O trânsito que fere, mutila e mata custa caro. Aliás, muito caro. E quando o recorte é sobre os sobreviventes - as 200 mil pessoas que, todos os anos, se incorporam à lista dos que têm sequelas permanentes provocadas por colisões e atropelamentos -, essa conta é ainda maior e muito mais longa.
Na verdade, vitalícia, já que os auxílios e aposentadorias por invalidez permanentes são para toda a vida. E é uma conta paga por toda a sociedade, usuária ou não de um veículo motorizado, por exemplo.
Além de destruir sonhos e projetos, e de testar a esperança na vida das vítimas, de seus familiares e amigos, os ferimentos e as sequelas do trânsito exigem um grande volume de recursos da saúde e da previdência social públicas.
A conta dessas mutilações - a grande maioria evitáveis - é o tema final da série de reportagens Mutilados - as verdadeiras vítimas do trânsito.
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O estrago é grande, muito grande. A leitura de quem socorre, atende e reabilita, base da segunda e última parte desta reportagem, é de que a destruição é ainda maior do que a provocada pelas mortes.
Os sobreviventes dos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se diz. Entenda) são um desafio permanente. Não só para si mesmos e suas famílias, mas para toda a sociedade porque geram um custo social permanente.
As estatísticas mostram que, por ano, uma média de 200 mil pessoas têm sequelas permanentes no Brasil. Uma população que se soma a do ano anterior, e assim por diante. A grande maioria, inclusive, sem retorno ao mercado de trabalho, por exemplo, para o resto da vida.
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Pelos números do DPVAT, o seguro das vítimas do trânsito no Brasil, foram mais de 230 mil pedidos de indenização por morte e invalidez feitos no País entre janeiro de 2021 e 15 de julho de 2022. Os dados são da Caixa Econômica Federal (CEF), que desde 2021 passou a gerir o DPVAT.
O somatório dessas indenizações representaram quase R$ 1 bilhão somente em um ano e meio (R$ 896,4 milhões). E mais da metade do valor, R$ 498,5 milhões, foram com indenizações por invalidez permanente.
Foram 205,5 mil vítimas e beneficiários do DPVAT, sendo 133.231 pedidos de indenização por invalidez permanente, 45.336 pedidos de indenização de despesas médicas e suplementares (DAMS) - no valor de R$ 38,3 milhões -, e 52.737 pedidos de indenização por morte, no valor de R$ 359,6 milhões.
E, desse total, 30,6% dos pedidos de indenização foram feitos para a Região Nordeste. Pernambuco ficou com 5,3% da quantidade de pedidos de indenização.
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“A indenização por invalidez permanente é muito mais danosa do que as de morte por várias razões. A invalidez impacta o invalidado e, sempre, um membro da família para cuidar dele. Essa pessoa às vezes abandona o emprego. Esse é o lado mais perverso”, destaca Carlos Valle, presidente do Sindicato dos Corretores e Empresas Corretoras de Seguro (Sincor).
“As indenizações por invalidez permanente representam cinco vezes mais as pagas por morte no trânsito. O atendimento à vítima, imediato, já é grande, mas o atendimento continuado é uma despesa a mais para o INSS. É algo que fica para a vida inteira. Um custo para a sociedade que recai sobre todos”, reforça.
NÚMERO AINDA MAIOR DE MUTILADOS
Considerando os dados do IBGE, a partir da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, o estrago é ainda maior. Seriam 579 mil pessoas com sequelas físicas permanentes em decorrência de sinistros de trânsito naquele ano.
Trânsito brasileiro mata demais, mutila e custa muito caro
Ainda em 2019, o trânsito, também segundo o IBGE, teria provocado lesões em 3,9
milhões de brasileiros. E, desse total, 60,6% receberam algum tipo de assistência de saúde e, desses, 15% tiveram sequelas físicas permanentes.
CUSTO PARA A SAÚDE PÚBLICA
Ao lado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a saúde pública do Brasil é quem arca com o principal custos dos sobreviventes do trânsito. E, diferentemente do INSS, cuja assessoria de comunicação argumentou não ter como fazer o recorte dos auxílios acidente e aposentadorias por invalidez permanente relacionados ao trânsito, na saúde essa conta é feita ano a ano.
E é uma conta alta. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), numa parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) da ONU, divulgado ainda em 2020 e que virou referência nacional no setor, apontou que as colisões, mortes, socorro e tratamento às vítimas do trânsito geram um custo anual ao Brasil de R$ 132 bilhões.
Em onze anos, esse custo somou R$ 1,5 trilhão ao País. Somente em Pernambuco, as vítimas do trânsito - considerando todas as pessoas atendidas nas unidades de saúde - custam, em média, R$ 6 bilhões.
E somente os sobreviventes de sinistros com motocicletas respondem por metade dessa quantia, que representa 4,8% do gasto nacional da saúde pública.
IMPACTOS DOS MUTILADOS
Paulo Pêgas, diretor-presidente do Instituto Zero Mortes, que luta por mais segurança no trânsito brasileiro e pesquisador-autor do estudo do Ipea, lembra que são muitos os impactos econômicos e sociais da invalidez permanente que não são considerados.
“Se a vítima for um pai de família, a perda econômica da família é certa. Não só pela redução de renda, mas também pela espera por um auxílio ou aposentadoria por invalidez”, explica.
“Outro aspecto é a necessidade de equipamentos para a reabilitação da vítima e a adaptação da residência, já que a maioria das casas não está adaptada. A mobilidade interna é um problema e a externa é outro ainda maior porque faltam calçadas e transporte acessíveis”, segue alertando.
“O custo para a saúde pública e a previdência é mais um aspecto importantíssimo. Os sobreviventes do trânsito ocupam leitos por muito mais tempo, em média 92 dias. Muitas vezes, a pensão é para a vítima e o cuidador, como acontece nos casos de tetraplegia e paralisia cerebral. Além disso, o número de vítimas é acumulativo ano a ano”, alerta.
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