Recife, mesmo com a pandemia, é a capital mais congestionada do Brasil. De novo
Mesmo tendo melhorado de forma geral, segue sendo a capital brasileira que teve mais congestionamentos em 2021, deixando para trás até mesmo os verdadeiros monstros da mobilidade urbana do Brasil: as megacidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no Sudeste brasileiro, por exemplo
A pandemia de covid-19 melhorou o trânsito de uma forma geral. No Recife, no Brasil e no mundo. O salto da tecnologia e o avanço do home office mudaram a lógica dos deslocamentos e muita gente acredita que essa mudança será permanente. Mas isso não significa que os problemas foram resolvidos. Ao contrário, já ressurgem. Os níveis de congestionamento nas cidades estão voltando a crescer e as reduções verificadas em 2020 já foram engolidas pela volta à normalidade de 2021. Ganhamos apenas quando olhamos para 2019, na pré-pandemia.
Confira a série Trânsito travado:
Os bairros do Recife onde o trânsito é mais perigoso
Tecnologia fica a desejar na gestão do trânsito
Apesar dos problemas, gestão municipal tem resultados positivos
Aplicativos como aliados na gestão do trânsito nas cidades
E, nesse cenário, o Recife volta a se destacar negativamente. A mesma pesquisa da plataforma TomTom, empresa especializada em tecnologia de localização, que colocou o trânsito da cidade do Recife, em Pernambuco, como o pior do Brasil e um dos 15 piores do mundo, volta a apontar que o trânsito local tem desafios perenes e estruturais a serem enfrentados. Mesmo tendo melhorado de forma geral, segue sendo a capital brasileira que teve mais congestionamentos em 2021, deixando para trás até mesmo os verdadeiros monstros da mobilidade urbana do Brasil: as megacidades de São Paulo e Rio de Janeiro, no Sudeste brasileiro, por exemplo.
Essa realidade do Recife é o tema da segunda reportagem da série Trânsito travado, que o JC está publicando para discutir as dificuldades e perigos do trânsito, um sistema vivo, mutante, perigoso, e que exige investimentos permanentes.
RECIFENSE PERDEU O EQUIVALENTE A SEIS DIAS E OITO HORAS NO TRÂNSITO EM 2021
Não estranhe se você estiver com a impressão de que o trânsito está pior. Além da falta de costume - provocada especialmente pelo primeiro ano da pandemia, quando mais pessoas estavam trancadas em casa à espera da vacinação -, há uma sensação de que os horários de pico estão mais longos, espaçados. Você não é o único. O trânsito mudou de fato e a tecnologia dos aplicativos de mobilidade - que têm base na geolocalização - comprova essas mudanças.
Das nove capitais brasileiras que integram o ranking anual Traffic Index da TomTom em 2021, o Recife foi a que teve o pior desempenho no Brasil, mesmo com o País apresentando melhorias em relação à circulação de 2019. O recifense perdeu 92 horas no trânsito ao longo do ano. O nível de congestionamento na capital pernambucana foi de 40%, o que significa que, em média, os tempos de viagem foram 40% mais longos do que costumam ser sem retenções.
Na prática, é como se um percurso que, sem retenções, poderia ser feito em 30 minutos, mas levasse, na cidade, 12 minutos a mais. Isso tudo considerando que a retomada da rotina de mobilidade urbana do Recife ainda não voltou ao completamente normal. Ou seja, sob a ótica de futuro, o cenário das dificuldades de circulação será ainda pior.
Como já dissemos, quando é considerado o índice de tráfego da TomTom de 2019, o Recife, o Brasil e o mundo melhoraram. Mas essa melhoria está desaparecendo. Em relação a 2020, por exemplo, já é menor: em 2019, o nível médio de congestionamento da capital pernambucana foi de 50%, reduziu para 37% em 2020 e já subiu 3% em 2021, chegando à média de 40%.
E, como já é do conhecimento de quem vivencia o trânsito, o transtorno é maior nos horários de rush da manhã e noite, quando a grande maioria das pessoas está indo ou vindo das atividades de trabalho e educação, que respondem, juntas, por mais de 80% dos deslocamentos da população mundial.
Nesses horários, o recifense ou quem circula pelo sistema viário da capital - estima-se que 1,3 milhão de veículos, o que representa quase toda a frota veicular da Região Metropolitana - gastou 152 horas desnecessariamente ao volante no ano de 2021. Equivale a seis dias e oito horas perdidos no trânsito. Mas, ao mesmo tempo, um dia e 17 horas perdidas a menos do que em 2019, antes da pandemia de covid-19.
Mundialmente, o Recife foi a 24ª cidade com os piores congestionamentos no Traffic Index 2021. Melhorou em relação ao levantamento anual realizado em 2020, quando o trânsito da cidade, embora eleito mais uma vez o pior do Brasil, era um dos 15 piores do mundo.
“É impressionante, de fato, ver o Recife superar capitais como o Rio de Janeiro e São Paulo, que é uma cidade gigante, no ranking de congestionamentos. E vê-lo se manter nessa liderança também. Pelo que observamos em todos esses anos de Traffic Index, eu diria que a cidade tem problemas estruturais que precisam ser resolvidos, mas não a conheço. É importante ressaltar isso. Estou me guiando pelos resultados das avaliações”, afirma, delicadamente, Tiago Dantas Fernandes, gerente de desenvolvimento de parcerias da TomTom.
Fernandes, entretanto, pontua que o cenário provocado pela pandemia é semelhante na maioria das cidades. Ou seja, o Recife pode liderar no País, mas faz parte de uma situação verificada mundialmente. “Outras cidades tiveram o mesmo impacto. Os níveis de congestionamento reduziram em todas e, agora, voltam a subir. O trânsito reduziu quando comparamos 2020 com 2019, mas em 2021 vem crescendo. E acreditamos que esse cenário permaneça mundialmente porque o comportamento das pessoas mudou bastante. A melhoria, mesmo que pequena, deve permanecer. Muitas empresas adotaram o home office, fazendo o trânsito ficar mais flexível e com o horário de pico alterado. Isso impactou também no transporte público”, diz.
Das 404 cidades mapeadas no Traffic Index, 283 ainda mostraram redução dos congestionamentos em 2021, em relação a 2019. A maioria está com trânsito menor que a pré-pandemia, mas 127 já voltaram à normalidade. “Isso mostra que só a restrição da pandemia não incomoda. Assim como a inflação e a crise econômica. Houve a mudança cultural da sociedade”, alerta Tiago Dantas Fernandes.
Confira a pesquisa na íntegra Aqui
No Traffic Index 2021, a TomTom destaca que é essa mudança cultural que planejadores urbanos precisam aproveitar para promover avanços essenciais na mobilidade urbana das cidades. Aponta que a criação de zonas de baixa emissão, bairros de baixo tráfego e boa infraestrutura ciclável estão provando ter um efeito positivo nas cidades.
Esse é o desafio porque as análises mostram que o mundo está favorecendo mais o transporte privado do que antes, e que a densidade do tráfego está se espalhando ao longo do dia. Por isso, é preciso buscar impactos positivos no congestionamento e nas emissões.
PONDERAÇÕES À METODOLOGIA
É claro que ponderações sobre a pesquisa e a metodologia dos dados levantados pela TomTom precisam ser feitas. E a Prefeitura do Recife as fez. Por nota, pontuou que o trânsito do Recife é feito com políticas públicas de mobilidade focadas no deslocamento de pessoas e não apenas de carros.
Mas é preciso considerar que são informações lidas a partir de 600 milhões de dispositivos de motoristas que utilizam o sistema de navegação da empresa holandesa. A TomTom está em 400 cidades de 58 países. O Traffic Index analisa o trânsito das cidades de acordo com o tempo médio adicionado a uma viagem e também inclui informações sobre quanto tempo os motoristas desperdiçam nos engarrafamentos.
Confira a resposta da CTTU na íntegra:
“A CTTU informa que o trânsito do Recife é feito com políticas públicas de mobilidade focadas no deslocamento de pessoas e não apenas de carros. Observa-se, ao longo dos últimos anos, um avanço na implantação de corredores exclusivos, ampliação da malha cicloviária e espaços para pedestres, facilitando o deslocamento da maioria das pessoas e a segurança viária. Calcula-se, por exemplo, que mais de 1 milhão de pessoas são beneficiadas com as Faixas Azuis, que garantem uma melhoria de até 118% na velocidade dos transportes públicos, tornando a mobilidade de quem utiliza os ônibus mais rápida. Atualmente, o Recife conta com 64 km de corredores exclusivos de ônibus.
O aumento das rotas cicláveis também foi decisivo na última década. Atualmente, o Recife conta com 164 km de rotas cicláveis, o que representa um aumento de mais de 580% desde 2013, quando havia apenas 24 km. O Recife está entre as capitais com a rede cicloviária mais acessível, ou seja, com estrutura cicloviária a menos de 300 metros da população. Os pedestres também têm protagonismo na política de mobilidade do Recife. Apenas em ampliação de áreas com urbanismo tático, os pedestres ganharam mais de 13 mil m² entre 2019 e 2022. O Recife foi uma das cinco cidades que alcançaram a meta da ONU para reduzir em mais de 50% as mortes no trânsito entre 2010 e 2020”.
ALGUMAS CONCLUSÕES PARA REFLEXÃO:
* O trânsito começou a voltar às ruas de uma forma diferente. Duas coisas parecem ter acontecido: o transporte privado está sendo mais favorecido agora do que antes, e a densidade do tráfego está se espalhando ao longo do dia.
* Por causa da pandemia, o transporte público perdeu o fascínio, já que muitas pessoas optaram por formas de deslocamento socialmente distanciadas.
* Muitas pessoas parecem preferir os próprios carros ao transporte público, provavelmente por sua relativa segurança e isolamento durante a pandemia.
* Em 2020, os especialistas da TomTom previram o fim da hora do rush como era conhecido. E a previsão parece estar se sustentando até agora. Em mais de um terço das cidades do mundo, os níveis de tráfego nos horários de pico diminuíram ou mudaram em comparação com os tempos pré-pandemia. O TomTom Traffic Index diz que em 158 das 404 cidades monitoradas, o tráfego nos horários de pico mudou ou diminuiu.
* E o futuro, como será? É consenso que, mesmo com a volta dos congestionamentos às cidades no pós-pandemia, a solução não é construir mais estradas. Elas vão apenas ser um caminho para aumentá-lo.
O futuro é criar zonas de baixa emissão, bairros de baixo tráfego e infraestrutura ciclável melhorada. Ciclismo, transporte público e outros modos de transporte devem ter um compartilhamento maior no transporte.