ATAQUE EM BATALHÃO NO RECIFE

PM morta após tiroteio em batalhão escreveu artigo sobre saúde mental na Polícia Militar de Pernambuco

Em ataque ao 19º Batalhão da PM, no Recife, quatro policiais foram baleados nessa terça-feira (20). Dois morreram, além do policial que atirou nos colegas

Raphael Guerra
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Raphael Guerra
Publicado em 21/12/2022 às 10:17 | Atualizado em 21/12/2022 às 16:01
REPRODUÇÃO/TV JORNAL
Tragédia no batalhão expôs, novamente, a necessidade de mais atenção à saúde mental dos policiais militares que atuam no Estado - FOTO: REPRODUÇÃO/TV JORNAL

A major Aline Maria Lopes dos Prazeres Luna, de 42 anos, que morreu após o ataque a tiros na sede do 19º Batalhão da Polícia Militar de Pernambuco, nessa terça-feira (20), escreveu recentemente um artigo que abordou a depressão entre os PMs do Estado. 

O texto, de julho de 2022, foi publicado na revista interna da Polícia Militar. A subcomandante do 19º Batalhão destacou que "os policiais militares, de forma geral, demonstram preconceito em se submeter a um acompanhamento psicológico preventivo e, quando manifestam os sintomas, o transtorno já se encontra instalado".

Em outro trecho do artigo, a major Aline pontua que "o cotidiano da profissão dos policiais militares apresenta-se com várias situações em que o perigo ou a ameaça à vida é uma constante. Muitos passam por situações em que há perdas de companheiros de trabalho ou a incapacidade física sua ou de outrem".

 

ALTO NÚMERO DE AFASTAMENTOS NO 19º BATALHÃO

O 19º Batalhão da Polícia Militar, no bairro do Pina, Zona Sul do Recife, onde o soldado Guilherme Santana Ramos de Barros, de 27 anos, atirou contra colegas de farda e depois se matou chamou a atenção do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) durante uma inspeção realizada há exatamente um ano. Lá, Promotores de Justiça da Capital identificaram que um número alto de militares havia se afastado das atividades por problemas de saúde mental.

A promotora Delane Mendonça, que atua como coordenadora de Apoio Operacional de Defesa Social e Controle Externo da Atividade Policial do MPPE, esteve na visita ao batalhão. E ficou impressionada com a quantidade de policiais que estavam de licença-médica.

"Estudos indicam que houve um recrudescimento de problemas com a saúde mental por causa da pandemia da covid-19. E a situação foi mais complicada para o policial, que fica exposto ao risco o tempo todo. Ele faz o policiamento ostensivo, enfrentando a criminalidade. O nível de estresse é muito alto", pontuou a promotora.

"A arma para um cidadão comum já é um risco, imagine para um policial com adoecimento mental estar com um armamento", completou.

"É preciso questionar quais estratégias estão sendo adotadas para haver menos adoecimentos. Que política interna é adotada pelos gestores para consolidar a saúde mental dos PMs. Isso tem que ser uma preocupação de todos. Com o aumento da pobreza, cresce a violência e a sobrecarga de trabalho para esses policiais", disse a promotora.

Antes de tirar a própria vida, o soldado atirou em quatro militares. O tenente Wagner Souza morreu na hora. A major Aline Maria e o cabo Paulo Rebelo foram encaminhados ao Hospital Português. A primeira não resistiu aos ferimentos e faleceu. O cabo, ferido no ombro, encontra-se internado para avaliações médicas.

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Major Aline Maria Lopes dos Prazeres Luna, de 42 anos, era subcomandante do 19º Batalhão da PM - DIVULGAÇÃO

Já o sargento Maurino Uchoa, baleado de raspão na cabeça, foi atendido no Hospital da Restauração e já recebeu alta.

Após tomar conhecimento da tragédia no 19° Batalhão, Delane Mendonça encaminhou ofício ao Comando Geral da Polícia Militar solicitando informações sobre o número atual de militares que estão afastados do trabalho por problemas mentais.

Em nota à Coluna Segurança, na tarde desta quarta-feira (21), a Polícia Militar afirmou que "presta assistência psicológica e psiquiátrica aos integrantes da corporação através dos serviços de saúde e de assistência social, na capital, RMR e interior do Estado".

"Os policiais militares interessados devem procurar seus comandantes diretos para os devidos encaminhamentos. Da mesma forma, os comandantes, ao observarem qualquer comportamento neste sentido do seu efetivo, podem fazer o encaminhamento, desde que haja a concordância do policial militar", completa a nota. 

AGENTES DE SEGURANÇA MORTOS NO GRANDE RECIFE

Com as três mortes de policiais militares registradas nessa terça-feira, a Região Metropolitana do Recife soma 104 agentes de segurança baleados nos últimos quatro anos, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Cinquenta e um desses agentes morreram e 53 ficaram feridos.

Para Cecília Olliveira, diretora executiva do instituto, o ataque ao 19º Batalhão é reflexo da saúde mental dos agentes de segurança. “Os policiais militares são a categoria mais afetada pela violência armada e mais expostas aos traumas. Em quatro anos, representaram 68% dos agentes de segurança baleados. É preciso investir para garantir que estes casos não se tornem rotina”, disse.

“O Fogo Cruzado monitora a violência armada no Grande Recife há quatro anos e por isso conseguimos produzir esse dado que é alarmante. Sem informação de qualidade não há política pública eficaz. O dado de mais de 100 agentes baleados assusta, mas precisamos ir além. Pernambuco carece de um plano de segurança que tenha foco em garantir a vida, sobretudo de seus agentes de segurança, como podemos ver”, avaliou Cecilia Olliveira.

Entre os 51 agentes de segurança mortos, seis estavam em serviço, 25 estavam de folga e 20 eram aposentados ou exonerados. Dos 53 feridos,19 estavam em serviço, 28 estavam fora de serviço, cinco eram aposentados ou exonerados e um não teve o status de serviço revelado.

Em nota pública, o Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), entidade de direitos humanos, afirmou que episódios como o que ocorreu nesta terça-feira "revelam a necessidade de adoção de medidas práticas voltadas para a promoção da saúde mental, bem como a oferta de atenção psicossocial e de saúde no trabalho aos profissionais de segurança pública".

FEMINICÍDIO ANTES DE ATAQUE A BATALHÃO DA PM

Antes de atirar em colegas do 19° Batalhão e se matar, o soldado Guilherme Barros matou a tiros a companheira, que estava grávida, no município do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife.

Segundo as investigações, ele assassinou Cláudia Gleice da Silva, de 33 anos, dentro da casa da mãe dela. Ela chegou a ser socorrida e encaminhada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Cabo, onde faleceu. Ela teria sido atingida por sete tiros. Um parente da vítima contou que o policial não aceitava o fim do relacionamento. 

GOVERNADOR DECRETA LUTO DE 3 DIAS

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, informou, nesta manhã, que decretou luto oficial no Estado.

"Decretei luto oficial de três dias em memória de Cláudia Gleice da Silva e dos policiais militares Wagner Souza e Aline Maria Lopes, vítimas da ação criminosa do soldado Guilherme Barros, registrada ontem no município do Cabo e na sede do 19º Batalhão, no Recife", disse em texto publicado no Twitter.

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