Dia mundial de combate ao HTLV: sintomas, prevenção e desafios no combate ao vírus
HTLV afeta milhares de brasileiros; diagnóstico precoce e conscientização são essenciais para reduzir complicações e prevenir a transmissão do vírus
Este domingo, 10 de novembro, é marcado pelo Dia Mundial de Combate ao HTLV, um retrovírus da mesma família do HIV, mas ainda pouco conhecido pela população. O HTLV é um vírus linfotrópico de células T humanas pode permanecer assintomático em muitos infectados ao longo da vida.
No entanto, para alguns, ele representa um sério risco de complicações por afetar células essenciais no sistema imunológico, como a leucemia de células T e a paraparesia espástica tropical, uma paralisia progressiva.
Embora isolado na década de 1980, durante pesquisas que buscavam a causa da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), o HTLV ainda é um vírus recente para a ciência. Alguns fatores relacionados ao momento de sua descoberta tornaram-o desconhecido para muitos, entre a sociedade e profissionais da saúde.
“De imediato não foi possível associar o HTLV a doenças, assim o vírus não recebeu a devida atenção. Então não houve visibilidade, porque o HTLV foi depois associado a algumas doenças importantes neurológicas”, explica infectologista Paula Magalhães, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), localizado em Santo Amaro, área central do Recife.
Para além desta razão, por ter sua descoberta muito próxima ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), as investigações científicas e atenção da população geral voltaram-se ao HIV, diante do alerta em relação à aids.
Transmissão
Contato com sangue e seringas contaminadas, transplante de órgãos e relações sexuais desprotegidas são algumas das principais vias de contaminação. Desde 1993, todos os hemocentros do Brasil devem testar os doadores para HTLV, assim, essa forma é a mais controlada no País.
Além das vias supracitadas, a amamentação tornou-se a maior preocupação dos órgãos de saúde. Isso porque o aleitamento materno é a via mais eficaz para o vírus transportar-se de um corpo a outro. Outra forma de infecção vertical – de mãe para filho – é a transmissão intrauterina.
“Com a Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, estamos buscando definir e implantar a linha de cuidado da transmissão vertical do HTLV em Pernambuco. Nesse projeto, vamos avaliar mais de mil gestantes para investigar e entender qual a prevalência de HTLV nas gestantes em nosso Estado", conta a pesquisadora Clarice Neuenschwander, do Departamento de Virologia do Instituto Aggeu Magalhães, unidade da Fiocruz em Pernambuco.
O Brasil tem dado alguns passos importantes para a erradicação do HTLV. Em fevereiro deste ano, o governo federal lançou o programa Brasil Saudável para eliminação e redução, até 2030, de 14 vírus e doenças determinadas socialmente, entre eles o HTLV.
A partir deste programa, foi possível instituir a testagem para HTLV durante o pré-natal e a notificação compulsória em caso de testes positivos em gestantes e crianças.
A testagem garante que, antes do nascimento, a gestante conheça seu diagnóstico, receba orientações para não amamentar a criança e tenha direito à fórmula láctea infantil (leite artificial) nas unidades básicas de saúde.
Sintomas
O Ministério da Saúde estima que entre 800 mil e 2,5 milhões de pessoas convivem com o vírus no Brasil.
Apenas 5% a 10% das pessoas infectadas desenvolvem alguma doença associada, entre as mais graves estão a leucemia, ou linfoma de células T do adulto, e a mielopatia associada ao HTLV, uma forma de paralisia. A maioria dos que convivem com o vírus é assintomática, logo, não procura testagem e não é diagnosticada.
“Outros infectados que não desenvolveram essas duas doenças mais graves podem desenvolver uma série de outras doenças associadas ou manifestações clínicas. Podem ter manifestações articulares, como artralgias (dor nas articulações); uveítes, que são inflamações oculares; problemas pulmonares; problemas urinários; e dermatites”, explica Clarice.
Vale ressaltar que a testagem para HTLV não é feita de forma universal e não está incluída em testagem de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como HIV, sífilis e hepatite B e C. Desta forma, muitos pacientes descobrem a infecção pelo vírus ao surgirem os primeiros sintomas das doenças associadas.
É o caso de Ricardo Henrique, de 40 anos. Apenas quando surgiram sintomas como tremores e fraqueza muscular nos membros inferiores, ele começou a suspeitar da presença do HTLV em seu organismo, um vírus que anteriormente ele desconhecia completamente.
Mesmo acompanhado por neurologistas e infectologistas, o diagnóstico foi demorado, em parte pela falta de conhecimento da equipe acerca do vírus.
A progressão da mielopatia (distúrbio do sistema nervoso que afeta a medula espinhal) provoca alterações na marcha, espasticidade, dor lombar e incontinência urinária. Uma vez apresentados os sintomas, a doença não regride. Desta forma, os pacientes devem ser aposentados, pois não possuem condições físicas de retomar seu trabalho.
Entretanto, a falta de informação sobre o HTLV dificulta aos pacientes o acesso a direitos. Apenas recentemente, dois anos após o diagnóstico, Ricardo conseguiu aposentar-se.
“É importante que o perito da Previdência Social entenda o impacto da mielopatia; ela não é reversível. O homem ou a mulher que desenvolveu paraparesia não retoma a sua função, não se pode ficar esperando que a pessoa melhore e retorne ao trabalho”, explica Paula Magalhães.
As doenças associadas costumam manifestar-se por volta da quarta década de vida. O aparecimento de sintomas é particular de cada indivíduo. Entretanto, alguns dos sintomas mais comuns são:
- alterações na visão;
- fraqueza;
- dormência e formigamento nos membros;
- dor no corpo, principalmente nos membros inferiores e lombar;
- inchaço dos gânglios;
- alterações urinárias, principalmente dificuldade para urinar.
Tratamento
Ainda não existem vacinas ou evidências suficientes de medicações antirretrovirais para o HTLV. Portanto, os pacientes diagnosticados sem sintomas são acompanhados pelo serviço de saúde para monitorar a evolução do vírus no organismo. Já os pacientes com doenças associadas recebem tratamentos específicos para os sintomas da doença.
“Eu faço fisioterapia, tomo algumas medicações para controle de trato urinário, vou ao neurologista a cada dois meses e vou a consultas com a infectologista para ver como estão as condições da doença”, conta Ricardo.
Prevenção
A prevenção contra o HTLV inclui o uso de preservativos em todas as relações sexuais, evitando o compartilhamento de seringas e agulhas e restringindo a amamentação para mães infectadas, uma vez que o vírus pode ser transmitido pelo leite materno.
Como o HTLV muitas vezes não apresenta sintomas, o diagnóstico precoce é essencial, especialmente entre pessoas que tiveram contato com fontes de risco.
Para os serviços de saúde, a maior dificuldade em alertar para a prevenção é a falta de conhecimento na sociedade e entre profissionais da área da saúde sobre o HTLV.
“São muitos os desafios para o enfrentamento do HTLV, e o maior deles é a falta de conhecimento sobre o vírus, tanto na população geral, quanto profissionais de saúde, que nunca sequer ouviram falar sobre o vírus", relata Clarice Neuenschwander.
"Então, não vão saber de ações de prevenção, como é transmitido, o que pode ser feito em seu local de trabalho para enfrentar o vírus e para acolher as pessoas que vivem com HTLV", acrescenta.
Divulgação científica
Na Fiocruz Pernambuco, são desenvolvidos diversos projetos para tornar o vírus conhecido entre a sociedade. Uma das iniciativas é o perfil @htlvbrasil, que busca divulgar informações sobre o vírus com uma linguagem acessível para toda a população no Instagram.
Com esta finalidade, o projeto publicou o eBook “HTL… o quê?”, uma história rimada sobre o vírus disponível para download.
No próximo dia 29, será lançado, sob a coordenação de Clarice Neuenschwander e apoio da Fiocruz e Ministério da Saúde, o curso a distância "Estratégias de eliminação da transmissão vertical do HTLV no Brasil". A capacitação busca treinar profissionais e gestores de saúde, além da sociedade civil e os interessados pelo tema.