Mutilados: sobreviventes sofrem e têm reabilitação lenta
O impacto das vítimas que não morrem no trânsito sob o olhar de quem atende, cuida e reabilita
A conta dos mutilados no trânsito brasileiro é paga por toda a sociedade, isso é fato. Mas são os profissionais de saúde que carregam o fardo da reabilitação dessas vítimas. Um trabalho muito doloroso e prolongado. Que pesa.
“O peso é muito grande. Um custo que chega a casa dos trilhões quando se considera desde o resgate pré-hospitalar, o atendimento no hospital até o processo de reabilitação. Depois, o custo com os pagamentos do DPVAT, dos auxílios e aposentadorias pelo INSS”, avalia Vincenzo Giordano, médico e presidente da Sociedade Brasileira de Trauma Ortopédico.
“Os sobreviventes do trânsito são pacientes politraumatizados, que precisam de tratamento multidisciplinar, que têm muitas fraturas, traumas cranianos. Que passam longos períodos em UTIs e têm vários retornos ao bloco cirúrgico”, segue ensinando com a experiência de ortopedista e cirurgião de trauma.
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“Também têm mais complicações e, por isso, mais internações. Costumam ter muitas lesões abdominais, com risco maior de infecções, traumas neurológicos e, por tudo isso, mais cheios de percalços. Têm um desfecho funcional pior do que outros pacientes”, alerta.
REABILITAÇÃO LENTA E CARA
Vencido o tratamento imediato, o sobrevivente do trânsito entra na fase da reabilitação, quase sempre prolongada. E, com ela, sente o peso do aspecto social e suas consequências.
“Estamos falando de pacientes que são completamente alijados da sociedade. Muitos não conseguem retornar à atividade profissional, entram em depressão, não querem voltar. Outros, até poderiam ser readaptados, mas as esferas governamentais não têm estrutura, assim como os peritos não têm conhecimento técnico para readaptá-los”, finaliza o médico.
Na maioria dos casos, a reabilitação pode levar muitos meses. Segundo a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), entidade atuante nacionalmente na recuperação de sequelas não só de crianças, mas também de adultos, 24 meses é o tempo médio de duração das terapias.
E para se ter ideia do impacto que o trânsito representa, 32,5% dos atendimentos da AACD se enquadram nas linhas de cuidado que podem guardar relação com sinistros de trânsito.
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São elas: lesões encefálicas adquiridas adultos (16%), amputações (10%), lesões medulares (4,5%) e lesões encefálicas adquiridas infantis (2%). A entidade realiza, por ano, quase 500 mil atendimentos (dados de 2021), dos quais 56% são infantis e 44% são de adultos.
O alerta é feito pela médica Alice Rosa, superintendente clínica da AACD. “As sequelas do trânsito são, de fato, predominantes. Nas lesões encefálicas, por exemplo, o trauma de crânio é a segunda causa, perdendo apenas para o AVC”, afirma.
E a maioria dos traumas de crânio são provocados por sinistros com motocicletas, especialmente entre jovens. “Por isso, a educação é tão importante. Conscientizar a população e, principalmente, os motociclistas. Veja o exemplo das lesões de medula, que eram muito comuns e deixaram de ser com o uso massivo do cinto de segurança nos veículos”, compara a médica.