Tributo a Marina Colasanti

Escritora premiada deixa uma obra vasta e variada para os leitores de todas as idades – e um exemplo de vida em prol da arte e da liberdade

Publicado em 01/02/2025 às 20:49
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Homenageada na última edição do Prêmio Jabuti, poucos meses atrás, com um lindo vídeo feito por sua filha Alessandra, Marina Colasanti recebeu, em 2023, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra: foram mais de 70 livros em cinco décadas de literatura. Crônicas, contos, traduções, ensaios e histórias infantis compunham seu repertório, sempre imerso em linguagem poética, simplicidade e objetividade.
Na belíssima amostra de sua obra, organizada para a FTD por Vera Maria Tietzmann Silva, ilustrada por Carolina Guimarães Couto, “A disponibilidade da alma” reúne 50 anos de prosa e verso da escritora falecida na semana passada. No livro, a organizadora afirma que “a obra literária de Marina Colasanti é singularmente coesa e não conhece declínio, sempre se mantendo num alto patamar de qualidade”. Mas a diversidade “é relativa, pois parece existir um parentesco entrelaçando a construção desses textos tão diferentes entre si”. A autora de “Eu sozinha”, seu primeiro livro, foi uma das precursoras do miniconto no Brasil, e se destacou em quase tudo que escreveu, da literatura infantil – em histórias ilustradas por ela mesma – aos ensaios e poemas.
Como nesse percurso de texto que nos lança para dentro de uma imagem-miragem que sempre fazemos de nós mesmos:

“Tive um rosto
e o perdi
penso diante do espelho
que não me entrega aquela
que eu esperava
mas outra
bem mais velha.
Mais uma vez me engano.
Certo seria dizer:
pensei ter tido um rosto
e o que perdi foi
a ilusão de um rosto.
Caminhei até um rosto
longamente,
um rosto que alcançado
seria o meu.
E quando enfim cheguei
àquele rosto
ele não era aquele
era um rosto
muitos rostos adiante.
Cheguei sempre atrasada
nesse encontro
porque quis alcançar meu rosto
como a um porto
e não soube entender
que rosto
é só percurso.”


Marina colossal

Em artigo para o Livronews, José Castilho registra: “Marina foi um colosso, no sentido de sua dimensão intelectual e humana descomunais, tanto no Brasil quanto no mundo ibero-americano, onde semeou em corações e mentes de todas as idades, etnias e credos, uma literatura de profunda busca e de identidade com a alma humana”. Castilho lembra que a conheceu na Feira do Livro de Frankfurt, nos anos 1990. “Começou quase como uma visão entre cinematográfica e literária, surgida, de repente, naqueles imensos corredores que interligam os pavilhões. Notei, ao longe, um casal andando apressado, braços dados, capas de chuva esvoaçantes, visivelmente felizes, que vinham em minha direção. Eram Affonso Romano de Sant’Anna e Marina Colasanti. Em raríssimo momento de tietagem, hábito que não cultivo por timidez ou por não querer impor uma presença desconhecida, interrompi a caminhada deles e me apresentei dizendo de minha admiração”.
E enfatiza, com saudade: “A morte de Marina é lamentável porque é mais uma corajosa e preparada defensora de um mundo baseado na razão e na sensibilidade que se vai. Com sua partida perdemos uma valorosa guerreira para avançarmos a patamares melhores de convivência nessa difícil polis brasileira e latino-americana. Não pensem que exagero ou faço um elogio gratuito, quem a viu em debates na defesa de suas posições conheceu sua contundente sinceridade e elegante firmeza”. Leia o artigo completo em https://livronews.com.br/marina-colasanti-nos-deixou-aos-87-anos/.


A luz da poesia

Trecho de um poema de Affonso Romano de Sant’Anna que vale recordar, neste pequeno tributo à sua companheira de vida:

“Tenho um minuto
para a contemplação da luz.
Um minuto,
— é muito pouco
mas a poesia rasga o tempo
e me inunda com sua luz”.

 

Keila Castro
João e Flávia Suassuna com Gerson Camarotti na APL - Keila Castro


Camarotti e Suassunas

Em discurso emocionado, ao receber o diploma de sócio correspondente da Academia Pernambucana de Letras, no Recife, o jornalista Gérson Camarotti contou como conheceu o escritor Ariano Suassuna, “meu grande amigo e mestre que me apresentou e me orientou no melhor da literatura”, disse. O primeiro encontro se deu em 1989. “Tinha na época 15 anos e muito interesse pela literatura de cordel. Já tinha assistido muitas peças do mestre Ariano, como as Conchambranças de Quaderna. Escrevia na revista do Colégio Salesiano e tive a ousadia de me aproximar do grande escritor paraibano que, naquela época, estava mais recluso. Imediatamente, ele disse que eu aparecesse em sua casa. Eu era um jovem estudante e pensava que Ariano Suassuna fizera o convite por delicadeza. Quando bati à porta de sua casa, na Rua do Chacon, 328, percebi que não tinha sido apenas uma formalidade. Passamos a tarde conversando”, lembra Camarotti, que teve a oportunidade de se encontrar, na APL, com João e Flávia Suassuna, neto e sobrinha do escritor. “A generosidade era uma característica única do mestre Ariano, como costumava chamá-lo. Desde então, passei a visitá-lo com frequência”.


Academias ampliadas

Coube ao acadêmico Marcus André Melo a fala em homenagem aos 124 anos da Academia Pernambucana de Letras (APL), no mesmo dia da entrega de diplomas aos novos sócios correspondentes, na última segunda-feira. “A escritura assume hoje formas inusitadas que eludem qualquer categorização. Penso em blogs e outras formas de produção recentes. E assim as academias tem ampliado a interpretação do que é literatura. O Nobel concedido a Bob Dylan e o ingresso de Gilberto Gil na ABL são exemplos. Como também o é o de Fernanda Montenegro”, mencionou o professor e cientista político. “Não tem sido diferente com a APL que é uma casa de poetas, romancistas, cronistas, artistas, e muitos que tem a literatura como objeto. Tem acolhido também intelectuais públicos e os que se dedicam às letras jurídicas, humanidades e as ciências humanas, músicos, jornalistas”.


Mérito Cultural

Desde o dia 1º de fevereiro, o Ministério da Cultura está recebendo sugestões para a concessão da Ordem do Mérito Cultural a personalidades, instituições e coletivos que trabalham pela diversidade cultural no Brasil. A premiação estava suspensa desde 2019. A literatura é uma das expressões que podem receber sugestões até o próximo dia 10, através de formulário disponível no site do MinC.

 

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Eduardo Bezerra escreveu sobre obra de Drummond - Divulgação


Pensamento em Drummond

A Livraria do Jardim, no Recife, recebe o lançamento, na terça, 4, de “O pensamento simbólico em Drummond”, de Eduardo Bezerra Cavalcanti. O estudo crítico sobre “A rosa do povo”, de Carlos Drummond de Andrade, é publicado pela Cubzac, e chega 80 anos depois da obra do poeta mineiro. Eduardo Bezerra faz sessão de autógrafos a partir das 4 da tarde.

 

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Vera Lúcia da Silva e seu livro pela Mirada - Divulgação


Espanador não limpa poeira

Completando 62 anos nesta segunda, 3, Vera Lúcia da Silva está com seu livro “Espanador não limpa poeira – Memórias e aprendizados de uma empregada doméstica” em pré-venda pelo selo Mirada. Vera começou a trabalhar como empregada doméstica aos 12 anos de idade. Foi nos anos 1990 que Vera se aproximou do ambiente dos livros, ao trabalhar na Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH, da Universidade Federal de Pernambuco. Para apoiar a publicação e comprar o livro, o pix é o e-mail espanador2024@gmail.com.

 

Bruno Sarlas
A escritora e psicanalista Camila Anllelini - Bruno Sarlas


Mãe e filha em crônicas

Semifinalista do Jabuti 2024 e finalista do Minuano, o livro de crônicas da escritora e psicanalista Camila Anllelini aborda a relação entre mãe e filha. “Do amor e outros ódios” é seu primeiro livro, depois de três anos de escrita, e foi publicado pela Patuá.


Leituras sem fronteiras

Estão abertas as inscrições para o curso de pós-graduação em EAD para mediação e formação de leitores, numa parceria do Instituto Emília, da Pedagogia para Lberdade e o Ecossistema SOMAS. “Leituras sem fronteiras” terá início em março, com quatro semestres de duração, sob a inspiração de curso semelhante no Gretel, da Universidade Autônoma de Barcelona. Participam da equipe de professoras e professores: Bel Santos Mayer, Dolores Prades, Janine Durand e José Castilho Marques Neto, entre outros. Inscrições e informações pelo e-mail contato@pedagogiaparaliberdade.com.

 

Thiago Medeiros
A escritora e advogada Thaís Sales - Thiago Medeiros


A boneca Fuxiquita

Após saber que sua avó estava com câncer, a escritora e advogada Thaís Sales escreveu o livro infantil "A Boneca Fuxiquita no coração da vovó", seu livro de estreia, com ilustrações de Karla Gonçalves. A importância dos laços familiares, da ancestralidade e da transitoriedade da vida é compartilhada pela autora com delicadeza. No livro, Thaís aborda esses temas a partir da relação entre avó e neta - e de uma boneca especial.


Conficções

O novo livro de Pedro Américo de Farias pela Mondru está em pré-venda no Catarse. “Conficções: poema quase limpo” integra a Coleção Limiares da editora, e é um poema narrativo que “explora a busca pela identidade, a crítica social e a condição humana”, segundo a divulgação. Acesse www.mondru.com e saiba mais.


Infâncias e leituras

Novo livro da coleção Gato Letrado, “Infâncias e leituras – Presenças negras e indígenas na literatura infantil” tem a organização de Márcia Licá e prefácio de Bel Santos Mayer. A publicação é da Pulo do Gato.


Obrigado, Marina Colasanti!

Para fechar a coluna, uma frase marcante, que podemos ler logo no início de famosa crônica de sua autoria:

“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.”

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