TRANSPORTE PÚBLICO

Todos os ônibus da Região Metropolitana do Recife voltarão a ter cobradores a partir de dezembro

Mesmo as linhas que ficaram sem o cobrador antes da pandemia porque tinham pouca circulação de dinheiro voltarão com os profissionais. A determinação fez parte da negociação para evitar a greve dos motoristas e cobradores

Roberta Soares
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Roberta Soares
Publicado em 24/11/2020 às 18:12 | Atualizado em 27/11/2020 às 17:58
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Cobrador em ônibus é "artigo de luxo": Apenas 18 do sistema do Grande Recife têm o profissional - FOTO: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

As 274 linhas de ônibus que atualmente operam sem cobrador na Região Metropolitana do Recife vão ter que voltar a ter o profissional a partir do dia 3 de dezembro. E as outras também não poderão perdê-los. Mesmo as linhas que ficaram sem o cobrador antes da pandemia porque tinham pouca circulação de dinheiro. A determinação fez parte da negociação para evitar a greve dos motoristas e cobradores, prevista para esta terça-feira (24/11), e foi publicada em portaria do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) no Diário Oficial do Estado.



Além da garantia formal, por escrito, de que a Lei 18.761/2020, que proíbe motoristas de acumularem a função de cobrador nos ônibus do Recife, será cumprida a partir do dia 3 e, também, em toda RMR, os rodoviários ainda conseguiram incluir essa exigência no pacote negociado com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Urbana-PE), diante do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do governo de Pernambuco. E, segundo o CTM, ela será cumprida à risca, sem questionamento.

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Cobradores de ônibus foram a categoria mais atingida nas demissões em massa. Na crise sanitária e por causa dela, a operação sem os profissionais foi ampliada de 50% para 70% - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


“Vamos sim. A portaria assinada pelo presidente do CTM e publicada no Diário Oficial do Estado desta terça-feira diz isso e, a partir de 3 de dezembro, iremos operacionalizar a mudança. Essa é a decisão e ela foi nossa, como forma de atender ao pedido dos rodoviários e evitar a greve. O governo entende que uma greve de ônibus neste momento não poderia acontecer e se empenhou, no que tinha autonomia, para evitá-la. Agora, teremos que operacionalizá-la e ver o custo financeiro que ela representará. Porque haverá um custo sim”, esclarece Roberto Campos, coordenador jurídico do Consórcio Grande Recife.

IMPACTOS
O custo do retorno dos cobradores em todas as linhas que operavam sem os profissionais equivale, segundo dados já divulgados pelo governo do Estado, a R$ 0,25 na tarifa do anel A. Valores calculados considerando os valores do último reajuste tarifário, no início de 2019. Essa economia a que se refere o Estado é a quantia que deixaria de ser repassada à passagem num próximo aumento. Se todo o Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP) deixasse de operar com cobradores essa economia seria, também segundo o governo, de R$ 0,60 na tarifa.

A publicação da portaria significa dizer que mais de 600 cobradores voltarão para os coletivos e que 2.416 motoristas deixarão de praticar a dupla função. Ou seja, receber dinheiro, passar troco e dirigir ao mesmo tempo. Os rodoviários, no entanto, contestam essa informação e dizem que serão, no mínimo, 2.500 cobradores de volta - número equivalente ao total de motoristas que hoje atuam na dupla função. Atualmente quase 70% do sistema opera sem cobrador. Os dados são do CTM, verificados até o dia 17/11. O processo de retirada dos cobradores já vinha sendo implementado no sistema desde 2015, mas foi interrompido pelo governador Paulo Câmara e, depois de retomado, liberado completamente entre junho e julho de 2020, em plena pandemia, numa tentativa de equilibrar financeiramente a operação.

Artes JC
Dupla Função - Artes JC

E, segundo Roberto Campos, todas as linhas do sistema, com exceção do BRT, terão que voltar a circular com cobradores, mesmo que o pagamento da tarifa em dinheiro seja baixíssimo. “Mesmo quando o pagamento com os cartões VEM for de 98%, por exemplo, teremos que ter o cobrador nos ônibus. Não temos o que fazer porque foi o acordado. Na próxima semana teremos uma reunião com o setor empresarial para acertar a operacionalização”, garantiu. A garantia da operação de todas as linhas com os cobradores foi decidida no fim da audiência mediada pelo TRT, obrigando o governo de Pernambuco a refazer o texto da portaria duas vezes. A princípio, ficaria decidido apenas que o cobrador atuaria nas linhas que tivessem pagamento da tarifa em dinheiro, mas os rodoviários insistiram que o texto fosse genérico e abrangente. Assim, o Parágrafo Único da Portaria Nº167/2020 ficou assim: “Em virtude disso, fica determinado que os veículos somente irão circular com a presença do cobrador no ônibus”.

Confira a Portaria Nº 167/2020 na íntegra:


INCONSTITUCIONALIDADE
Uma possibilidade que precisa ser considerada e começou a ser levantada é a legitimidade da nova lei, ou seja, a sua constitucionalidade. Há quem entenda que ela é inconstitucional porque trata de questões relacionadas ao direito do trabalho, que, pela Constituição Federal, apenas o Legislativo federal tem autonomia.

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Urbana-PE diz que, atualmente, quase 90% das tarifas são pagas de forma eletrônica, com os cartões VEM - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


Embora o PL 05/2019, de autoria do vereador Ivan Moraes (Psol) e que originou a lei que proíbe a dupla função, tenha tido um parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vereadores do Recife, PL semelhante de autoria da co-deputadas Juntas (PL 471/2019) foi rejeitado pela mesma comissão da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) no ano passado. E o argumento foi o mesmo: inconstitucionalidade porque invadia a esfera trabalhista.

Membro das comissões de Direito do Trabalho e de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/PE, e advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho, João Galambo entende que a lei é inconstitucional. “É inconstitucional porque os municípios não têm competência para legislar sobre direito do trabalho. É uma lei diferente, por exemplo, da lei que obrigou a refrigeração da frota de ônibus, algo que pode ser legislado pelo Estado ou município. Mas a dupla função, que trata do direito do trabalhador, tem que ser legislada pela União ou pelo Legislativo federal. O argumento é a falta de competência de quem a criou, não contra o objeto da lei”, explica.

OUTRAS CONQUISTAS
A negociação para evitar a greve foi além da dupla função. Os motoristas, cobradores e fiscais também conseguiram outros ganhos: um reajuste pelo índice acumulado do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 2,69% e uma estabilidade de emprego por seis meses. Para depois, a negociação de um possível reajuste no tíquete refeição. Também ficou acordado que a convenção coletiva da categoria do ano passado será prorrogada na íntegra, com a exclusão de apenas dois pontos: a autorização para a prática da dupla função e para o intervalo da intrajornada.

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Além da garantia formal, por escrito, de que a Lei 18.761/2020, que proíbe motoristas de acumularem a função de cobrador nos ônibus do Recife, será cumprida a partir do dia 3 e, também, em toda RMR, os rodoviários ainda conseguiram incluir essa exigência no pacote negociado - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

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