A divulgação do IPCA de julho registrando deflação de -0,68%, combinada com a queda do INPC em -0,60% e do IPCA-15 de agosto em -0,73%, produziu uma onda de entusiasmo nos pronunciamentos do governo Bolsonaro no início da campanha eleitoral.
Entre o presidente, os ministros e os candidatos aos governos dos Estados e os postulantes ao Senado o discurso é o de que 2022 a economia vai crescer mais de 2,5%, mantendo a tendência de 2021 quando, após a pandemia, o País cresceu 4,1%.
Faz sentido. Afinal, desde o início da validade da redução das alíquotas do ICMS dos combustíveis que a Petrobras já anunciou ao menos três reduções de preços, uma de óleo diesel e, nesta sexta-feira, um queda de 10,4% nos preços do querosene de avião, o que ajuda a provocar redução nos preços das passagens nos próximos meses.
Além disso, nas suas palestras em fóruns internacionais, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem previsto que a série de deflação do IPCA (que é a inflação oficial do Brasil) deve se repetir em agosto e setembro, provocado não só pela redução da cobrança do ICMS mas pela redução dos preços do barril do petróleo no mercado internacional - que caiu de US$ 112,04, em 17 de junho, para US$ 96,87%, nesta sexta-feira.
Tem mais: o Ministério da Economia elevou a estimativa de superávit comercial para 2022, de US$ 79,4 bilhões para US$ 111,6 bilhões, com elevação de US$ 284,3 bilhões para US$ 348,8 bilhões nas exportações, e a projeção para as importações de US$ 204,9 bilhões para US$ 237,2 bilhões.
O presidente tem motivos para passar a falar de economia na sua campanha. Em junho, o mesmo IBGE apontou uma queda na taxa de desemprego de 14,9% (no primeiro trimestre de 2021) para 9,3% (no segundo trimestre de 2022). Finalmente, há a expectativa de que, ao final de 2022, a inflação fique em 6,82%, conforme está publicado no Boletim Focus desta semana.
O problema está no outro lado da coluna de custos e de desempenho da economia brasileira, cujo cenário para 2023 é cada vez mais preocupante diante das necessidades de financiamento do pacote de benefícios. Segundo analistas, foram comprometidos R$ 148 bilhões do orçamento de 2023 sem que se saiba como ele será pago.
Não é um cenário que possa ser desprezado. O mesmo Boletim Focus, que estima uma inflação de menos de 7% em 2022, mantém uma taxa de 5,33% indicando que dificilmente a meta inflacionária prevista pelo Banco Central será atingida. Na verdade, o Brasil tem uma situação curiosa. Aponta para redução da inflação em 2022 e aumento da inflação em 2023.
Talvez a preocupação se explique de uma forma simples. Os índices setoriais de 2022 apontam alta, enquanto a inflação geral baixa, motivada pelo impacto da redução dos preços dos combustíveis por ao menos três meses.
Nesta sexta-feira, por exemplo, o IBGE revelou a inflação no Índice de Preços ao Produtor (IPP) de 1,21%, em relação a junho. No acumulado do ano, o indicador atingiu 11,46%, segunda maior taxa registrada para um mês de julho desde o início da série histórica, em 2014.
O IPP é importante porque apura a chamada inflação dos preços de produtos na “porta da fábrica”, isto é, sem impostos e frete. E segundo o IBGE, das 24 atividades das indústrias extrativas e da transformação pesquisadas, 17 apresentaram alta em julho.
O outro foco de preocupação está no próprio IPCA, que no Grupo dos Alimentos acumula uma alta de 11,84% no ano. O índice relacionado aos alimentos é importante porque ele representa 21,28% de toda a base de cálculo da inflação.
E os alimentos formam os índices que mais cresceram, impactando diretamente na cesta de produtos das famílias de baixa renda. Apenas em 2022, os preços do feijão carioca, por exemplo, subiram 38,58%, os do macarrão 16,17% e a farinha de trigo (que reflete diretamente nos preços dos pães e massas) subiu 27,47%.
Os alimentos são a face cruel do lado ruim da economia que atualmente registra uma taxa de subutilização da força de trabalho (percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial em relação à força de trabalho ampliada) de 21,2%.
E o mais preocupante: uma taxa de informalidade para o Brasil foi de 40% da população ocupada, que combinada com o percentual da população ocupada do País trabalhando por conta própria que chegou a 26,2%, transforma o Brasil num País onde mais de 80 milhões de pessoas estão fora do mercado formal de trabalho com carteira assinada.
Isso não quer dizer que, necessariamente, o Brasil esteja condenado a ter um desastre econômico em 2023, afinal, o sucesso do agronegócio é uma das razões do otimismo do governo federal, já que ele mais uma vez prevê uma safra recorde de 272 milhões de toneladas com o País, mais uma vez, batendo recordes na produção de milhos (115 milhões de toneladas) e de soja (125 milhões de toneladas) e nos colocando entre os líderes no setor de alimento do mundo.
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