Covid-19: a "pandemia" do abandono de animais de estimação no Brasil
Levantamento da Ampara Animal, feito a partir de pesquisa com 530 associações, apontou aumento de 70% nos resgates do ano passado. Protetores da causa animal dizem nunca ter visto tantos bichos nas ruas como agora
Belinha foi devolvida ao abrigo por “fazer xixi demais”. Mel porque “corria muito”. Já o novo tutor de Bob disse ter desistido dele por não esperar que o cachorro fosse dar “tanto trabalho”. E o de Lua disse não ter tempo para cuidar dela pós-lockdown. Marley não recebeu uma explicação: foi deixado à porta do abrigo. O mesmo aconteceu com o gatinho Chico, que foi deixado limpo, aparentemente bem cuidado, mas doente aos cuidados de uma protetora. Junto ao crescimento do número de adoções, está também o aumento do abandono de animais durante a pandemia da covid-19 - um crime previsto em lei que sempre aconteceu pelo descaso de humanos, mas agora também por reflexo de problemas sociais e econômicos trazidos pela crise sanitária.
A necessidade de manter o distanciamento social fez com que muitos buscassem uma companhia de quatro patas no início da pandemia - dados da União Internacional Protetora dos Animais (Uipa) no Brasil apontam aumento de 400% na procura de animais para adoção. Entretanto, nem todas as histórias tiveram um final feliz: algumas pessoas voltaram ao trabalho presencial e perceberam que é preciso muito mais que entusiasmo para cuidar de um bichinho. O aumento do abandono foi percebido por entidades internacionais como a Hope Rescue, no Reino Unido, que disse nunca ter resgatado tantos pets em 15 anos de história.
No Brasil, o cenário não é diferente. Levantamento da Ampara Animal, feito a partir de pesquisa com 530 associações, apontou aumento de 70% nos resgates do ano passado. “O isolamento fez aumentar a procura por animais que, inclusive, já tinham sido abandonados no início da pandemia, e por animais de raça. No entanto, com o retorno das atividades presenciais, muitas não conseguiram se adaptar à rotina de cuidados e atenção que os animais demandam. Assim, consequentemente, começou uma avalanche de pessoas justificando a devolução dos animais abandonados, ou, simplesmente abandonando nas ruas, deixando as portas de casa abertas para que os próprios animais fugissem etc”, contou Cristiane Mendonça, fundadora da organização SOS Animal PE.
Do início do ano até agora, a Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais do Recife (SEDA) recebeu 814 registros de denúncias de abandono, agressões, privação de alimentos e água e, desses, em pelo menos 160 situações foram verificados indícios de maus-tratos. Entretanto, afirmou que desde 2013 não é realizado censo oficial da população animal de rua, "o que impede o município de atestar se houve aumento ou diminuição no quantitativo de animais vivendo em situação de vulnerabilidade em vias públicas".
Protetores relataram à coluna Meu Pet nunca terem visto tantos animais ao alento nas ruas do Grande Recife como agora. “Na rua onde moro, em Candeias, Jaboatão dos Guararapes, cuido de uma gatarrada há alguns anos. Fazia tempo que não apareciam novos por aqui, mas, do ano passado para cá, já abandonaram três filhotes e um adulto doente”, relatou a ativista Juliana Neves. Outra protetora, que preferiu não ser identificada, disse ter recebido 145 animais abandonados na capital pernambucana desde 2020. “A maioria chega com algum tipo de mazela, alguma doença ou infestado de parasitas, e são abandonados por não atenderem mais aos anseios da família”, afirmou.
Outro fator apontado como causa do abandono são as dificuldades financeiras, que, com o aumento do desemprego, ganhou ainda mais proporção no último ano. Entre fevereiro e julho de 2020, a taxa de população ocupada caiu quase 15%, com recuperação gradual em seguida. Segundo análise do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), a taxa de população ocupada (PO) caiu quase 15% entre fevereiro e julho de 2020, com recuperação bastante gradual em seguida. Na última leitura, relativa a julho de 2021, a o número ainda se encontrava 4,4% abaixo do nível pré-pandemia.
Foram várias as justificativas de dificuldades financeiras que a moradora de grupos de adoção Mariana Bezerra recebeu nesta pandemia. “Percebemos uma quantidade maior de pessoas querendo se desfazer de animais e até mesmo ameaçando jogá-los nas ruas por estarem desempregadas ou por ter morrido alguém da família que antes cuidava deles. Dizem que não podem mais pagar aluguel e que vão se mudar para casa de algum parente que não gosta de animais, ou até mesmo que estão passando fome, e que preferem doar do que vê-los também passar por necessidade. Algumas vezes eles estão com alguma doença e, ainda que o tratamento seja barato, por não terem condições de arcar, preferem que o animal seja cuidado do que fique sem assistência em casa”, relatou.
- Gatos podem ter acesso à rua ou devem ser mantidos em casa? Especialistas discutem maior das polêmicas entre gateiros
- Volta ao trabalho presencial: como evitar que os pets sofram com o fim do home office e mudança da rotina
- De cerveja a yakisoba e bolo de aniversário canino: conheça a culinária especializada em cachorros e gatos
- Com isolamento do Holiday, protetores de animais do Recife temem pelo futuro dos gatos que vivem no edifício
- Vai viajar de avião com seu pet? Confira dicas e normas para transporte de animais no Brasil
Ainda que o tutor considere válido o motivo para doar o animal para outra pessoa, a veterinária comportamental Aina Bosch explica como a separação afeta os pets. “Eles são seres sencientes, dotados de emoção, e criam vínculos conosco - da mesma forma que criamos com ele. É criado um vínculo afetivo que se compara sim ao de uma família. Para eles, vivenciar o abandono é altamente traumático. Eles perdem toda a referência que tinham de segurança do prover, o que causa muitos danos emocionais”, afirmou.
Por fim, vale lembrar que abandonar ou maltratar animais é crime previsto pela Lei Federal nº 9.605/98. Inclusive, em setembro de 2020, foi sancionada nova legislação que aumentou a pena de detenção que era de até um ano para até cinco anos para quem cometer este delito, com o processo passando por vara criminal, e não mais ao juizado especial. “No momento em que pego um animal e o levo para minha casa, assumo a responsabilidade de cuidar daquela vida, que é considerada hipervulnerável pela justiça. Então, se eu for encaminhá-lo para outro lugar, preciso garantir que ele vai estar em boas condições”, disse Aina.
Como denunciar abuso ou maus-tratos contra animais?
Você pode ir a delegacia de polícia mais próxima de você para efetuar a denúncia pessoalmente, pela central de denúncias do IBAMA: 0800 61 8080 (gratuitamente), ou pelo Disque-Denúncia. Os números para cada estado estão listados abaixo:
CENTRO-OESTE
MS – 197
GO – 197
DF – 197
SUDESTE
SP – 181
MG – 181
RJ – (21) 2253-1177 / 0300-253-1177 (Petrópolis)
SUL
PR – 181
SC – 181
RS – 181
NORDESTE
BA – 3235-000 (capital) / 181 (interior)
SE – 181
AL – 0800-2849390 Polícia Civil / (82) 3201-2000 P.M.
PE – (81) 3421-9595 (capital) / (81) 3719-4545 (interior)
PB – 197
RN – 0800-84-2999
CE – (85) 3488-7877
PI – 0800-280-5013
MA – 3233-5800 (capital) / 0300-313-5800 (interior)
TO – 0800-63-1190
NORTE
PA – (94) 3346-2250 / 181
AM – 0800-092-0500
RR – 0800-95-1000
AP – 0800-96-8080
AC – 181
RO – 0800-647-1016
Conhece alguma história curiosa sobre animais de estimação e quer vê-la publicada na Meu Pet? Envie sua sugestão para kgonzaga@jc.com.br