COLUNA MOBILIDADE

Afogamento no Túnel do Jordão: não, a culpa não pode ser apenas da condutora que se arriscou na travessia

Diante do risco e do histórico do equipamento, com problemas de inundações e até estruturais desde que foi construído, há dez anos, o poder público não poderia ter deixado o equipamento sem uma vigilância permanente

Roberta Soares
Cadastrado por
Roberta Soares
Publicado em 03/08/2022 às 17:10 | Atualizado em 03/08/2022 às 17:41
JOSÉ MARTINS/JC IMAGEM
Toda a operação e manutenção do Túnel do Jordão são feitas pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Pernambuco (DER-PE) - FOTO: JOSÉ MARTINS/JC IMAGEM
Leitura:

Um leitor da Coluna Mobilidade afirmou sobre o triste episódio em que uma condutora de 81 anos morreu afogada ao tentar realizar a travessia pelo Túnel Felipe Salgado, mais conhecido como Túnel do Jordão, na Zona Sul do Recife: “Não era para alagar, não era para alguém tentar passar num túnel alagado, era para a autoridade de trânsito ter alguém lá para impedir a tentativa. E não era nem pra existir um túnel desses no meio da cidade”.

As afirmações do leitor, por mais que tenha exageros e desagrade a muita gente, têm verdades que precisam ser consideradas. Que a condutora do Honda Fit, por razões que ainda não são conhecidas (e provavelmente nunca serão), foi imprudente ao tentar fazer a travessia do Túnel do Jordão, é fato.

Se conhecia o percurso e o risco que o equipamento sempre representou em épocas de chuvas, não deveria ter entrado. E, se não conhecia, os motivos eram ainda maiores para não ter forçado a passagem.

Mas também é verdade o que o leitor afirma: diante do risco e do histórico do Túnel do Jordão, o poder público não poderia ter deixado o equipamento sem uma vigilância permanente.

E, nesse caso, a responsabilidade deve ser dividida entre o governo de Pernambuco, via Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE) - órgão que construiu, que opera e que mantém o túnel - e a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), responsável pela circulação nas vias da cidade e, portanto, a quem cabe bloquear o acesso.

Um outro leitor afirmou à Coluna Mobilidade que no domingo tentou fazer a travessia pelo equipamento e, com facilidade, furou o "bloqueio" do poder público, feito com cavaletes. Não forçou a travessia porque estava com a família e percebeu o risco.

Caso contrário, não haveria ninguém que o impedisse de se arriscar.

DIVULGAÇÃO
Entidades defendem que o alagamento do túnel, desta vez fatal, é considerado inadmissível na engenharia civil e em pleno século 21, com a tecnologia guiando a vida das pessoas - DIVULGAÇÃO

Infelizmente, como tem sido comum nas relações com o poder público, estadual, federal e municipais, as respostas limitam-se a notas oficiais que quase sempre deixam diversos questionamentos no ar.

A desculpa sobre o Túnel do Jordão que não é mais aceita

O posicionamento oficial do governo de Pernambuco informando que o Túnel do Jordão está alagado porque o vandalismo e furto impediram o escoamento da água é um argumento que não é mais aceitável.

É algo considerado inadmissível na engenharia civil e em pleno Século 21, com a tecnologia guiando a vida das pessoas. Ainda mais num equipamento que tem problemas básicos, frequentes há dez anos, como é o caso do Túnel do Jordão. 

O alerta é feito pela Associação Brasileira de Engenheiros Civis (ABENC).

“Não se pode aceitar esse tipo de situação. Um equipamento como esse não pode passar dez anos alagado quando chove. É preciso que o sistema de escoamento funcione”, alerta Stênio Cuentro, presidente da ABENC.

“Um problema desses uma vez, tudo bem. Mas é preciso resolver. Essa desculpa só vale uma vez. Hoje em dia você embute os cabos, fazendo o chamado envelopamento de concreto dos cabos e da bomba. E ainda usa um dispositivo que alerta no próprio celular toda vez que a bomba parar. Esse alerta vai para uma central de monitoramento”, explica.

A solução, que poderia ter evitado a morte da condutora, representa um investimento de R$320 mil.

CONFIRA o que disse o DER-PE:

“O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) lamenta o acidente ocorrido na manhã desta quarta-feira (03) e informa que, desde o final de julho, a circulação de veículos no Túnel Felipe Camarão precisou ser interrompida por uma ação de vandalismo que atingiu todo o sistema elétrico e as bombas hidráulicas responsáveis por drenar as águas pluviais das pistas do túnel, no bairro do Jordão.

Com isso, o tráfego foi desviado para rotas alternativas. Agentes de trânsito auxiliaram orientando os motoristas nas vias de acesso ao equipamento, que estava devidamente sinalizado indicando sua interdição.

JOSÉ MARTINS/JC IMAGEM
Diante do que encontrou, a perícia concluiu que não houve um sinistro de trânsito, como um capotamento. O carro teria boiado com a quantidade de água e tombado pela lateral - JOSÉ MARTINS/JC IMAGEM
JOSÉ MARTINS/JC IMAGEM
O IC também confirmou no fim da manhã desta quarta que a causa da morte da mulher foi afogamento. O local também estaria descaracterizado porque os bombeiros precisaram resgatar o corpo - JOSÉ MARTINS/JC IMAGEM

Em decorrência dos atos recorrentes de furto e vandalismo, ocorridos em junho e julho, o DER registrou quatro boletins de ocorrência junto à Polícia Civil e instalou câmeras de monitoramento.

O órgão informa ainda que foi preciso elaborar um novo projeto de restauração do sistema de drenagem e está providenciando a aquisição dos equipamentos necessários para restabelecer o funcionamento das bombas do Túnel. O investimento necessário será de R$ 320 mil”.

CONFIRA o que disse a CTTU/Recife

"A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) informa que mantém monitoramento e sinalização com cavaletes no Túnel Felipe Camarão, no bairro do Jordão, durante os momentos de chuva, quando a área precisa ser interditada.

As ações da CTTU, no entanto, atuam de forma a apoiar a operação do Departamento de Estradas e Rodagens (DER), órgão responsável pela área do Túnel. A CTTU avisou à população acerca da interdição em tweet publicado às 6h59 de hoje, bem como o assunto foi veiculado em meios de comunicação de amplo alcance".

GLEYDSON XAVIER/JC IMAGEM
Toda a operação e manutenção da Estrada da Batalha é feita pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Pernambuco (DER-PE). A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) cuida da circulação no equipamento e é o órgão que garantiu ter isolado a área a partir das 6h59 desta quarta-feira - GLEYDSON XAVIER/JC IMAGEM

Responsabilidade sobre o Túnel do Jordão

O Túnel do Jordão tem dez anos de construído e já teve outros problemas estruturais, como a falha de execução da laje superior que provocou a interdição por meses. O equipamento fez parte das obras de triplicação da Estrada da Batalha, executada em 2012 pelo governo de Pernambuco.

Para quem não sabe, o Túnel do Jordão é fundamental para a conexão da periferia da Zona Sul do Recife com a PE-08, a Estrada da Batalha, ligando o Recife a Jaboatão dos Guararapes. A Estrada da Batalha é um importante corredor que dá acesso à BR-101, na saída sul do Grande Recife.

Toda a operação e manutenção do Túnel do Jordão, assim como da Estrada da Batalha, são feitas pelo DER-PE. A CTTU/Recife cuida da circulação no equipamento e é o órgão que garantiu ter isolado a área a partir das 6h59 desta quarta-feira, quase duas horas antes do afogamento.

Comentários

Últimas notícias