Alcoolismo entre mulheres: "Não percebi que estava uma obsessão", conta membro de A.A. em Pernambuco

No Brasil, uma mulher morre por hora em razão do uso de álcool. Tema será discutido em evento gratuito de Alcoólicos Anônimos e aberto ao público

Publicado em 19/08/2024 às 16:23 | Atualizado em 19/08/2024 às 17:10

O alcoolismo é uma doença crônica que vem crescendo assustadoramente entre as mulheres. De acordo com o mais novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), 600 mil mulheres perderam a vida no mundo, em 2019, por causa do uso prejudicial de bebidas alcoólicas. No Brasil, o álcool é responsável em média pela morte de uma mulher por hora.

Esse é um tema que ganha atenção durante evento de Alcoólicos Anônimos (A.A.) em Pernambuco, que completa 60 anos nesta segunda-feira (19).

O encontro acontece, nos dias 24 e 25 de agosto, na Escola Técnica Estadual Professor Agamenon Magalhães (Etepam), localizada na Avenida João de Barros, 1769, no bairro da Encruzilhada, Zona Norte do Recife. 

"Só sossegava quando ficava bêbada. Não percebi que estava uma obsessão", diz mulher membro de A.A.

Moradora de Olinda, município do Grande Recife, A.C.S., 34 anos, conheceu A.A. em setembro de 2022, após se perceber num estado de sofrimento profundo. Ela conta que começou a beber aos 21 anos e, desde então, não conseguia se contentar com poucas doses.

"Só sossegava quando ficava bêbada. No começo, fui achando que era legal e divertido. Eu não percebi que estava virando uma obsessão. Eu trabalhava e fazia faculdade. Não bebia todos os dias e nem bebia destilados. Mas as bebedeiras de fim de semana foram o suficiente para destruir a minha vida", diz A.C.S.

Ela recorda que até ficava sem beber de segunda a quinta, mas os dias se tornavam tristes, e ela só pensava na sexta-feira. Passou a beber de uma forma muito intensa, o que a levava a gastar muito dinheiro. "Até que não foi ficando mais tão divertido. Comecei a sentir muita tristeza após bebedeira. Comecei a ter apagamentos. Não sabia como tinha chegado em casa. Cheguei a acordar em lugares em que eu não sabia como fui parar ali. Andava de madrugada procurando lugar pra beber e muitas vezes sozinha."

Nesse estágio, a doença (alcoolismo) já havia evoluído aceleradamente, a ponto de ela não conseguir mais parar. "Fiquei sem dinheiro e me tornei alvo fácil para abusos sexuais. Falava que ia parar e não conseguia. Estava em um estado de sofrimento profundo."

FOTO ILUSTRATIVA: JPRAMXS/FREEPIK - BANCO DE IMAGENS
Desde 1960, a OMS reconhece o alcoolismo como doença. Porém, a sociedade persiste na negação e omissão desse grave problema de saúde pública, que vem crescendo assustadoramente entre as mulheres. - FOTO ILUSTRATIVA: JPRAMXS/FREEPIK - BANCO DE IMAGENS

Alcoolismo em mulheres: da solidão ao apoio

O uso abusivo de álcool entre as mulheres, como ocorreu com A.C.S., tem preocupado cada vez mais os especialistas. Elas têm apresentado um padrão de consumo perigoso com efeitos de curto a longo prazo.

Levantamento do Ministério da Saúde apontou que, em 10 anos, houve um aumento de 9,7% (2013) para 15,2% (2023). No Recife, a prevalência entre as mulheres subiu de 10,3% para 16,6%, no mesmo período.

Nos dias 24 e 25 de agosto, durante o Encontro de A.A., o tema será abordado em palestra e roda de conversa com profissionais da área, além da realização de reunião de recuperação de composição feminina. O evento é gratuito e aberto à comunidade.

"Desde 1960, a OMS reconhece o alcoolismo como doença. Porém, a sociedade persiste na negação e omissão desse grave problema de saúde pública, que vem crescendo assustadoramente entre as mulheres. Precisamos urgentemente de ações concretas visando dar visibilidade às causas e consequências do alcoolismo em mulheres", diz a psicóloga Jaira Freixiela Adamczyk, mestre em tratamento e prevenção à dependência química.

Ela ministrará uma palestra, no dia 24, sobre alcoolismo em mulheres e adoecimento emocional. Já no dia 25, a roda de conversa ELAS em A.A. reúne as psicólogas do Recife Kathia Falcone e Rita de Cássia Bezerra Vasconcelos, além de Jaira.

Na ocasião, o público poderá conhecer um pouco mais sobre o acolhimento das mulheres em A.A., como a irmandade tem contribuído para a recuperação do alcoolismo e os 12 Passos de Alcoólicos Anônimos.

Ela disse não à "solidão alcoólica" 

Foi a partir de uma pesquisa no Google que A.C.S. teve o primeiro contato com os 12 Passos de Alcoólicos Anônimos. Num certo dia, ela digitou: "Como parar de beber?". Foi direcionada a um link do WhatsApp e encaminhada para uma sala de Alcoólicos Anônimos online.

"Achava que só ia encontrar pessoas tristes, fracassadas. Encontrei pessoas bonitas, inteligentes e saudáveis, falando para mim que era possível ficar sem beber, que eu não consumisse o primeiro gole por 24 horas e voltasse no dia seguinte. Não foi fácil o início. Mas hoje é uma satisfação."

"Precisei chegar ao fundo do poço para encontrar a felicidade que eu tanto almejava"

Com três filhos, A.C.S. agora relata que diariamente vive a alegria da sobriedade em cuidar deles, em recuperar a autoestima. "O alcoolismo em mulher pode ser muito cruel. O acesso a reuniões virtuais, todo amor e ajuda que recebi dessa irmandade foram cruciais para o meu tratamento. Fui cuidada e amada como nunca imaginei. Nas reuniões de acolhimento feminino, encontrei um espaço para falar sobre questões mais íntimas que estavam relacionadas ao alcoolismo. Estou aprendendo a viver e a ser uma boa mãe livre das amarras do álcool."

Ela tem a certeza de que A.A. não salvou só a vida dela, mas a vida de três crianças. "Elas precisam de mim, de uma mãe sóbria. Hoje sou funcionária pública, voltei a estudar, assisto à reunião todos os dias. Encontrei um caminho de amor e recuperação. Vale muito a pena. O programa tem uma literatura linda e vai além do parar de beber", diz A.C.S. sobre os 12 passos de A.A.

"A.A. me trouxe muito mais do que eu esperava. Precisei chegar ao fundo do poço para encontrar a felicidade que eu tanto almejava", comemora. 

Dependência alcoólica tem tratamento. Existe chance de recuperação

Entre as consequências mais graves do uso de álcool é a dependência alcoólica, uma doença crônica, progressiva e potencialmente fatal, que tem tratamento e possibilidade de recuperação.

A.A./DIVULGAÇÃO
Nos dias 24 e 25 de agosto, o Encontro de Alcoólicos Anônimos acontecerá na Escola Técnica Estadual Professor Agamenon Magalhães (Etepam), no bairro da Encruzilhada. Serão mais de 20 atividades - A.A./DIVULGAÇÃO

É importante reforçar que, embora os homens bebam mais que as mulheres, os problemas causados pelo álcool ocorrem mais precocemente e são mais graves entre elas. 

Apoio de A.A. às mulheres

Para acolher mulheres com problemas com álcool, uma iniciativa de voluntárias alcoólicas de A.A., a Colcha de Retalhos de Alcoólicos Anônimos, tem levado a mensagem de esperança e recuperação de A.A.

Apesar de os estigmas serem mais devastadores nas mulheres, a chegada de membros femininos tem crescido ano a ano desde a pandemia. 

Atualmente são cerca de 62 reuniões de composição feminina realizadas semanalmente, o que significa um aumento de 41% entre os períodos pré e pós-pandemia.

Em Pernambuco, são quatro grupos (dois presenciais no Recife, um em Abreu e Lima e um online). No dia 24, as mulheres interessadas em conhecer mais sobre as reuniões de recuperação terão oportunidade de participar de uma, a partir das 14h30.

Programação - 60 anos de Alcoólicos Anônimos em Pernambuco | Atividades sobre alcoolismo em mulher

Sábado, 24 de agosto, na sala 5, das 9h às 11h

  • Palestra Alcoolismo em Mulheres e Adoecimento Emocional, com a psicóloga Jaira Freixiela Adamczyk

Sábado, 24 de agosto, das 14h30 às 16h

  • Reunião de recuperação de composição feminina

Domingo, 25 de agosto, na sala 5, das 9h às 11h

  • Roda de Conversa ELAS em A.A., com as psicólogas Jaira Freixiela Adamczyk, Kathia Falcone e Rita de Cássia Bezerra Vasconcelos

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