Novo caso de raiva humana em Pernambuco segue protocolo que salvou Marciano, único sobrevivente da doença no Brasil

Paciente, atacada por sagui, está em UTI no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, onde a equipe médica fornece mesmos cuidados que salvaram Marciano

Publicado em 09/01/2025 às 19:40 | Atualizado em 09/01/2025 às 19:45
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A paciente de 56 anos infectada pelo vírus da raiva, internada no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), no Recife, recebe assistência a partir do mesmo protocolo de cuidados usado para salvar Marciano Menezes da Silva, o único sobrevivente da raiva humana no Brasil.

"Claro que é um protocolo atualizado (o caso de Marciano é de 2008). São procedimentos que visam o tratamento da raiva humana com antivirais e a adoção de medidas para identificar e intervir precocemente nas complicações da doença", explica a médica do Huoc, Ana Flávia Campos.

"O prognóstico (previsão de como uma doença pode evoluir) é muito ruim, pois a raiva é quase 100% fatal. Mas a gente está aplicando nela o mesmo protocolo de Marciano, a fim de oferecer tudo o que é possível para que a paciente supere a doença, com o mínimo de sequelas. Mas não há garantias (de sobrevivência)", diz Ana Flávia. 

A mulher está em estado grave, faz uso de ventilação mecânica e apresentou um quadro neurológico grave, além de insuficiência respiratória. Ela chegou a um rebaixamento do nível de consciência e atualmente segue sob sedação profunda. "Mas está livre de infecção respiratória e urinária, ou seja, sem comprometimentos além da raiva no momento. Isso nos possibilitou iniciar o protocolo feito com Marciano."

Em junho de 2017, Ana Flávia também acompanhou o caso de uma paciente com raiva humana no Huoc, mas que não resistiu às complicações da doença. "Ela já chegou ao hospital em choque séptico, o que não nos permitiu seguir os mesmos procedimentos feitos com Marciano."

Entenda o novo caso de raiva humana em Pernambuco

A paciente de 56 anos, internada no Huoc, em Santo Amaro, área central do Recife, foi atacada por um sagui na mão esquerda no dia 28 de novembro de 2024. O período de incubação é variável entre as espécies, com uma média de 45 dias no ser humano. 

A mulher deu entrada no Huoc no dia 31 de dezembro, com um quadro de dormência que se irradiou para o tórax, dores e fraqueza.

A Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES-PE) informou que, às 23h da terça-feira (9/1), o exame realizado pelo Instituto Pasteur, em São Paulo, confirmou a infecção pelo vírus da raiva.

O último caso de raiva humana em Pernambuco, antes desse, ocorreu em junho de 2017.

"A paciente foi atendida no dia 31 dezembro e, no dia 2 de janeiro, teve uma piora significativa, indo para a ventilação mecânica e apresentando um quadro neurológico grave de agitação, além de insuficiência respiratória", informa a médica do Huoc, Ana Flávia Campos

"De lá para cá, não precisou de suporte, urina bem, não tem sinais de infecção bacteriana secundária e está seguindo sob sedação profunda. Ela continua sendo monitorada pela equipe médica acerca de possíveis complicações da doença, seguindo com o tratamento e observando caso apareça algum aumento significativo dessas dificuldades", acrescenta. 

A paciente mora em Santa Maria do Cambucá, cidade localizada no Agreste do Estado.

O laudo do exame demonstra que o vírus encontrado é de origem silvestre. Segundo relatos da investigação, nos dias anteriores ao contato da paciente com o animal, ocorreram queimadas na região, o que resultou na fuga do animal da mata e contato com a mulher.

"Há oito anos, não é identificado caso de raiva em humanos no Estado. A vigilância identifica o vírus da raiva em animais silvestres, de mata. Esses animais são diferentes dos domésticos, que devem ser vacinados contra a doença", destaca o diretor-geral de Vigilância Ambiental de Pernambuco, Eduardo Bezerra.

Em caso de agressão de animais silvestres, a primeira medida de prevenção é procurar assistência médica para que seja realizada a profilaxia. Após análise do profissional de saúde, será indicada a aplicação de vacina e/ou soro.

"A raiva é uma doença rara, mas é fatal. A população precisa ter esta consciência. Após mordedura ou arranhadura por algum animal, mesmo que ele seja vacinado contra doença, é obrigatório que se procure o serviço de saúde para que o profissional capacitado verifique se é necessário realizar a profilaxia. E essa procura deve ser imediata", ressaltou Ana Flávia Campos, quando concedeu entrevista ao JC, em junho de 2017, para comentar sobre a morte, naquele ano, de uma paciente com raiva humana. 

Raiva humana

A raiva é uma doença infecciosa viral aguda causada pelo vírus do gênero Lyssavirus, com taxa de letalidade de 100%.

De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2010 e 2024, foram registrados 48 casos de raiva humana no Brasil.

Desses, nove foram causados por mordidas de cães, 24 por morcegos, seis por primatas não humanos, dois por raposas, quatro por felinos e um por bovino.

Transmissão

A raiva pode ser transmitida ao ser humano através de mordedura, arranhadura ou lambedura de um animal infectado.

Sintomas

Se o ser humano tiver contato com o animal infectado (através de mordedura, arranhadura ou lambedura), após o período de incubação, que varia entre 2 e 10 dias, pode apresentar:

  • Mal-estar geral
  • Pequeno aumento de temperatura
  • Anorexia
  • Cefaleia
  • Náuseas
  • Dor de garganta
  • Entorpecimento
  • Irritabilidade
  • Inquietude
  • Sensação de angústia

À medida que a infecção pela raiva avança, surgem sintomas mais graves e complicações, como:

  • Aumento da ansiedade e da hiperexcitabilidade;
  • Febre;
  • Delírios;
  • Espasmos musculares involuntários, generalizados e/ou convulsões.

Os espasmos nos músculos da laringe, faringe e língua ocorrem ao tentar ingerir líquidos ou ao visualizá-los, causando sialorreia intensa, também conhecida como "hidrofobia".

Esses espasmos musculares evoluem para paralisia, o que resulta em alterações no sistema cardiorrespiratório, retenção urinária e constipação intestinal.

Além disso, podem ser observados sintomas como disfagia (dificuldade para engolir), aerofobia (medo de ar ou correntes de ar), hiperacusia (sensibilidade excessiva aos sons) e fotofobia (sensibilidade à luz).

Diagnóstico

Obrigatoriamente feito por meio laboratorial pela utilização de técnicas diversas.

Tratamento

A medida mais eficaz é a prevenção, por meio da vacinação pré ou pós-exposição.

A raiva é uma doença fatal, e a principal forma de prevenção é a vacinação, seja antes ou após a exposição ao vírus. 

Profilaxia Antirrábica Humana

O Ministério da Saúde adquire e distribui os imunobiológicos necessários para a profilaxia da raiva humana no Brasil:

  • Vacina antirrábica humana de cultivo celular
  • Soro antirrábico humano
  • Imunoglobulina antirrábica humana

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