Pessoas com muitos anos numa atividade como a política têm enorme dificuldades em rever seus conceitos. Portanto, não devemos esperar que o presidente Lula da Silva revise o seu conceito da atuação do BNDES como banco de fomento.
O presidente Lula da Silva não vai rever seu entendimento de que é um bom negocio para o país o BNDES ir como foi no passado ao mercado financeiro tomar crédito a 12% ao ano para emprestar a 3 ao ano ou, no máximo, 6% ao ano. Ele não vai.
E ele fará com que o BNDES abra novamente a linha de crédito empreste a países amigos o que é um negócio interessante, se os juros forem cotados em dólar e captados, numa condição que seja boa para o tomador e para o investidor de longo prazo.
O problema do raciocínio do presidente é que ele não separa a conta de quem tomou emprestado e pagou - especialmente empresas brasileiras - dos que misturaram esse dinheiro com os operadores da Lava Jato.
Dezenas de empresas que tomaram o dinheiro a juros baixos pagaram e continuam investindo no Brasil. Países que receberam empréstimos pagaram. E este ano o BNDES deve quitar a última parcela de R$ 25 bilhões.
Rio de Janeiro - Edifício sede do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no Centro do Rio. (Fernando Frazão/Agência Brasil) - Fernando Frazão/Agência Brasil
Mas não cabe o discurso de que deu tudo certo e que, como disse Lula, nesta segunda-feira em Buenos Aires, foi “graças ao financiamento de 500 bilhões de reais do BNDES” que o Brasil teria sido “o último país a entrar na crise [de 2008] e o primeiro a sair”.
Não foi presidente. A estratégia que seu governo criou com a política de campões nacionais chocou o ovo da serpente que anos mais tarde nos levou à ikcrise dos governos Dilma Rousseff quando o Brasil teve queda de 3,8% no PIB, em 2015 e 3,6%, em 2016.
A questão não foi emprestar a países lá fora. A questão foi emprestar para um grupo de empreiteiras com acesso aos gabinetes do governo. E permitir o surgimento de um mecanismo que fez elas se envolverem com corrupção e que nos levaram a dezenas de acordos de leniência e no caso mais grave devolverem mais de R$ 6 bilhões à Petrobras.
O equivoco que o presidente insiste e se manter é não separar as coisas, insistindo que a chamada Política de Campeões Nacionais teve 100% de acerto.
Não teve presidente. As empresas perderam tecnologia e a proposta de gerar uma nova indústria naval e expertise de construção de refinarias com conteúdo nacional, por exemplo, se perdeu nos processos e investigações da 13ª Vara de Curitiba.
O presidente comete um equivoco - como também cometeu o ex-presidente Jair Bolsonaro - quando afirmava que todos os países derma calote. Não foi isso.
O jornal O Estado de S. Paulo trás uma informação importante sobre o tema revelando que, desde fins da década de 1990, “o banco de fomento liberou US$ 10,49 bilhões para financiar 86 obras tocadas por construtoras brasileiras em 15 países. Angola foi o país que mais recebeu empréstimos – e já pagou tudo de volta.”
Ironicamente, a Argentina que Lula visitou nesta segunda-feira e anunciou o inicio das novas operações do BNDES, ainda tem uma parcela final de US$ 29 milhões para pagar de volta.
O Estadão ainda informa que a empreiteira com mais contratos no exterior, a Odebrecht, que praticamente desapareceu após ser atingida em cheio pela Lava Jato, ficou com US$ 7,984 bilhões, 76% do total. A Odebrecht, como se sabe, até mudou de nome e ainda responde na Justiça.
Então, a questão não o BNDES emprestar no exterior. Até porque casos como Venezuela, Cuba e Moçambique, os três países com o BNDES emprestou US$ 1,03 bilhão, tiveram US$ 977 milhões cobertos pelo FGE. O mesmo fundo federal feito com recursos públicos, que garante as operações e que agora será a garantia das operações com a Argentina.
O equivoco do presidente está em querer reescrever a história depois de ela estar fortemente documentada. Instituições como o BNDES e com a capacidade de captação que possuem podem e devem ser instrumentos de crescimento das nossas empresas no exterior.
Isso é o que as grandes nações fazem. Isso é o que instituições multilaterais fazem. O erro está em se negar a reconhecer os equívocos do passado e não usar isso como experiência para fazer melhor no futuro.
O mundo cresceu com o crédito. Mas perdeu dinheiro quando o tomador usou não o crédito adequadamente ou desviou. Não reconhecer isso é se apegar a idéia que não se aprende com os erros. Ou pior: sequer reconhecê-los.