Microcefalia: com veto de Lula para pensão a crianças com zika congênita, mães expressam revolta e decepção
Veto foi publicado, no Diário Oficial da União, com a justificativa de "contrariedade ao interesse público e por inconstitucionalidade"
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva optou por vetar integralmente o Projeto de Lei 6064/2023, que previa pensão vitalícia às pessoas com deficiência permanente causada pela síndrome decorrente da infecção pelo zika vírus na gestação. A condição mais conhecida da síndrome é a microcefalia. Mas ela é apenas a ponta do iceberg de lesões associadas à exposição ao zika na gestação. O vírus pode causar também outras alterações neurológicas, problemas osteomusculares, auditivos e visuais.
O veto, publicado no Diário Oficial da União desta quinta-feira (9), foi justificado "por contrariedade ao interesse público e por inconstitucionalidade".
Em agosto de 2024, o Plenário do Senado chegou a aprovar o projeto de lei. O texto recebeu parecer favorável do senador Rodrigo Cunha, relator da proposta. Na ocasião, ele ressaltou que o projeto mudaria a vida de muitas pessoas, pois poderia alcançar cerca de 1,8 mil famílias afetadas pela síndrome congênita do zika.
A medida provisória autoriza o pagamento, por parte do governo federal, de indenização no valor de R$ 60 mil para as famílias dessas crianças.
"Recebemos esse veto (da pensão) sem nenhuma oportunidade de negociação. Fomos surpreendidas com uma MP (medida provisória) de baixo escalão, como se a vida, o sofrimentos dos nossos filhos e as sequelas que o zika causou, por quase 10 anos, e todos prejuízos financeiros, emocionais e físicos fossem pagos com R$ 60 mil", diz a presidente da União de Mães de Anjos em Pernambuco, Germana Soares. Ela é mãe de Guilherme, de 9 anos, que tem microcefalia decorrente do zika vírus.
Também vice-presidente do UniZika Brasil, Germana destaca que, com o veto, o governo federal traz "frustração e decepção para mães e familiares", pois dá "invisibilidade a 1.589 famílias que sobrevivem na miserabilidade". Além disso, ela acrescenta: "Como eles pensam que R$ 60 mil iriam nos calar?".
A presidente do UniZika Brasil, Luciana Arrais, também se manifestou sobre o veto. "A luta, no entanto, não vai parar. São quase 10 anos de negligência, descaso e esquecimento dessas famílias, mas nós vamos continuar lutando e, se Deus permitir, vamos conseguir derrubar esse veto no Congresso Nacional", afirmou Luciana, que é mãe de Ana Lis, de 8 anos, que possui a síndrome do zika vírus.
"Essa medida provisória não substitui a importância e o alcance do Projeto de Lei 6064/23, que foi construído com a participação e as necessidades reais da população. É fundamental que a voz das mães seja ouvida e que medidas efetivas e justas sejam implementadas", complementou.
A pensão especial que estava prevista, mensal e vitalícia, é equivalente ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente em R$ 7.786,02.
Síndrome congênita do zika vírus em Pernambuco
Em Pernambuco, desde o fim de 2015 (quando detectados os primeiros casos de microcefalia, e o JC foi pioneiro no trato do tema), foram notificados 3.097 casos suspeitos da síndrome congênita do zika vírus. Desse total, 471 foram confirmados, 2.390 descartados, 204 inconclusivos e 32 permanecem em investigação.
No Estado, os anos de 2015 e 2016 correspondem ao período com a maior concentração dos casos. E desde 2023, não há confirmações de síndrome congênita do zika vírus.
Desde 2015, foram registrados 284 óbitos suspeitos de zika congênita em Pernambuco: 51 (17,9%) de crianças maior que 1 ano de idade; 64 (22,5%) óbitos fetais/natimortos; 111 (39,1%) óbitos neomortos/neonatais e 57 (20,1%) no período pós-neonatal. Quatro (1,4%) óbitos suspeitos encontram-se em investigação.
No Estado, do total de óbitos do período analisado, 236 foram discutidos pelo Grupo Técnico de
discussão de óbito infantil da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), sendo 40 confirmados como mortes causadas pela síndrome congênita do zika. O último óbito decorrente da condição, em Pernambuco, ocorreu no ano de 2022 (criança nascida em 2017).