Coluna Mobilidade

Antes da falha humana, falhas técnicas teriam provocado o acidente do Metrô do Recife

Metroviários argumentam que a principal causa do acidente são as falhas do sistema de sinalização do sistema metroferroviário, que sofre um processo de sucateamento e descomando histórico

Roberta Soares Roberta Soares
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Roberta Soares
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Publicado em 07/05/2020 às 15:48 | Atualizado em 07/05/2020 às 19:07
Bruno Campos/JC Imagem
Relatório das primeiras investigações internas do acidente, divulgado pela TV Globo como oficiais, responsabiliza exclusivamente a maquinista pela colisão. Metroviários dizem que o objetivo é camuflar o sucateamento do sistema - FOTO: Bruno Campos/JC Imagem

POR ROBERTA SOARES, DA COLUNA MOBILIDADE

Embora as primeiras investigações administrativas sobre a colisão entre dois trens do Metrô do Recife - realizada internamente pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) no Recife e divulgadas na quarta-feira (6/5) pela TV Globo como sendo oficial - tenham apontado falha humana de uma maquinista, metroviários argumentam que a principal causa do acidente são as falhas do sistema de sinalização do sistema metroferroviário, que sofre um processo de sucateamento e descomando histórico. E que essa informação não foi considerada intencionalmente no relatório. Não que a maquinista esteja isenta de responsabilidade, mas ela teria sido levada ao erro devido aos problemas técnicos que, mais uma vez, estariam sendo abafados para não comprometer ainda mais a imagem de degradação do sistema, que vive à míngua de recursos e ignorado pelo orçamento federal. Ou seja, antes da falha humana, teria havido a falha técnica.

Para quem não recorda, o acidente entre os dois trens do Metrô do Recife aconteceu no dia 18 de fevereiro de 2020, na Estação Ipiranga, na Linha Centro, a maior e mais movimentada da rede, responsável por transportar 250 mil dos 400 mil passageiros diários do serviço metropolitano. Setenta pessoas, em média, saíram feridas na colisão e, por muita sorte, não houve mortes. Foi o primeiro acidente do tipo nos 35 anos de operação do metrô. Antes mesmo da conclusão do relatório já se especulava que a investigação culparia apenas a maquinista. Segundo metroviários, tendo à frente o sindicato da categoria - que por medo de possíveis represálias é o único que pode se posicionar publicamente -, há duas informações que precisam ser consideradas e que, pelo menos aparentemente, não foram levadas em conta pela equipe que fez a investigação interna sobre o acidente.



A primeira é um documento assinado por mais de 60 maquinistas e encaminhado à Superintendência de Trens Urbanos (STU-Recife) em dezembro de 2019, que aponta o excesso de falsas ocupações ao longo da Linha Centro do metrô. A falsa ocupação é quando, por falha no sistema de sinalização, o Centro de Controle Operacional (CCO) acredita haver um trem ou qualquer outro obstáculo num determinado ponto da via. No documento, é denunciado que os problemas passaram a ser esquecidos ou minimizados pela superintendência por serem tão comuns e estarem incorporados à rotina da operação. E que, diante da fragilidade das informações repassadas ao CCO e, por este, ao maquinista, a segurança da operação tem ficado quase que exclusivamente sob responsabilidade do condutor, o que é inadmissível em sistemas metroviários, onde a tecnologia é exigência primária, básica.

Falha técnica, seguida de falha humana. As prováveis causas da colisão entre trens do Metrô do Recife

Nunca antes na história do Metrô do Recife

 

Foto: Bruno Campos/JC Imagem
Dois trens colidiram em fevereiro de 2020 e deixaram 70 pessoas feridas. Por sorte, não houve mortes. Foi o primeiro acidente do tipo em 35 anos de Metrô do Recife - Foto: Bruno Campos/JC Imagem

 

DENÚNCIA DE PROBLEMAS NO SISTEMA FEITA POR MAQUINISTAS

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Relato de problemas recorrentes no Metrô do Recife denunciados pelos maquinistas - Divulgação

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Relato de problemas recorrentes no Metrô do Recife denunciados pelos maquinistas - Divulgação

No documento, inclusive, são citados alguns episódios ocorridos recentemente e provocados por "falsas" informações. Situações em que o controlador (CCO) autorizou o maquinista a seguir velocidade restrita e havia um trem alinhado na plataforma que não foi visto pelo Centro de Controle. “São problemas resultantes da ausência de investimento no sistema. O Metrô do Recife vive nessas condições e não é de hoje. É muito fácil apenas responsabilizar a maquinista, como se houve todas as condições corretas - não falo nem de ideais - para um sistema metroviário operar. O passageiro do metrô sabe do que eu estou falando. Dos longos intervalos, atrasos e lentidões verificadas em muitos trechos do sistema. Isso é resultante das falhas no sistema de sinalização”, alerta o presidente do Sindicato dos Metroviários de Pernambuco (SindMetro), Adalberto Ferreira. No relatório divulgado pela TV Globo é dito que a investigação constatou que o sistema de sinalização estava funcionando normalmente.

Foto: Bruno Campos/JC Imagem
Sistema sofre um histórico desmonte e vive com o pires na mão, dependendo do orçamento federal para cobrir mais de 80% do custo de operação - Foto: Bruno Campos/JC Imagem


PRESENÇA DE PESSOAS NA CABINE DO METRÔ

Outra informação da investigação que está sendo questionada é o fato de haver uma segunda pessoa na cabine do metrô, ao lado da maquinista, o que seria proibido. A maquinista pode, sim, ter se distraído com outro maquinista que estava no ambiente, mas é falsa a informação de que é proibido. Segundo o Procedimento de Operação Padrão (POP), número 073, de setembro de 2017 - o último a vigorar -, o acesso à cabine é restrito a alguns profissionais do sistema, entre eles o superintendente, gerentes, coordenadores e supervisores da operação, além de "empregados operativos do movimento durante o horário de trabalho e no percurso do trabalho (indo ou vindo)". Ou seja, maquinistas como a profissional que acompanhava a condutora no trem que colidiu com o que estava parado na Estação Ipiranga. “Por tudo isso vamos questionar oficialmente esse relatório. Aliás, ele nem deveria ter sido divulgado porque a maquinista envolvida sequer foi ouvida”, argumenta o presidente do SindMetro.

DOCUMENTOS QUE REGEM O ACESSO À CABINE DO METRÔ

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Regras para acesso à cabine no metrô do Recife - Divulgação
 

 

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Regras para acesso à cabine no metrô do Recife - Divulgação

 

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Regras para acesso à cabine no metrô do Recife - Divulgação


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Regras para acesso à cabine no metrô do Recife - Divulgação

 

Foto: Bruno Campos/JC Imagem
Metroviários argumentam que os problemas no sistema de sinalização são comuns e nada é feito para resolver o problema - Foto: Bruno Campos/JC Imagem

COMO O ACIDENTE TERIA ACONTECIDO

O resultado oficial da investigação interna da CBTU está para ser divulgado na segunda-feira (11/5), segundo informações do novo superintendente do Metrô do Recife, Carlos Fernando Ferreira. No entanto, a TV Globo teria tido acesso ao relatório. “Nem eu mesmo ainda tive acesso ao relatório, Por isso, não posso reconhecer as informações repassadas na reportagem”, afirmou. A investigação deverá resultar na abertura de um inquérito administrativo.

No documento de 22 páginas, segundo a emissora, é concluído que o erro teria sido apenas humano - da maquinista -, quando um trem bateu na traseira de outro que estava parado na Estação Ipiranga. A base da investigação são imagens das câmeras de segurança das estações e dos trens, além dos registros dos sistemas automáticos que controlam o metrô. A maquinista não foi ouvida nessa fase.

O documento apontaria que o trem 27 saiu da Estação Mangueira às 5h27, em direção à Estação Ipiranga. Assim que chegou à plataforma ficou parado porque havia um aviso no sistema de que outro trem estaria parado logo à frente. Às 5h32, o trem 30 - conduzido pela maquinista - saiu da Estação Mangueira em direção à Ipiranga. Como o trem 27 estava parado na plataforma, o sistema automático do metrô indicou que a maquinista deveria reduzir a velocidade para até 17 km/h, mas a condutora não teria obedecido - por estar distraída com uma outra maquinista que viajava na cabine ao seu lado.

A maquinista, então, teria mudado a chave de velocidade do trem para uma posição que permite que ele ande em até 40 km/h. E, segundo o laudo, teria feito a mudança sem comunicar ao CCO. A investigação aponta, ainda, que a maquinista demorou a apertar o freio de emergência, embora tivesse visibilidade para ver o segundo trem parado na estação. O freio só teria sido acionado quatro segundo antes do acidente, a uma distância de 34 metros da Estação Ipiranga.

Foto: Bruno Campos/JC Imagem
Acidente provocou desespero entre os passageiros que estavam nos trens - Foto: Bruno Campos/JC Imagem


Nos cálculos dos técnicos do metrô, se ela tivesse acionado o freio dez metros antes, poderia ter evitado o acidente. O único problema técnico apontado pelo relatório é um falso aviso de ocupação da via, porque não havia nenhum trem no caminho do veículo 27. Mesmo que esse problema seja frequente - como denunciam os metroviários -, a investigação teria chegado à conclusão de que ele não contribuiu para o acidente.

O relatório também teria concluído que o sistema de sinalização do metrô, entre as estações Mangueira e Ipiranga, estava funcionando normalmente, e que, com a visibilidade daquele dia, a maquinista poderia ter visto o trem parado mesmo a uma distância de 200 metros, só que, segundo o documento, ela estava distraída porque conversava com uma segunda maquinista, inclusive olhando para trás na cabine.

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