Tragédias como as que o Recife e municípios da Região Metropolitana enfrentam servem para mostrar a incapacidade dos governos estaduais e municipais em priorizar a questão da habitação popular enquanto aguardam verbas da União para terem oportunidades de fazer eventos de inaugurações de habitacionais como se eles fossem uma prioridade.
É importante observar que nenhuma cidade brasileira pode suportar o volume de chuvas que a RMR recebe em apenas uma semana e, muito menos, como nesta madrugada, depois de uma semana de chuvas intensas.
Não dá para fazer muita coisa além ajudar a encontrar os corpos das vítimas fatais e socorrer os feridos, além de ajudar as famílias a prantear e enterrar seus entes queridos.
Mas o Governo do Estado e as prefeituras não podem ficar só nisso.
Nos últimos anos, com as dificuldades da economia, as prefeituras da RMR, como as de todo o Brasil, passaram a entender que fazer casa em lugar seguro para pobre era atribuição do governo federal e que, no máximo, poderiam entrar com o terreno.
Isso funcionou razoavelmente enquanto o contribuinte bancou a conta, como nos governos do PT com programas como o Minha Casa Minha Vida (MCMV), que pagou perto de 2 milhões de unidades nas faixas populares.
Mas no governo de Jair Bolsonaro, o dinheiro para isso foi cortado, de modo que, hoje, simplesmente não tem financiamento novo para obras para quem hoje é pobre e mora longe.
E com essa nova realidade, prefeituras esqueceram a questão habitacional e foram cuidar de suas vidas sem desenvolver ações de redução de danos para ajudar a quem invadiu um morro e fez sua casa por conta e risco.
Ainda está na memória do recifense a tragédia do Córrego do Boleiro. A do Jardim Monte Verde será a nova a ser lembrada. Famílias vão ficar sem parentes e suas casas construídas irregularmente, por absoluta falta de lugar.
Naturalmente, dirigentes estaduais e federais vão fazer visitas nas chamadas inspeções de emergência e vão gravar vídeos com anúncios de medidas emergenciais.
E, no caso de Pernambuco, sem aparecer juntas, diante do fato de que na próxima campanha eleitoral, não querem imagens juntas. E o problema vai continuar depois que suas excelências voltarem para Brasília.
Mas a tragédia vai continuar anunciada. E acontecerá de novo se a questão da habitação popular não virar uma questão, como é hoje a Educação e a Saúde, que tem dotações especificas, além da inevitável folha de servidores.
Em 1988, quando o legislador escreveu a nova Constituição, definiu que 40% da arrecadação deveria ser para as duas grandes prioridades naquele ano. O dinheiro, como se sabe, vem sendo usado para fazer escola e hospital, cuja necessidade de manutenção estoura o orçamento das prefeituras.
Enquanto isso, as famílias sem casa foram fazendo as suas moradias por conta e risco.
Cidades como o Recife e as da RMR precisam entender que terão que colocar, a partir de agora, dinheiro para não apenas fazer mais habitações, mas ajudar a que as já existentes não sejam as próximas vítimas. Fazer casa ou construir proteção virou despesa feito a coleta de lixo.
É importante não achar que isso é o caminho mais adequado. Não é.
Numa situação ideal, talvez seja mais barato remover as populações para habitacionais próximos e reconstruir a vegetação do morro como área verde de convivência.
Mas isso não é possível, o que obriga as prefeituras a destinar dinheiro para proteger o morro usando tudo que tiver de modelos de engenharia construtiva.
Claro que é mais caro. Mas não dá para achar que a prefeitura resolve o problema colocando lonas plástica e pedindo a Deus que não chova tanto.
A abordagem da questão das habitações não pode ser focada apenas na construção de transferência de quem hoje habita palafitas e favelas.
Quem já chegou antes e construiu sua casa num morro precisa de algo mais que lona plástica. Isso custa dinheiro e determinação do prefeito em tirar de outras áreas.
E se é verdade que a partir de agora fenômenos como a concentração de chuvas como a que tivemos serão o padrão, é necessário repensar a questão. É importante não deixar de reconhecer que poucas cidades no Brasil têm estrutura para não ter problemas como a ocorrência de 200 milímetros de chuvas em 24 horas.
Mas a tragédia do Monte Verde escancara uma nova realidade: que lona plástica, entrega de escritura e câmeras de monitoramento já não são mais suficientes.
Por isso, é bom os prefeitos se acostumarem com a ideia de que botar dinheiro para proteger o morro de quem construir nele sem todas as soluções possíveis de engenharia é tão importante como construir mais escolas, novas UPAs e equipar a guarda municipal. Virou despesa obrigatória.
Sabendo que os governos estadual e federal podem até ajudar. Embora, como se viu até agora, não estejam muito interessados nisso.
Embora nessas horas sempre tenha alguém fardado de um "colete" novo da Defesa Civil, como no visível na imagem da TV, prometendo soluções paliativas para problemas crônicos.
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