Combate permanente às drogas é desafio para reduzir homicídios em Pernambuco
Ao menos sete em cada dez mortes violentas intencionais no Estado são resultados de algum envolvimento das vítimas com atividades criminais, sobretudo as drogas
A rotina de pescadores da Vila São Miguel, no bairro de Afogados, Zona Oeste do Recife, foi interrompida na manhã de 31 de maio. No rio onde encontram, diariamente, o sustento para a família, eles acharam o corpo de uma mulher aparentando 20 anos. Logo após o resgate, e com a identificação de marcas de tiro, descobriram que se tratava de uma vizinha, usuária de drogas, que estava desaparecida havia três dias.
O caso se soma a tantos outros em que as vítimas perdem a vida por envolvimento com as drogas. "Posso afirmar, com certeza, que pelo menos 70% dos homicídios em Pernambuco tem alguma ligação com as drogas. São pessoas que têm dívidas ou que fazem parte de grupos criminosos especializados na venda dos entorpecentes e que entram em guerra pela disputa de territórios", afirmou o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho.
Levantamento da Secretaria Estadual de Planejamento, Gestão e Desenvolvimento Regional (Seplag) traçou as principais motivações das mortes ocorridas entre janeiro e março deste ano. Das 988 vítimas, 732 (ou seja, 74%) tinham alguma ligação com atividades criminais - sobretudo com as drogas.
Em segundo lugar, com 147 casos (15%), a violência interpessoal aparece como motivação dos homicídios. Em geral, ocorrem entre membros da mesma família, amigos ou vizinhos. Em terceiro, com 27 casos (3%), o excludente de ilicitude, quando o agente de segurança mata por legítima defesa.
O estudo ainda destaca que 47% das vítimas de homicídio têm entre 18 e 30 anos. Além disso, 6% têm entre 12 e 17 anos. Tratam-se de faixas etárias que merecem mais atenção do poder público, porque, sem estudo e sem emprego, acabam cooptadas por organizações criminosas especializadas no tráfico de drogas e em homicídios - com a promessa de que vão melhorar de vida.
Em maio, as mortes violentas intencionais em Pernambuco caíram 11,6%, o que fez a gestão estadual comemorar. Mas é cedo para isso, pois os números seguem muito altos. No acumulado, no primeiro quadrimestre, 1.577 pessoas foram assassinadas. O aumento foi de 3,4% em relação ao mesmo período de 2023, quando 1.524 mortes foram contabilizadas pela polícia.
É preciso pensar a longo prazo, com o combate permanente às drogas. E não basta apenas prender criminosos de facções especializadas no tráfico. Afinal, como já se observa com frequência, líderes continuam dando ordem de dentro dos presídios. E novos integrantes seguem sendo atraídos para fortalecer as organizações e ampliar o domínio de territórios.
O caminho, como apontam especialistas na área de segurança pública, é investir na prevenção, com políticas públicas que evitem que os mais jovens sejam atraídos para as drogas e criminalidade. Educação, esportes e emprego são algumas das áreas que necessitam de um olhar sempre atento do poder público, com criação de novas vagas e oportunidades.
INVESTIMENTOS PARA TIRAR USUÁRIOS DO VÍCIO DAS DROGAS
No combate permanente às drogas, é preciso pensar em alternativas para ajudar as pessoas a saírem do vício, sobretudo aquelas em situação de rua e/ou egressas do sistema prisional.
Em 2010, o caso de um jovem que era acorrentado pela mãe para que não furtasse a própria casa para comprar crack, na Zona Norte do Recife, teve repercussão nacional. O rapaz acabou sendo levado para tratamento contra as drogas. Mas a história não teve um final feliz, porque ele fugiu da unidade e, dias depois, foi morto em pleno Dia das Mães.
Diante da tragédia e das críticas, o então governador Eduardo Campos anunciou a criação de um programa para combater o vício das drogas no Estado. Meses depois, nasceu o Atitude. Nos primeiros anos, a iniciativa trouxe bons resultados no atendimento às pessoas em situação de rua que usavam entorpecentes - principalmente o crack - e que eram levadas para tratamento intensivo.
Mas, na gestão Paulo Câmara, os recursos diminuíram, casas de acolhimento foram fechadas e o número de pessoas atendidas despencou.
Secretário-executivo de Políticas sobre Drogas do Estado, Yury Ribeiro afirmou que a atual gestão está voltando a investir no programa Atitude. Segundo ele, mais de 5 mil atendimentos foram registrados em 2023.
"Encontramos o programa sucateado, com casas inapropriadas para acolhimento das pessoas usuárias de drogas. Algumas delas mudamos de endereços para melhorar as condições. São oito casas, sendo duas em no Recife, duas em Jaboatão dos Guararapes, duas no Cabo de Santo Agostinho e duas em Caruaru (Agreste)", afirmou.
O orçamento previsto para este ano é de R$ 23 milhões. Um aumento de 15% em relação ao ano anterior, mas ainda bem abaixo do necessário para atender a todo o Estado.
Yury Ribeiro disse que, aos poucos, o programa tem recebido reforços. "Em dezembro, qualificamos uma equipe com assistente social, psicólogo e educador social para visitar os locais com cenas de uso de drogas. Temos duas equipes em cada uma das quatro cidades, embora hoje a gente também vá em Olinda, em Ipojuca, entre outros. Também estamos desenvolvendo projetos qualificando municípios para lidar com a prevenção às drogas."
Entre as pessoas atendidas pelo programa no primeiro trimestre deste ano, quase a totalidade (2.764) confirmou ser usuária de crack. O vício em álcool aparece em seguida. Ao todo, 122.
O secretário-executivo também falou sobre o Aluguel Social, considerado como a última fase do programa Atitude, quando a pessoa atendida já tem condições de ser reinserida na sociedade e, por alguns meses, passa a morar em uma residência com aluguel pago pelo Estado para poder recomeçar a vida.
"Em 12 anos, as pessoas encaminhadas para essa fase do programa nunca receberam os kits previstos pelo governo, com geladeira, cama, entre outros móveis básicos. Estamos fazendo esse investimento. Além disso, também estamos invertendo a lógica ao levar pessoas da rua direto para a moradia, se elas tiverem o perfil", disse.
Segundo Yury, 36 pessoas que passaram pelo Atitude entre os anos de 2020 e 2023 foram assassinadas. Mas nenhuma delas estavam mais sendo acompanhadas pelo programa.
"Estamos em constante diálogo com organizações da sociedade civil, como a Escola Livre de Redução de Danos e comunidades terapêuticas, para ampliar as ações de combate às drogas. A polícia tem papel de garantia da segurança pública, mas a assistência social e a saúde precisam chegar primeiro na vida das pessoas", declarou.
COBRANÇA POR MAIS INVESTIMENTOS
Membro da Escola Livre de Redução de Dados - organização da sociedade civil que atende pessoas em situação de rua e ex-detentos - e integrante do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, Rafael West disse que o Atitude tem importante papel no Estado, mas que precisa ser atualizado. Ele foi gestor do programa no governo Eduardo Campos.
"O Atitude ainda tem bem pouco alcance, porque, ao longo dos anos, foi perdendo a identidade. É necessária uma renovação, com inserção de políticas nacionais que estão sendo adotadas, principalmente no dia que respeito à saúde mental das pessoas que são usuárias de drogas. Hoje, no Estado, há apenas sete Caps (Centros de Atenção Psicossocial) com esse perfil. Além disso, é preciso um diálogo mais inteligente para atendimento aos egressos do sistema prisional para evitar que eles sejam cooptados pelas organizações criminosas", afirmou.
West destacou que o governo federal destinou, recentemente, R$ 5 milhões para o combate às drogas no Estado, valor que precisa ser investido no programa Atitude, "para que se torne uma política pública mais eficiente".
Rafael West é mestre em políticas públicas, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). No começo da gestão Raquel Lyra, ele chegou a ser nomeado para assumir a Secretaria Executiva de Políticas sobre Drogas, mas foi exonerado do cargo dias depois por pressão política de partidos evangélicos.
West segue uma linha de trabalho voltada para uma política sobre drogas considerada menos violenta e menos encarceradora. Por isso, o nome dele não teria sido visto com bons olhos por alguns líderes políticos aliados à governadora.
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS PARA COMBATER VIOLÊNCIA INTERPESSOAL
A secretária de Justiça, Direitos Humanos e Prevenção à Violência do Estado, Joana D’Arc da Silva Figueiredo, destacou que 13 núcleos de prevenção social estão instalados em territórios considerados mais quentes (mais violentos) para tentar diminuir os crimes.
Os centros estão em municípios como Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Paulista, Vitória de Santo Antão, Palmares, Caruaru e Petrolina.
"As equipes técnicas fazem a articulação com as redes de saúde, educação e mediação de conflitos, principalmente como forma de evitar os crimes de proximidade (violência interpessoal). O resultado tem sido positivo, mas sabemos que precisamos melhorar esses equipamentos", disse.
As equipes são compostas por assistentes sociais, psicólogos, mediadores (formados em direito) e os coordenadores de cada núcleo.
No primeiro trimestre deste ano, 355 mediações de conflitos foram realizadas no Estado. Desse total, 153 (43%) envolviam membros da mesma família. Já 89 (25%) envolviam vizinhos.
PROTEÇÃO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A secretária destacou ainda a renovação da parceria com o governo federal para recebimento de investimentos para o programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), criado em 2003 para atendimento aos jovens expostos à intensa ameaça de morte, inclusive familiares.
Em 2023, foram recebidos pelo programa 136 solicitações de proteção. Desse total, 33 casos foram acolhidos, resultando na proteção de 77 pessoas (contando adolescentes e parentes).
"Em geral, as crianças e adolescentes protegidos têm envolvimento com as drogas e correm risco de morte. Também há ex-internos da Funase que precisam ser acolhidos. Em alguns casos, essas pessoas ameaçadas precisam até mudar de estado para serem reinseridas na sociedade", explicou a gestora.
O programa tinha investimento anterior de R$ 4,3 milhões. Agora, terá custo de R$ 6,1 milhões.