegou ao Brasil em 1910, por intermédio dos missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel, vindos dos Estados Unidos, estabelecendo-se no Pará.

Claro que a atuação dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que é assessor de “Assuntos Políticos” da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil, foi facilitada pelo ministro Milton Ribeiro. Ele abriu um vácuo de poder na pasta que extrapolou a atuação dos interesses da causa evangélica e derivou para práticas de extorsão pura e simples, como apontam as denúncias.

Portanto, mesmo que o presidente Bolsonaro tenha mesmo dito para Ribeiro atender aos pedidos dos pastores, não é crível que isso seja um sinal de que o presidente mandou o ministério da Educação se transformar num valhacouto.

O problema é que, diante de uma sinalização dita em público e numa reunião com tanta gente, a palavra do ministro falando do aval do presidente na frente de prefeitos é uma carta branca para ele atuar e fazer o que está sendo acusado.

ISAC NÓBREGA/PR
Programas do Ministério da Educação ficam para trás enquanto pasta comandada por Milton Ribeiro está envolvida em polêmicas - ISAC NÓBREGA/PR

O que preocupa os lideres evangélicos nesse movimento é que ele é uma ação isolada de pastores interessados em interesses pessoais. E esses objetivos passam a quilômetros dos grandes interesses, por exemplo, da Assembleia de Deus, da própria Universal do Reino de Deus e dos batistas do Brasil, cuja chegada remonta à segunda metade do século XIX. Tê-los no noticiário prejudica a causa religiosa do segmento.

Gilmar Santos e Arilton Moura “descobriram” um espaço no MEC e acharam que poderiam ganhar dinheiro intermediando verbas periféricas do Fundeb e vendendo produtos de suas empresas como pessoa jurídica. Descobertos, até mesmo a Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Assembleia de Deus do Brasil (CGADB) desautorizou os dois pastores.

Entretanto, para o presidente Jair Bolsonaro, demitir Ribeiro agora significa abrir mão de uma marca de seu governo de que não tem corrupção. Esse, aliás, é o mote de muitos candidatos bolsonaristas já em campanha pelo Brasil afora.

Mas a verdade é que Bolsonaro perdeu o tempo de demitir Ribeiro quando veio à tona a primeira denúncia. E, certamente, vai mantê-lo para não abrir esse flanco na sua campanha de reeleição. Nem dar essa vitória à Imprensa. Mesmo sabendo que o estrago já está feito.

Difícil será administrar o mau humor dos demais evangélicos, que não aceitam ser relacionados com nenhum tipo de corrupção.

Para um evangélico, a condição de ser honesto é inegociável. Mesmo que o pastor às vezes peque e desvie dinheiro (privado) dos fiéis.

Mas esse é um problema que eles resolvem, e sua presença no Congresso tem objetivos bem específicos, como o crescimento das condições legais que permitam o crescimento da base de convertidos e redução de impostos federais e municipais. Especialmente no segmento neopentecostal, que é um nicho mais midiático e agressivo.

Na verdade, pode-se dizer que a crise levada para o gabinete por Milton Ribeiro decorre de sua curta visão sobre Educação, mediocridade de atuação e inabilidade em lidar com pressões que, na sua pasta, são muito maiores que uma dupla de pastores achacando prefeitos.

O que pouca gente percebe é que a atuação de Gilmar Santos e Arilton Moura comparado ao que, por exemplo, o Centrão controla do fundo, é briga por um troco.

Os prefeitos que toparam ser atendidos pela dupla, certamente, não estão ligados a deputados do Centrão, que resolveriam isso por cima, através de Ciro Nogueira, que não pedem para o ministro atender os prefeitos, mas determinam que o Secretário Executivo do Ministério da Educação, Victor Godoy, libere as parcelas. Os deputados evangélicos do Centrão não precisam de intermediários.

DIVULGAÇÃO
Milton Ribeiro com o pastor Gilmar Santos - DIVULGAÇÃO

Ou seja, os dois pastores tentaram atuar nas bordas de um Fundo que já tem dono. Perderam o respeito de seus fiéis e ganharam a irritação da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros de Assembleias de Deus no Brasil e Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Assembleia de Deus do Brasil, da qual fazem parte.

Mas Ribeiro pode pagar mais caro. Sair do ministério acusado de permitir a atuação de uma dupla de espertalhões que usavam seu nome e o do presidente para faturamento paralelo dentro do MEC.
Nota ruim mesmo para seu currículo fraco.

Tags

Autor