Luiz Orlando, ranzinza quando o assunto era jazz, mas dono de um elegante texto quando o tema era o Judiciário

Leia a coluna Política em Brasília
Romoaldo de Souza
Publicado em 25/02/2023 às 17:26
No hotel Copacabana Palace, Luiz Orlando, à esquerda, foi convidado a fazer a saudação recepcionando Ella Fitzgerald Foto: Acervo Pessoal


Luiz Orlando Carneiro (1938 - 2023) já seria um brilhante jornalista se os seus textos no Jornal do Brasil e no portal Jota fossem um retrato de uma vida dedicada à “profissão mais fascinante de que já tive contato”, como costumava dizer. Mas Luiz O, como era conhecido o “decano do jornalismo jurídico”, era também profundo conhecedor do jazz. Dono de uma das mais completas coleções desse gênero musical, que ele dizia ser “imprescindível”, foi autor de “A Nova Constituição para as Crianças”, em parceria com Inês Carneiro Cavalcanti; “Elas Também Tocam Jazz”; e, “Guia do Jazz”, que escreveu juntamente com José Domingos Raffaelli.

“A visão de uma mulher espremendo os lábios contra o bocal de um trombone ou inflando as bochechas para soprar um trompete não é tida como estética”, escreveu em Elas Também Tocam Jazz, argumentando que “mulher no jazz, para o grande público, é ainda hoje sinônimo de cantora”.

Dogmático quando era apresentado a subprodutos do jazz como o “Cool”, o “Soul”, o “Fusion jazz” e “Rhythm and blues”, Luiz Orlando dizia que o essencial “tem que ser considerado importante. Não me debruço sobre esses floreios”, afirmava. No início de 2002, dividíamos a mesma baia, na redação do Jornal do Brasil, quando cheguei todo empolgando mostrando a ele “Come Away With Me”, álbum de estreia da cantora e pianista Norah Jones. “Diante do jazz isso é balada. Norah nunca terá voz de cantora de jazz”, sentenciou.

Elegante e gentil, certa vez fui à casa dele apresentar um esboço do que seria o “podcast Café & Conversa”, que há 15 anos é apresentado diariamente na Rádio Jornal. Quando lhe mostrei a trilha sonora “Take Five”, de The Dave Brubeck Quartet, Luiz Orlando não apenas aprovou a música, como foi certeiro na formação do grupo: “Dave Brubeck no piano, o sax alto e certeiro de Paul Desmond, Eugene Wright no contrabaixo e o mais brilhante solo de bateria de Joe Morello”. Ele ainda recordou, como se fosse ontem, a data do lançamento. “9 de março de 1959”.

Já que estávamos ali, ouvindo jazz, falando dos novos lançamentos eu mencionei o café. Antes, porém, Luiz Orlando contou que com o advento do CD gravável, sempre recorria à ajuda de um neto para gravar um CD e ouvir durante os 22km que separavam sua casa do centro de Brasília, seja na sede do Jornal do Brasil (extinto em 2010) ou no Supremo Tribunal Federal onde passou a “morar” fazendo coberturas de julgamentos no STF para o Jota.

Ele parou, elogiou o projeto do Café & Conversa, “mas de café preto só entendo quando escuto aquele vozerão de Ella Fitzgerald (1917 — 1996) “cantando Black Coffee (Paul Francis Webster, Francis Joseph Burke) Black Coffee: Love's a hand me down brew. I’ll never know a Sunday. In this weekday room”. Luiz O preferia cerveja sem álcool.

Luiz O tinha feito a travessia do portal que separou a velha [máquina de escrever] Remington para rapidamente se adaptar ao “jurássico” PC. Só deixava transparecer seu lado ranzinza quando a temperatura caia na redação. “Eu só não convivo bem com ar condicionado. Ainda sou do tempo do ventilador de mesa”, dizia sorrindo.

O sol ia se pondo para as bandas do Lago Paranoá, nos despedimos e antes de voltar com tantas histórias em mente, Luiz Orlando Carneiro me deu uma de suas pinturas. Um negro, empunhando um saxofone alto, que fez lembrar (Charlie Parker (1920 — 1955). A pintura em giz de cera nunca foi para a moldura. Chegando em casa, encantado com o presente, fui surpreendido por um abraço de Killa, uma cadela pastor alemão. Suas unhas rasgaram ao meio a obra de arte de Luiz Orlando. Felizmente guardo as lembranças da nossa convivência na redação do Jornal do Brasil.

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