MOBILIDADE URBANA

UM ANO DE RAQUEL LYRA: governo de Pernambuco patinou no transporte público em 2023

Em três reportagens, o JC aborda os desafios e o que melhorou na mobilidade urbana do Estado nesse primeiro ano de governo Raquel Lyra

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Roberta Soares

Publicado em 31/12/2023 às 8:10
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O transporte público da Região Metropolitana do Recife, gerido pelo governo de Pernambuco, patinou em 2023. Não teve nenhum protagonismo no primeiro ano da governadora Raquel Lyra (PSDB).

Embora não tenha dado aumento das passagens para o transporte por ônibus do Grande Recife no início do ano - já o sistema intermunicipal teve reajuste de 7,24% em julho -, o Estado cortou serviço e não avançou em projetos importantes do setor, como a licitação do restante das linhas de ônibus e o controle financeiro do sistema como determinado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE).

“Infelizmente, essa é a verdade. O governo não fez nada para o transporte público da RMR. Esqueceu o assunto. Não houve uma ação concreta. O CTM (Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano) não fez nada, nada. Não mexeu na evasão de receita, no modelo de compensação e, por isso, o déficit da operação segue, com o governo dando continuidade à antecipação da compra do vale-transporte”, analisa um técnico em reserva.

Uma prova dessa falta de prioridade ao transporte coletivo é o fato de o Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM), colegiado que deveria validar todas as principais mudanças no transporte do Grande Recife, não ter realizado uma reunião sequer em 2023. Fato inédito em 20 anos de criação do conselho.

A mesma leitura de abandono valeria para o transporte intermunicipal, que atende ao interior do Estado, entre a Zona da Mata e o Sertão pernambucanos. A EPTI (Empresa Pernambucana de Transporte Intermunicipal) segue com diversas funções sem nomeação, fazendo com que o governo esteja completamente ausente na fiscalização do serviço.

GOVERNO AINDA NÃO PERCEBEU A IMPORTÂNCIA DO TRANSPORTE PÚBLICO

Guga Matos/JC Imagem
Estações do sistema BRT seguem quentes e sem perspectiva de voltarem a ser refrigeradas - Guga Matos/JC Imagem

Um outro técnico ouvido pelo JC, também em reserva, analisa que a gestão Raquel Lyra ainda não tem consciência da importância e do potencial do CTM para gestão do Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP/RMR). “O Consórcio segue inerte técnica e politicamente, sendo atropelado pela Prefeitura do Recife, que claramente assumiu uma diretriz de favorecer a circulação dos autos privados (automóveis)”, critica de forma direta.

Para esse mesmo especialista, o governo segue desconhecendo que Pernambuco tem um Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) com diversas propostas inconclusas e outras sequer iniciadas. “Desconhece também o SEI - Sistema Estrutural Integrado - ainda incompleto e em alguns aspectos abandonado. É lamentável porque o Recife e a RMR já foram modelos e referências no planejamento da gestão e da mobilidade urbana, mas hoje em dia regride e anda na contra mão das boas práticas do setor”, finaliza.

CATRACAS ELEVADAS SÃO BARRADAS NOS ÔNIBUS DO GRANDE RECIFE

Num ano em que quase nada foi feito pelo transporte público da Região Metropolitana do Recife, o governo de Pernambuco tentou implantar catracas elevadas na entrada e saída dos ônibus para tentar evitar as invasões do sistema sem pagamento da tarifa.

As catracas elevadas começaram a ser testadas, mas as dificuldades de acesso e o constrangimento a que alguns passageiros foram submetidos - uma mulher ficou com a cabeça presa no equipamento - fizeram o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recomendar a suspensão dos testes.

E mais: pediu a retirada dos equipamentos instalados nos 41 ônibus que operam 14 linhas com alto índice de evasão de receita devido aos pulos de catraca e invasões pela porta traseira dos coletivos.

CORTE DE 200 ÔNIBUS NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE

Gabriel Ferreira/ JC Imagem
Catracas elevadas começaram a ser testadas nos ônibus do Grande Recife, na entrada e saída dos coletivos, mas teste foi suspenso por determinação do MPPE - Gabriel Ferreira/ JC Imagem

Em agosto de 2023, os passageiros dos ônibus do Grande Recife foram surpreendidos com a redução da oferta de serviço provocada pela retirada de 200 coletivos da operação pelo governo de Pernambuco. O corte ampliou os intervalos e fez com que os veículos circulassem cada vez mais cheios, gerando ainda mais desconforto para os passageiros.

A redução da frota foi ainda maior se o comparativo for feito em relação a 2019, antes da pandemia de covid-19: 300 ônibus a menos. Em novembro de 2019, o sistema operava com uma frota de 2.459 coletivos no Grande Recife. Em novembro de 2022, eram 2.326. E, em agosto de 2023, estavam em operação apenas 2.132 ônibus.

O processo, mesmo com o Estado alegando que foram ajustes na operação para dar mais eficiência a linhas de alta demanda e reduzir custos, teve uma repercussão péssima para o governo.

LICITAÇÃO DAS LINHAS DE ÔNIBUS

Um dos principais desafios da gestão Raquel Lyra segue sendo concluir a licitação das linhas de ônibus do Grande Recife, que em 2022 teve o modelo refeito e definido pelo governo, ainda sob gestão do PSB.

A proposta foi refeita oito anos depois da primeira licitação, que envolveu o Sistema BRT e as linhas operadas pelos consórcios Conorte e Mobibrasil. A nova licitação envolve as linhas que respondem pela grande maioria dos deslocamentos urbanos do Grande Recife. Mas não avançou em 2023. Há uma expectativa de que o edital seja lançado em 90 dias, após validação da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE).

A proposta apresentada em 2022 prevê um pacote de R$ 15,3 bilhões em 20 anos de contrato - renováveis por mais cinco anos -, dos quais R$ 2,9 bilhões seriam de contraprestações do poder público (subsídios), R$ 2,2 bilhões seriam investimentos e R$ 12,4 bilhões seriam referentes a tarifas e receitas acessórias, como ganhos com publicidade e outras receitas extra tarifárias, por exemplo. Por ano, seria o equivalente a R$ 146 milhões em subsídios públicos e R$ 76.730 milhões em investimentos privados.

MÉRITOS DA GESTÃO DO TRANSPORTE PÚBLICO

PAULO MACIEL // GRANDE RECIFE CONSÓRCIO DE TRANSPORTE
Fiscalização da refirgeração dos coletivos em 2023 - PAULO MACIEL // GRANDE RECIFE CONSÓRCIO DE TRANSPORTE

O principal mérito da nova gestão estadual em relação ao transporte público em 2023 talvez tenha sido conseguir, quase no fim do ano, firmar o compromisso de adesão da Prefeitura de Camaragibe ao Consórcio de Transporte Metropolitano, um dos principais desafios do governo desde que a EMTU foi extinta, em setembro de 2008, para dar lugar ao CTM.

A intenção foi oficializada depois de 15 anos de criação do Consórcio e depende, agora, da aprovação pela Câmara Municipal de Camaragibe para que a adesão seja efetivada. Ainda faltam 11 municípios decidirem aderir, política e administrativamente.

CRIAÇÃO DE NOVOS SERVIÇOS

Outro aspecto positivo da gestão do transporte público em 2023 é a percepção de que há uma disposição maior para criar novos serviços opcionais e eventuais no sistema, como linhas especiais para eventos sociais de grande atração de demanda. Como uma tentativa de quebrar um pouco o engessamento da rede de transporte do Grande Recife.

DESEMPENHO DOS TERMINAIS INTEGRADOS É EXCEÇÃO

Outro ponto positivo do primeiro ano da gestão foi avançar com a concessão pública dos 26 terminais integrados e 44 estações de BRT, projeto que foi viabilizado e iniciado ainda na gestão PSB, mas que a equipe de Raquel Lyra abraçou e estimulou a continuidade.

É fato que existe um contrato de 35 anos de duração, mas o projeto tem sido estimulado pela nova gestão - que é o que importa. E os resultados têm sido vistos por quem utiliza o sistema de transporte público.

Conhecidos dos passageiros e operadores pela degradação, insegurança e, em sua grande maioria, desordem, os equipamentos estão bem melhores. A arrumação que vem sendo realizada desde janeiro de 2022, quando a gestão privada começou, já é visível.

É claro que estamos falando de um contrato de R$ 113 milhões para gestão de 26 TIs e 44 estações de BRT por 35 anos, o que por si só já exige resultados da nova gestão - agora sob responsabilidade da empresa Nova Mobi Pernambuco. Mas as mudanças têm sido promovidas.

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