Na Câmara, deputado já foi acusado até de trocar marmitex por votos

Leia a coluna Política em Brasília
Romoaldo de Souza
Publicado em 10/06/2023 às 20:01
HISTÓRIA Em 1993, o então presidente Itamar Franco se empenhou para trazer o veículo de volta à cena Foto: DIVULGAÇÃO


“Os infelizes são ingratos, mas isso faz parte da infelicidade deles.” Victor Hugo (1802-1885)

Eu puxei pela memória do romancista francês para contar uma história de ingratidão que presenciei no cafezinho da Câmara dos Deputados. Fábio Ramalho (MDB-MG), rico empresário do ramo de restaurante de comidas regionais, tinha costume de toda quarta-feira à noite, chegar com cinco caixas de isopor repletas de comida. Feijoada completa, incluindo torresmo; arroz, frito na manteiga; quibe com queijo mineiro, caprichado no hortelã; carne de sol; manteiga de garrafa - vinda do Norte do estado; queijo mineiro, “claro, sô!”; e, doce de leite. Era uma festa. Fabinho, como é conhecido, era tão atencioso que trazia pastel de queijo para os colegas vegetarianos. “Só ainda não tem comida para os veganos, mas a gente vai se aperfeiçoando”, desculpava-se. Leva até a louça completa.

Na última disputa, nas eleições de 2022, Fábio Ramalho ficou na suplência e isso vai minguando o prestígio de qualquer político. Lançou-se, então, candidato a vaga de Ana Arraes, no Tribunal de Contas da União (TCU). Para entornar o caldo, entrou na disputa contra o deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), apadrinhado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

“Vossa Excelência é um ingrato”, bradou Fábio Ramalho. “Vossa Excelência prometeu que me apoiaria, e na última hora eu me senti apunhalado pelas costas”, completou. Arthur Lira parou, seus exército de segurança também deu uma brecada, voltou e disse: “Fabinho, você pensava que ia comprar todo mundo com marmitex?”, e foi embora. No placar final da votação, Jhonatan de Jesus recebeu 239 votos contra 174 dados a Fábio Ramalho.

DE BOB DYLAN A ROBERTO CARLOS, SUPLICY SEMPRE SURPREENDEU COLEGAS
20 de abril de 2011, plenário lotado, uma quarta-feira de muitas votações, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pega o microfone e vai logo dizendo, “Hoje eu não vou cantar [música de] Bob Dylan”. Suplicy já não surpreendia mais quando resolvia quebrar o clima tenso no Congresso Nacional, cantando “Blowin’ in the Wind”. “How many roads must a man walk down. Before you call him a man? Yes, ’n’ how many seas must a white dove sail. Before she sleeps in the sand?” “Hoje, eu pretendo prestar uma homenagem ao rei”. Silêncio total. “Ray Charles, Suplicy?”, gritou o colega de partido Paulo Paim (RS).

“Senhor presidente, ontem, Roberto Carlos, o maior ídolo da música brasileira de todos os tempos, completou 70 anos. Roberto Carlos, com o seu talento, representa, para todos nós, brasileiros, a emoção, a sensibilidade das coisas simples, o amor de quem ama de verdade”. Nisso, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) pede um aparte e faz um apelo. “Senador Suplicy, sua homenagem ao rei Roberto Carlos somente estará completa se o senhor cantar ao menos um trecho de uma de suas canções”, disse. “Não!!!” gritou alguém do fundo, que não consegui identificar. Suplicy pigarreou, segurou o microfone como quem puxa o pedestal inclinado, imitando Roberto Carlos, e não teve dúvidas. “Não preciso nem dizer. Tudo isso que eu lhe digo. Mas é muito bom saber. Que você é meu amigo”, foi aplaudido de pé. “Esse Eduardo não toma jeito”, resmungou Marta Suplicy (PT-SP).

NO ESCURINHO DO CINEMA
Itamar Franco (1930-2011) era considerado um galanteador contumaz. Está bem, troco o adjetivo por persistente. Itamar era um galã persistente. “Nunca está sozinho”, confidenciava um assessor. Logo após o “impeachment” de Fernando Collor ele continuou frequentando lugares públicos, apesar da recomendação da segurança.

Num sábado à tarde, vai até a SQN [Super Quadra Norte] 210 [isso mesmo. Brasília não tem ruas. Tem quadras, super quadras], deixa todo mundo em baixo do prédio e vai ao 5º andar, onde morada uma professora universitária, com quem o presidente estava “engatando” um romance. 15 minutos depois, saem os dois pela porta do Bloco “Q”, entram no carro oficial e saem pelo “Eixo”, uma larga avenida, onde a velocidade máxima permitida é de 80km/h. Logo em seguida dobram à direita, pegam a EPTG [Estrada Parque Taguatinga-Guará] e em seguida a EPIA [Estrada Parque Indústria e Abastecimento].

O comboio para na porta de um shopping, eles entram pela porta lateral, param na bilheteria, Itamar compra dois ingressos. “Um é meia entrada”, disse a namorada, uma professora universitária, correndo, entram no cinema. Lá dentro, o repórter de TV, Phil [Bill Murray] e a belíssima Andie McDowell, vivendo o papel de Rita, estão numa cidadezinha do interior da Pensilvânia, no Estados Unidos. No meio do filme “Feitiço do Tempo”, falta energia. Atordoada, a segurança do presidente entra na sala de projeção. As luzes de emergência são acesas e o casal é retirado aos gritos de “beija, beija!!!” Itamar parou na porta. Acenou e foi embora com a professora. Bons tempos em que a namorada do presidente só dava despesa de ingresso no cinema.

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