Ciclovia na Av. Caxangá é promessa antiga, enquanto ciclistas continuam sob risco no Recife

Segundo dados do relatório de segurança da CTTU, em 2023, morreram mais ciclistas do que motoristas em sinistros de trânsito no Recife

Publicado em 03/12/2024 às 16:10
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No Recife, milhares de ciclistas enfrentam diariamente o risco de sinistros de trânsito em avenidas movimentadas como a Caxangá, Recife e Norte, que apesar da relevância para a mobilidade, continuam sem ciclovias, e projetos que não saíram do papel.

Essa questão, além de evidenciar a falta de interesse das gestões públicas com a pauta, mostra que a segurança de ciclistas e pedestres, grandes vítimas no trânsito, não está sendo prioridade na capital pernambucana.

A Avenida Caxangá, por exemplo, é a segunda mais longa, em linha reta, do Brasil. A via é um marco para a cidade, mas também carrega a realidade de estar entre as vias mais perigosas para ciclistas na cidade, tendo em vista que não existe via exclusiva para bicicletas.

Por esse motivo, ciclistas acabam utilizando a via livre, dos ônibus BRT (Bus Rapid Transit). Bom lembrar que, segundo dados da Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) e da própria prefeitura do Recife, a Av. Caxangá está entre os pontos com maior volume de ciclistas da cidade.

Segundo o Relatório Preliminar de Segurança Viária da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), morreram mais ciclistas (7% dos casos totais) que motoristas (4%) em 2023, durante sinistros (não se fala mais 'acidente de trânsito') de trânsito no Recife.

Tentativas de viabilizar ciclovias

A construção das ciclovias das avenidas Caxangá e Recife chegou a receber recursos na Lei Orçamentária Anual (LOA), advindos de emenda parlamentar da vereadora Liana Cirne (PT), que, em três anos (2021, 2023 e 2024), destinou R$ 360 mil para viabilizar os projetos. No entanto, nenhuma dessas propostas foi executada pela Prefeitura do Recife, apesar do fluxo intenso de ciclistas nessas vias.

Em reunião na plenária da Câmara dos Vereadores, em outubro deste ano, Liana destacou que, além da emenda, tentou chamar atenção para a pauta de outras maneiras.

"Pelo terceiro ano consecutivo, eu estou insistindo na mesma emenda para a construção da ciclovia da avenida Caxangá. Eu já fiz outdoors publicizando essa proposta, já cobrei de todas as formas que essa matéria seja aprovada e ainda não tive o sucesso”, afirmou.

No dia do discurso, a parlamentar recebeu o apoio dos vereadores Amaro Cipriano Maguari (PP), Luiz Eustáquio (PSB) e Ivan Moraes (PSOL) que, apesar de sinalizarem positivamente, não destinaram nenhuma emenda específica para construção dessas ou outras ciclovias.

Cada parlamentar tem direito a um limite fixo (no caso, R$ 220 mil por ano) para destinar a projetos específicos, de sua escolha, que são apresentados anualmente para serem executados no ano seguinte. Neste ano, Liana Cirne destinou R$ 50 mil para a ciclovia da Av. Caxangá e R$ 50 mil para Av. Recife.

Apesar disso, tais emendas não são impositivas, ou seja, o prefeito, João Campos, não é obrigado a executá-las. O que torna importante o fato de mais parlamentares destinarem emendas para a causa, ajudando para que haja maior apoio político e popular e contribuindo para convencer o Executivo a priorizar a proposta.

Um dificultador é o baixo valor das emendas, comparado com o necessário para concretizar os projetos. A Ameciclo estima que o custo por cada quilômetro de ciclovia é de R$ 29 mil, logo, com o valor da emenda da parlamentar, daria para fazer menos de 2 quilômetros da via para ciclistas.

Avenida Caxangá perigosa para ciclistas

AMECICLO/DIVULGAÇÃO
Três ciclistas foram mortos em oito dias no Recife, acendendo um alerta para quem usa a bicicleta como transporte. A mais recente vítima foi atropelada na Estrada da Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes - AMECICLO/DIVULGAÇÃO

Um dos casos de sinistro que mais chamaram atenção recentemente, foi a morte do ciclista Flávio Antônio, de 42 anos, em 2021. Ele foi violentamente atropelado por um motorista que estaria dirigindo em alta velocidade, próximo ao Caxangá Golf & Country Club, na Av. Caxangá.

Flávio Antônio era um trabalhador que fazia o mesmo percurso há 18 anos em sua bicicleta barra circular, de segunda a sábado.

No momento do sinistro, ele trafegava pelo corredor de BRT Leste-Oeste, quando foi surpreendido pelo veículo. O motorista do carro teve apenas ferimentos leves, enquanto o ciclista teve o crânio aberto, segundo a perícia técnica.

Por conta disso, a Ameciclo, a União de Ciclistas de Pernambuco (UCIPE) e outros grupos de ciclistas se juntaram e instalaram, na época, uma ghost bike, a bicicleta branca “fantasma” que simboliza a violência no trânsito contra os ciclistas, no local do sinistro.

A não concretização da ciclovia gera frustração nos ciclistas, que dependem dessas vias diariamente para se locomover pela cidade e, muitas vezes, se veem ignorados pelas gestões públicas.

Para a ciclista Paloma Xavier, que deixou de andar na Av. Caxangá por medo de sinistros, uma ciclofaixa - ou ciclovia - seria essencial e útil.

"Seria extremamente útil uma ciclofaixa na Avenida Caxangá, porque a gente sabe o quanto de ciclistas que transitam por lá e que outros vários deixaram de transitar por conta dos inúmeros acidentes, inclusive, mortes. Eu, por exemplo, nunca sofri um sinistro, mas já passei perto de sofrer, em trechos, e parei de andar de bicicleta na Avenida Caxangá por causa disso. Não consigo pedalar um trajeto de um quilômetro sem passar nervoso, sabendo que as pessoas que estariamenvolvidas em um eventual acidente passariam impunes. Seria incrível que tivesse uma ciclofaixa para que a gente se sentisse mais seguro, inclusive, para realizar esses pequenos trechos", disse.

 

 

Promessa antiga

A ciclovia na Avenida Caxangá é uma promessa antiga dos gestores públicos do estado. A pauta foi citada pela primeira vez na gestão do ex-governador Eduardo Campos (PSB), porém, não saiu do papel.

A proposta constava no projeto do Corredor de BRT Leste-Oeste, que corta a Zona Oeste do Recife e conecta Camaragibe, na RMR, ao Centro da capital, em 16 km.

Ainda na gestão Eduardo Campos, a Avenida Caxangá também foi indicada para receber uma ciclovia em 2014, através do Plano Diretor Cicloviário (PDC), uma iniciativa entre a sociedade civil, as prefeituras da Região Metropolitana e o Governo do Estado, entretanto, a via da Av. Caxangá continua sem previsão. 

Respostas da gestão pública

O JC entrou em contato com a Prefeitura do Recife e com o Governo de Pernambuco, através da Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura de Pernambuco (Semobi), para questionar sobre o projeto da ciclovia para a Av. Caxangá e se a via ainda está inclusa no PDC. 

Segundo a prefeitura, o município cumpriu todas as metas previstas no Plano e informou que a responsabilidade da Av. Caxangá é do Governo Estadual. Veja a nota, na íntegra, abaixo:

"De acordo com o Plano Diretor Cicloviário (PDC), a implantação da ciclofaixa na Avenida Caxangá é de responsabilidade do governo do Estado. Entre os municípios da Região Metropolitana, o Recife foi o que cumpriu todas as metas previstas no documento. A política cicloviária do município é uma das mais robustas do País, com 196,5 km de faixas exclusivas para ciclistas. Destes, 97% estão interligados entre si, dando aos usuários do modal a opção de conexão entre as Zonas Norte, Sul e o Centro. Entre 2013 e 2024, a estrutura cicloviária da cidade teve um salto de cerca de 700% em quilometragem - saindo de 24 para os atuais 196,5 km. Entre as obras mais emblemáticas pode ser citada a ciclofaixa da Avenida Agamenon Magalhães, um percurso de quatro quilômetros de extensão, totalmente segregado, que beneficia, diariamente, 7,5 mil ciclistas".

O Governo do Estado não respondeu até o momento da publicação da matéria. Os canais de comunicação do Jornal do Commercio seguem abertos para envio de posicionamentos, esclarecimentos ou informações adicionais.

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