Guardas municipais que atuam no Recife querem usar armas de fogo, afirma sindicato
Categoria diz que pode contribuir com o combate à violência, se estiver armada. Prefeitura do Recife não planeja aderir
A discussão em torno do uso de armas de fogo pela Guarda Municipal continua quente no Recife. Agora, foi a vez do sindicato da categoria se pronunciar a favor da medida. Ao mesmo tempo, a Prefeitura mantém a decisão de não equipar os profissionais com armas letais.
"A questão do armamento é uma situação de necessidade por causa da violência imposta. A gente sempre entendeu que a Guarda Municipal pode colaborar contra a violência. E a lei reconhece isso. Já tivemos vários diálogos com o secretário de Segurança Urbana, Murilo Cavalcanti, sobre o assunto, mas ele tem um pensamento diferente", disse Marília Viana, presidente do Sindicato dos Guardas Municipais, Subinspetores, Inspetores e Agentes de Trânsito do Recife (Sindguardas).
"A Prefeitura recebeu R$ 3 milhões do Ministério da Justiça e Segurança Urbana para investimentos na área. Esse recurso pode ser investido para armar a guarda e combater a violência sofrida pela sociedade. É importante lembrar também que somos uma instituição com controle interno e externo. Temos nossa corregedoria para fiscalizar o trabalho dos guardas municipais", completou.
Em ao menos 20 capitais do País, a Guarda Municipal já atua armada. Recife é a única capital do Nordeste que não aderiu.
Atualmente, o efetivo da Guarda Municipal do Recife é de cerca de 1,8 mil profissionais. O ideal, segundo o sindicato, era ter pelo menos 2,5 mil - como está previsto. "Fizemos cobrança para que um concurso público seja realizado no início do ano que vem", contou Marília Viana.
A volta da polêmica sobre o uso de armas de fogo pela Guarda Municipal teve início com a publicação de um artigo assinado pelo vereador Paulo Muniz (SD) na edição do JC do dia 26 de outubro. "A Prefeitura do Recife tem um papel fundamental a desempenhar na melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos. E uma maneira decisiva de fazer isso é armar nossa Guarda Municipal", afirmou o texto.
No dia seguinte, o secretário Murilo Cavalcanti foi questionado pela reportagem sobre o assunto. Mas se mostrou contrário à medida.
"Não há evidência de que armar a Guarda Municipal irá diminuir a violência. O Brasil vive um momento muito difícil, com explosão da violência em todos os grandes centros urbanos. Mas armar a Guarda não é a pauta do momento."
Para Murilo, o investimento em políticas públicas em áreas mais vulneráveis, mapeadas pela Prefeitura do Recife, pode trazer melhor resultado no combate à violência.
Na última segunda-feira, houve discussão na Câmara de Vereadores do Recife sobre o tema, levantado pelo vereador Paulo Muniz, que novamente se mostrou favorável ao uso de armas de fogo.
O vereador Ivan Moraes (PSOL) pediu a palavra e disse não concordar. "Um dos poucos acertos da prefeitura (do Recife) é manter a guarda desarmada. Guarda é guarda, polícia é polícia. Cada um tem uma tarefa. Tarefa da guarda é zelar pelos equipamento públicos, parques e praças. E isso pode ser feito com armamento não letal ou menos letal, como spray de pimenta. E, de fato, não há nenhuma base científica que comprove que a guarda armada reduz a criminalidade", declarou.
PREFEITURA CONTRATA VIGILANTES ARMADOS
Apesar de optar por não equipar a Guarda Municipal com armas de fogo, a Prefeitura do Recife faz contratações de empresas de vigilância privada armada. O argumento é de que os serviços são complementares e têm o objetivo de ampliar a segurança dos equipamentos públicos.
A Autarquia de Urbanização do Recife (URB), responsável pelas obras estruturadoras e serviços de engenharia no município, por exemplo, tem feito estudos para analisar se é viável a contratação de empresas de vigilância armada para reforço da segurança.
A prefeitura foi questionada pelo JC sobre o motivo pelo qual a Guarda Municipal não é treinada e equipada para fazer uso de armas de fogo nos locais onde há vigilantes privados armados.
Por meio de nota, a prefeitura argumentou que a Guarda Municipal "atua na segurança patrimonial de equipamentos públicos que, em sua maioria, prescindem de armas de fogo para sua vigilância, como parques e praças". E que qualquer mudança na forma de atuação deverá passar por amplo debate com a sociedade.
"Em relação ao emprego de vigilância privada, não se constitui serviço conflitante com a proteção patrimonial, uma vez que é complementar e visa ampliar a cobertura de segurança dos equipamentos municipais", completou a prefeitura.
A presidente do Sindguardas afirmou ter conhecimento das contratações de empresas de vigilância armada. "Em 2020, no começo da pandemia, também houve contratação para a Câmara Municipal do Recife. E lá, a segurança também é feita pela Guarda Municipal. Não entendemos o motivo de a Prefeitura do Recife colocar vigilante armado e não equipar a guarda", declarou.
O JC pediu à Prefeitura do Recife para esclarecer em quais situações estão sendo contratados vigilantes armados, mas não houve resposta.
ESPECIALISTA ALERTA PARA ALTO INVESTIMENTO E RISCO DE CONSEQUÊNCIAS
Gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, o advogado Bruno Langeani fez ponderações em relação à adesão das armas de fogo.
"O sucesso ou fracasso na atuação da Guarda Municipal para prevenir crimes tem muito mais a ver com a definição das prioridades, com a articulação das polícias estaduais e planejamento, do que necessariamente com o uso ou não da arma de fogo. A adesão da arma de fogo, para além do custo alto da compra e manutenção, também precisa prever um custo grande com treinamento e com reforço das atividades e da estrutura de correição da Guarda Municipal", afirmou Langeani.
"Caso seja decidida a compra de arma, considerando que a gente está entregando um instrumento letal para esses funcionários públicos, é preciso que isso venha acompanhado de um controle maior sobre essas atividades e capacidade de apuração de denúncias. Não deve ser uma medida tomada simplesmente porque outras guardas são armadas ou porque outras capitais estão armadas. Porque essa é uma decisão que pode vir com muito mais consequências negativas para a população do que como ajuda na prevenção criminal", completou o especialista, que é autor do livro Arma de Fogo no Brasil: Gatilho da Violência.