Os desafios da mobilidade urbana nas cidades são permanentes e muitos. Aumentam e mudam a cada instante, assim como a própria mobilidade. Cada vez mais as pessoas precisam ir e vir, e para isso buscam formas fáceis, confortáveis, inteligentes, sustentáveis e, dentro do possível, rápidas para se deslocar. Por isso o desafio é tão grande.
Na tentativa de colaborar com mudanças desejadas há muitos e muitos anos pela população que, de carro, ônibus, motocicleta, bicicleta ou a pé, precisa e quer se deslocar pelas cidades, o JC aborda os desafios que Pernambuco terá de enfrentar na mobilidade urbana e na infraestrutura.
O objetivo é abrir a mente do futuro governador do Estado de Pernambuco - eleito este ano - e de sua equipe de planejamento para um tema tão urgente, necessário e ainda muito esquecido pelas gestões públicas.
Atrair as gestões municipais do Grande Recife, principalmente a capital, é tarefa inadiável para o futuro governador. Até hoje isso não aconteceu
Pernambuco se diferencia do resto do País quando o tema é a gestão do transporte público coletivo porque o principal sistema de ônibus do Estado - o Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP) - é integrado entre todas as 14 cidades da Região Metropolitana do Recife.
Assim, o sistema de ônibus é gerido pelo governo do Estado. Ou seja, é e continuará sendo responsabilidade do futuro governador de Pernambuco. E, talvez, uma das maiores da gestão.
O STPP é um poço de problemas, literalmente, assim como são todos os sistemas de transporte público coletivo do País, com pouquíssimas exceções. Num Brasil que ainda vive de costas para os modais coletivos, o maior desafio passa por conseguir equilibrar receita e custo de operação.
Ou seja, dinheiro para ofertar um transporte público amplo, pontual, confortável e acessível financeiramente para uma população que nunca esteve tão pobre.
Vale lembrar que a fome cresceu em todo o País e Pernambuco foi apontado como o quarto Estado brasileiro onde mais da metade dos moradores sobrevivem com uma renda familiar inferior a R$ 500 por mês.
Estamos falando de um sistema que movimenta R$ 1 bilhão por ano e que tem na tarifa paga pelo passageiro a principal fonte de renda. Uma realidade que fragiliza ainda mais o sistema e que gera ainda mais injustiça social.
Principalmente diante da perda de demanda histórica, potencializada com a pandemia de covid-19, que levou 40% dos passageiros, sem perspectiva de retorno. Subsídios públicos ainda são muito poucos - entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões por ano.
Antes de entrar nos detalhes dos desafios, é importante dar um rápido diagnóstico da realidade da Região Metropolitana do Recife, a partir de dados do ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento).
Analisando a divisão modal das regiões metropolitanas do País, que é a participação percentual de cada modo de transporte no conjunto de viagens realizadas a pé, de bicicleta, de transporte público e de transporte individual, o ITDP aponta que 42% da população usam o transporte coletivo, 38% andam a pé, 17% o carro e 2% usam a bicicleta.
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Ou seja, o transporte público é o que faz o Brasil se mexer. Mas o mesmo levantamento apontou que boa parte das pessoas não têm acesso fácil a esse transporte. O percentual da população próxima às estações de média e alta capacidade (PNT, do inglês people near transit) está em queda.
CONHEÇA A PLATAFORMA MOBILIDADOS DO ITDP
Era de 14% na RMR em 2019, e caiu para 13% em 2020 , e mais uma vez caiu para 11% em 2021. Além disso, esse deslocamento ainda é massacrante - o tempo médio entre o domicílio e o local de trabalho era de 38 minutos. Mas em geral ultrapassa uma hora.
Para melhorar o transporte público da Região Metropolitana do Recife é preciso deixar claro, principalmente na prática, que o sistema é um problema de todos os gestores públicos, especialmente da Prefeitura do Recife. Esse, talvez, seja o maior desafio do futuro governador do Estado.
Quem aponta é o consultor de transportes Germano Travassos, profundo conhecedor do sistema metropolitano. “A gente tem um consórcio público - o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) - extremamente potente para gerir serviços. Fizemos uma modelagem onde o Recife não perdia autonomia e o Estado só decidia junto com a capital. Mas o Recife nunca aderiu de verdade”, diz.
“É preciso compartilhar responsabilidades, inclusive e, principalmente, financeiras. Assim, o transporte terá uma capacidade maior de conquistar recursos e financiamentos. O futuro governador tem esse desafio. Assim, quando for a Brasília em busca de recursos, irá com o prefeito do Recife do lado”, reforça.
A participação de outros municípios da RMR também é importante, mas não se compara ao efetivo envolvimento do Recife. “As outras cidades têm um número pequeno de linhas metropolitanas, ou seja, geridas pelo Estado. A maioria tem sistemas municipais. É o caso de Jaboatão dos Guararapes e Paulista, por exemplo, que nunca aderiram ao Consórcio”, explica Germano Travassos.
“O desafio do próximo governador é conseguir levar o Recife para dentro do Consórcio de fato, fazê-lo compartilhar responsabilidade, inclusive financeira. É preciso entender que o transporte público é responsabilidade do município. Veja que o Brasil só tem três sistemas com gestão estadual: Recife, Vitória (ES) e Goiânia (GO)”, reforça.
A rotina do engenheiro civil Rômulo de Carvalho, 27 anos, retrata como ninguém as mudanças necessárias que o futuro governador de Pernambuco terá que promover na mobilidade urbana.
Diariamente, o jovem gasta pelo menos cinco horas para ir e voltar do trabalho. Há dias em que esse tempo pode ser ainda maior: três horas em cada percurso. Reside em Marcos Freire, em Jaboatão dos Guararapes, e trabalha em Casa Forte, na Zona Norte do Recife.
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São três viagens de ônibus e uma de metrô na ida e outras três de ônibus na volta. O sacrifício diário de Rômulo é o mesmo de muitos trabalhadores do Grande Recife, que dependem do transporte público gerido pelo governo do Estado. Perde de duas a três horas para fazer um trajeto de 20 quilômetros.
“É bem cansativo. Eu pego três ônibus e um metrô. Pego o ônibus lotado e levo mais ou menos 2h30 para chegar ao meu destino final. Faço várias integrações. Isso é um tempo que é perdido, que eu poderia aproveitar de outras formas. São 2h30 para ir e 2h30 para voltar. Cinco horas que eu perco por dia com deslocamento. Um tempo que poderia aproveitar para fazer outras atividades. Estudar, trabalhar”, afirma o jovem.
"A mobilidade poderia ser melhorada. No meu bairro temos uma linha de VLT, porém não compensa pegar porque o intervalo é muito grande. Ele leva duas horas para passar. Se esse intervalo fosse reduzido, eu chegaria bem mais rápido na estação de Cajueiro Seco”.
“Se houvesse uma duplicação do trilho do VLT e ele funcionasse numa velocidade próximo a do metrô, eu levaria 20 minutos para chegar à estação de Cajueiro, o que faço em 40 minutos”.
“Também poderia melhorar a distribuição de modais. Se tivesse uma ciclovia que ligasse o meu bairro até o metrô facilitaria bastante a mobilidade”, sugere ao futuro governador.
Como não poderia ser diferente - até pela urgência do tema, que amadurece a cada ano -, o financiamento público e social do transporte coletivo é mais um desafio para o futuro governador de Pernambuco. E um dos grandes.
“É preciso outras fontes de recurso que não sejam apenas a tarifa paga pelo passageiro. E que elas sejam permanentes, previstas no orçamento do Estado e dos municípios. O subsídio é necessário e a grande discussão é como viabilizar essas novas fontes. O que passa por decisões corajosas”, diz o consultor.
“Aumentar o IPVA e destinar 5% para o transporte público é uma opção. Por que o faturamento da Zona Azul vai para a CTTU? Por que não pode ir para o transporte público? Por que não equalizar o preço dos estacionamentos na cidade? Você paga no mínimo R$ 10 num estacionamento privado, mas paga R$ 3 para deixar o veículo na rua?”, indaga.
Quem opera o sistema de transporte também defende a destinação de mais recursos para o sistema. “Só assim conseguiremos uma tarifa socialmente justa. O automóvel precisa financiar o transporte público, seja através do combustível, de taxas, do pedágio urbano”, afirma Marcelo Bandeira de Mello, do Conselho de Inovação da NTU - Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos.
“Só assim vamos conseguir tornar o transporte público atrativo. Para que as pessoas deixem vão para ele no lugar de optar pelo carro, a motocicleta e os aplicativos”, avalia Marcelo Bandeira, que também é diretor de Inovação da Urbana-PE, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco.
“Além disso, investir no transporte público é reduzir os custos com a saúde. Pernambuco tem um custo anual de R$ 6 bilhões com as vítimas do trânsito e metade desse custo é com vítimas das motocicletas, por exemplo. Enquanto que as vítimas dos ônibus custam R$ 28 milhões”, compara.
Na marra, devido à perda de passageiros e obrigado a equilibrar os contratos das duas concessões de transporte - os Consórcios Conorte e MobiBrasil -, o governo de Pernambuco passou a transferir subsídios públicos para o sistema de ônibus.
Mas o valor ainda é baixo quando comparado com outros sistemas brasileiros e, principalmente, mundiais: entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões por ano. “O custeio ainda é muito pouco. Enquanto muitos sistemas têm subsídios entre 40% e 60% do custo da operação para evitar transferi-lo para a tarifa paga pelo passageiro, em Pernambuco não passa de 10%”, segue Marcelo Bandeira.